Cerca de 293 milhões de jovens sofrem algum transtorno mental no mundo

ENTREVISTA | FRENTE E VERSO

Cerca de 293 milhões de jovens sofrem algum transtorno mental no mundo

Ansiedade é o mais prevalente de todos na faixa etária de cinco a 24 anos. Médico psiquiatra e professor, Cristian Kieling detalha estudo

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Atualizado quarta-feira,
21 de Fevereiro de 2024 às 14:29

Cerca de 293 milhões de jovens sofrem algum transtorno mental no mundo
Médico psiquiatra e professor, Cristian Kieling (Foto: Arquivo Pessoal).

Um estudo liderado pela faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) revela que 293 milhões de crianças e adolescentes, mais de um em cada dez avaliados mundo afora, enfrentam transtorno mental. No estado, o representante é o médico psiquiatra e professor, Cristian Kieling.

Ele destaca que é um tema difícil, mas que precisa ser falado, pois uma parte da solução está no aspecto de reconhecer e enfrentar esse problema de frente.

Ele lembra que antigamente se dizia que crianças não sofriam transtornos mentais. Portanto, é relativamente recente, se tratando de crianças e adolescentes. “Reconhecimento mais recente, desde a década de 80 do século passado que existem critérios operacionais estabelecidos para poder fazer pesquisas sistematizadas em todas as partes do mundo e poder coletar esses tipos de dados como esses reportados no artigo”.

Se for pensar numa perspectiva histórica, a possibilidade de fazer estudos como esse publicado ainda é bastante recente. “Fica difícil determinar com certeza se o que a gente está observando é um maior reconhecimento de problemas de saúde mental ou se de fato tem um aumento nas taxas populacionais de problemas de saúde mental.”

Para o especialista, parece que as duas coisas operam. De um lado, as pessoas falando mais, tendo mais acesso à informação, pois hoje possuem mais ferramentas para buscar essas informações, mas ao mesmo tempo, observa-se que os dados são mais frágeis. Um aumento nos problemas de saúde mental que parecem ser pré-pandemia, pois naquela época já era percebido um aumento na procura por informações e cuidado em saúde mental.

Sobre o estudo

Foi lançado um banco de dados internacional, estudo grande que já acontece desde a década de 90 que reúne todos os dados mundiais sobre frequência e impactos de doenças na população, da saúde em geral, incluindo doenças como, câncer, diabetes, hipertensão, além dos problemas de saúde mental.

O grupo de especialistas e colaboradores de diversas partes do mundo, decidiram fazer uma análise específica sobre saúde mental na infância e adolescência para entender no planeta, qual a frequência dos transtornos e seus impactos.

“O que queremos medir é além da mortalidade, pois o maior impacto não é através da mortalidade, mas da redução da qualidade de vida dos indivíduos, o que é muito preocupante.”

Kieling ressalta que uma criança ou adolescente que passa por esses transtornos, alguns enfrentam o problema para o resto da vida. “Eis a necessidade de que medidas sejam tomadas imediatamente para reduzir esses índices”.

Os números são preocupantes e exigem que a sociedade num todo olhe de frente e iniciativas sejam tomadas tanto no setor público quanto no privado para dar conta dessa demanda. “Mas a gente precisa lembrar que, mesmo quando a gente diz que uma em cada 10 crianças e adolescentes possuem transtorno mental, a gente precisa lembrar que nove em dez não tenham transtornos mentais e que alguns desses quadros de saúde mental são transitórios. Mas essa minoria de mais de 1 em 10 é significativa e está associada a um sofrimento muito grande. A gente não vê os cuidados tanto de vista de organização do sistema único de saúde, quanto na medicina privada acompanharem a demanda que a gente tem.”

Ele esclarece, ainda, que nessa faixa etária de cinco a 24 anos, que é a faixa focada no estudo, os transtornos mentais têm impacto maior do que doenças como câncer, doenças cardiovasculares e acidentes incluindo os de trânsito. “Não percebemos por parte do sistema de saúde uma estrutura de cuidados, principalmente não somente depois de apresentar o transtorno mental, mas a prevenção de problemas de saúde mental existentes no país”.

