ESG propõe um novo olhar ao ambiente e às pessoas

VIVER CIDADES

ESG propõe um novo olhar ao ambiente e às pessoas

Práticas reconhecidas no mundo refletem uma melhor forma das instituições serem vistas pelos públicos interno e externo e pelo mercado

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Atualizado quarta-feira,
08 de Novembro de 2023 às 14:43

ESG propõe um novo olhar ao ambiente e às pessoas
Desenvolvimento de produto com alta biodegradabilidade é um dos focos da empresa (Foto: Luciane Eschberger Ferreira)
Teutônia
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

A sigla ESG, environmental, social and governance, corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização. Mais do que isso, é impactar positivamente a vida das pessoas, o meio ambiente e a sociedade.

O termo surgiu nos anos 2000 em uma publicação do Pacto Global, da Organização das Nações Unidas (ONU), e está diretamente relacionado aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O ESG é uma jornada de transformação dos negócios e envolve a construção de um mundo inclusivo, ético e ambientalmente sustentável, que garanta a qualidade de vida para todos. A ousada meta depende da habilidade das empresas em desenvolver e implementar práticas de negócios que alinhem lucro, propósito e transparência.

A empresa Reinigend Tecnologia em Higienização, sediada em Teutônia, tem desde a sua fundação, em 2000, uma preocupação com as questões ambientais. “Pelo tipo de atividade que temos, viemos desde a constituição da empresa atendendo às exigências legais, que só foram sendo ampliadas ao longo do tempo”, conta Gicele Mylius, sócia-administradora.

Gicele destaca que a governança e a transparência fazem parte da cultura da empresa. “Hoje falamos em ESG, mas várias práticas ambientais e em recursos humanos já vinham sendo feitas. Só que tudo isso foi colocado sob um guarda-chuva.”

Na visão da empresária, implementar ESG deve partir da direção das empresas. “Se não for de cima para baixo, não vai funcionar. Tem que começar com uma vontade sincera da direção.” A equipe, complementa, percebe quando é feito algo simplesmente visando o comercial ou se realmente existe o intuito de mudar. “O colaborador está ali. Ele é o teu contato mais fiel, é o teu cliente mais fiel. Ele sabe exatamente o que está ocorrendo ali dentro”, destaca. “Então, se você diz uma coisa que você não está praticando, o teu colaborador é o primeiro que vai dizer ‘não é bem assim como estão falando’. Tem que vir da empresa e ser verdadeiro”, complementa Gicele.

Em todo o processo, a Reinigend deu uma passo importante, há dez anos, ao usar o termo “química do bem”. A intenção era quebrar o paradigma de que química representa algo ruim, tóxico.

“Não escovo os dentes sem química, não fabrico uma mesa sem a química. Ela está presente em tudo.” O debate e a desmistificação começaram dentro da empresa, por meio de ações capitaneadas pelo setor de recursos humanos.

Uma delas é o café da manhã para celebrar os aniversários. O momento serve para conversar sobre temas pertinentes – tanto referentes aos colaboradores quanto à empresa.

A cada ano, a organização elege um objetivo, como por exemplo a segurança. Treinamentos, palestras e outras atividades vão abordar a segurança dentro da empresa, no trânsito, em casa e até a segurança financeira.

Para tanto, conta com parceiros, como o Sesi, e profissionais de fora que dão palestras e treinamentos, além das ações diretas do RH da Reinigend. “Temos 40 funcionários e dois profissionais de RH. Parece muito, mas precisamos destes dois profissionais para o tanto de ações e projetos que desenvolvemos”, observa Gicele.

Outro ponto de destaque é a integração entre setores, tendo em vista a importância de cada funcionário saber o que os outros fazem e desenvolvem. “Isso é a transparência da governança.”

Gicele entende que este trabalho com a equipe é contínuo. “Tivemos um retorno muito positivo, conforme avaliação de ambiente feita pelo Sesi com os colaboradores. Os dados orientam temas que serão trabalhados no próximo ano. “O que nos chamou a atenção é que eles sabem que trabalham em uma indústria química e sentem-se 100% seguros. Eles entendem a importância do que fazem, sabem da necessidade de uso de EPIs e que a empresa está cumprindo com todas as normas para que estejam seguros.”

Pandemia mostrou a necessidade

Depois passar pelo período de convencimento de que a química não é ruim, veio a pandemia. E ratificou a importância de segmento. “Como tu irias combater algo sem a química naquele momento? A vacina passa pela química, o álcool gel, os produtos desinfetantes…”

A própria empresa, há mais de 20 anos, escolheu a higienização antes da química. No desenvolvimento de um um produto, a busca é ter uma solução que seja menos agressiva ao meio ambiente, que utilize menos recursos naturais, como água e energia – preceitos ESG.

Inovações técnicas e equipe qualificada

A Reinigend desenvolveu um produto 90% biodegradável, que faz melhor a higienização se comparado com um alcalino e 34% de biodegradável. Os reflexos positivos aparecem no tratamento de efluentes e na economia de água, além da eficiência.

O desenvolvimento de um produto que atenda a demanda do mercado passa pelo olhar ao cliente, além da pesquisa. Para tanto, é fundamental ter uma equipe qualificada. Gicele lembra que a empresa viveu um período de rotatividade no quadro pessoal. Mas hoje, destaca, sabendo dos propósitos da empresa, os colaboradores permanecem por muito mais tempo. Quem deseja estudar – curso técnico ou superior – recebe um salário/ano de abono. A empresa ainda disponibiliza vagas para estágio e flexibiliza os horários de trabalho. “Quanto mais o colaborador tiver conhecimento, melhor para Reinigend.”