Transtornos

Conforme o especialista, o estudo não escolheu a faixa etária dos cinco aos 24 como um bloco único, pois entendem que esse é um período de intensas mudanças tanto do ponto de vista do desenvolvimento neurobiológico, do cérebro das pessoas, quanto nos aspectos sociais e psicológicos dos indivíduos.

“Pegamos faixas de cinco e cinco anos e percebemos que o perfil dos transtornos mentais muda bastante nesses períodos”.

Ainda, Kieling explica que no caso do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), que já existe uma prevalência razoável na infância, dos cinco aos nove anos, ela sobe aos dez e 14 anos e, depois cai um pouco. Sempre mais comum nos meninos do que nas meninas.

Ao contrário, por exemplo, dos transtornos depressivos, chamada depressão maior, que há baixa prevalência dos cinco aos nove anos, mas depois, uma curva que cresce acentuadamente na adolescência, e aí acontece um perfil inverso, sempre mais meninas do que meninos.

“Esse conhecimento mais detalhado sobre o perfil de cada faixa demográfica é muito importante até para pensar em aspectos de prevenção e de políticas de saúde pública”.

Medidas a serem tomadas

Existem fatores que influenciam a saúde mental e, hoje, a ciência consegue identificar, mas dificilmente se pode falar em uma ou duas causas. A questão dos eletrônicos e mídias sociais é algo que vem sendo estudado muito e, em 2010, percebeu-se esse aumento do uso, mas estudos não confirmaram.

“Acredito que devemos ter essa preocupação sem ser alarmista em dizer que essa é a única causa dos problemas de saúde mental, mas estamos expondo uma população jovem, vulnerável e que muitas vezes não tem autonomia para tomar algumas decisões a um experimento que ninguém sabe qual o efeito. Hoje não podemos dizer que temos segurança no uso dessas mídias sociais por indivíduos mais jovens, principalmente as meninas, mas os meninos também. Sou muito favorável da ideia de ter uma restrição, principalmente das crianças. Sabemos que a criança e adolescente pode mentir a idade e fazer o cadastro”.

Existem vários transtornos e são diferentes entre si, mas podemos ficar atentos em

  • Mudanças de comportamento;
  • Mudanças em aspectos da rotina daquela criança e adolescente, o desempenho na escola, por exemplo;
  • Adolescente que começa a ficar mais fechado e recolhido no quarto, caso seja exagerado, pode estar evoluindo para um quadro de saúde mental. É preciso buscar auxílio médico especializado;
  • Atentar para aspectos de promoção da saúde mental. Questões que podem ajudar a saúde física também ajudam a saúde mental; Prática de atividade física previne problemas de saúde mental;
  • Diálogo entre pais e filhos.

Ansiedade

A ansiedade é o grupo mais prevalente de todos os transtornos mentais na infância e adolescência nessa faixa etária.

  • Existem diversos tipos de ansiedade desde aspectos mais associados a crianças menores como, ansiedade de separação, crianças com dificuldades de adaptação na escola ou mesmo ficar longe dos pais, trazendo prejuízos para a vida daquela criança;
  • Aspectos ligados à ansiedade social que acabam acontecendo mais na adolescência que é aquela ansiedade com a interação entre outras pessoas, apresentar um trabalho na escola na frente dos colegas, abordar pessoas que não conhece;
  • Ansiedade generalizada que normalmente acontece no final da adolescência, início da idade adulta, que é aquele temor, preocupação de que sempre o pior vai acontecer, chegando ao extremo como, a crise de pânico, dentre outros.

Programas que trabalham aspectos de estigma, redução de bullying nas escolas, promoção de atividades físicas podem ter benefícios para a saúde mental e perdurar décadas à frente.

“Os cuidados não devem ser direcionados somente para tratamento, mas para prevenção de problemas de saúde mental e o benefício de prevenir cedo na vida são décadas que vão ser ganhas”.

Acompanhe a entrevista na íntegra

 

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