A partir de um tema norteador, colaboradores participam de treinamentos, capacitações e eventos de integração (Foto: Luciane Eschberger Ferreira)

Cada um precisa fazer a sua parte

O ESG está nos processos e produtos da Reinigend, assim como em muitas outras empresas. “Mas percebemos que ainda não chegou na outra ponta.” Gicele Mylius refere-se ao poder público. “Na enchente, a comunidade foi acionada, e sobraram donativos. As pessoas estão dispostas a fazer. E o poder público está preparado para o ESG?”

Na visão da empresária, não basta a iniciativa privada agir, se o poder público não tiver atitude. Ela cita como exemplo o uso da água. A Reinigend tem um tanque para atender a demanda dos bombeiros em caso de algum sinistro na empresa. “Mas não posso usar água de reciclagem, tem que ser água potável.” Gicele chegou a oferecer água para carregar o caminhão dos bombeiros para uso nas ocorrências, mas o entrave foi o mesmo. “Eu queria doar a água que coletamos para o Corpo de Bombeiros, mas não posso porque é de reciclagem. Usamos para molhar a grama, lavar os caminhões.”

Na opinião de Gicele, se o ambiente público não olhar para o ESG, será o mesmo que ter os bolsos cheios de dinheiro no meio do deserto. “Precisamos abrir a mente de quem está no poder público. O privado, o particular, a comunidade respondem muito rápido quando são solicitados.”

Tempo

A empresária entende que as escolas estão ensinando ESG. As crianças vão crescer, se formar e serão os futuros políticos. “Mas nós temos todo este tempo?, questiona. Ela ressalta que as empresas vão fazer, seja por interesse genuíno ou financeiro. “É um caminho sem volta, mas vamos precisar encontrar apoio para essas ações, mais do que temos agora.”

Ser referência é a meta

As principais aspirações da Reinigend são conquistar a autoridade da marca e ser líder em inovação. A construção da nova fábrica, no Distrito Industrial de Teutônia, vai corroborar para alcançar os objetivos. O laboratório será mais amplo e permitirá pesquisas e desenvolvimento de produtos. O caminho será trilhado considerando os preceitos ESG.

Dez pontos do Pacto Global da ONU

Direitos Humanos

1. As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente.

2. Assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos.

Trabalho

3. As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva.

4. A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório.

5. A abolição efetiva do trabalho infantil.

6. Eliminar a discriminação no emprego.

Meio Ambiente

7. As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais.

8. Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental.

9. Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis.

Governança

10. As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina.

Como as Nações Unidas apoiam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil

A ONU e seus parceiros no Brasil estão trabalhando para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. São 17 objetivos ambiciosos e interconectados que abordam os principais desafios de desenvolvimento enfrentados por pessoas no Brasil e no mundo.

Os ODSs no Brasil

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Estes são os objetivos para os quais as Nações Unidas estão contribuindo a fim de que possamos atingir a Agenda 2030 no Brasil.

1. Erradicação da pobreza

Desenvolve produtos ou serviços que beneficiam e melhoram a qualidade de vida de grupos economicamente vulneráveis. 

2. Fome zero e agricultura sustentável 

Apoia pequenos produtores de alimentos e a agricultura familiar.

3. Saúde e Bem-estar

Incentiva comportamentos saudáveis entre seus públicos e melhora o acesso de seus colaboradores aos cuidados com a saúde.

4. Educação de qualidade 

Assegura que os funcionários de suas operações diretas e da cadeia de fornecimento tenham acesso a treinamento profissional e oportunidades de aprendizagem

5. Igualdade de Gênero

Trata mulheres e homens de forma justa, com oportunidades iguais de crescimento profissional e equiparação de cargos e salários. 

Respeita e apoia os direitos humanos e combate toda e qualquer discriminação à diversidade.

6. Água potável e Saneamento

Implanta estratégias de gestão da água que sejam ambientalmente sustentáveis  e economicamente benéficas na região hidrográfica onde atua.

7. Energia Acessível e Limpa

Aumenta sua eficiência energética, utiliza fontes renováveis e leva essas mesmas ações à sua cadeia de suprimentos.

8. Trabalho decente e crescimento econômico

Garante condições de trabalho decente para funcionários em toda a sua operação e na cadeia de negócios e suprimentos. Cria empregos decentes e formais em setores intensivos em mão de obra. Educa e treina para o trabalho.

9. Indústria, Inovação e Infra-estrutura

Investe em tecnologia para criar produtos, serviços e modelos de negócios Que promovam uma infraestrutura sustentável, moderna e resiliente.

10. Redução das desigualdades

Cria e implementa produtos, serviços e modelos de negócios que visam explicitamente às necessidades das populações desfavorecidas e marginalizadas. Desenvolve políticas de compras que beneficiam pequenas empresas da região em que atua.

11. Cidades e comunidades sustentáveis

Pesquisa, desenvolve e implanta produtos e serviços que melhoram o acesso a edifícios resilientes, mobilidade eficiente, limpa e moderna e a espaços comuns verdes. 

Reflete sobre as melhores políticas de deslocamento e mobilidade de Funcionários, bem como de produtos e matéria-prima, dentro do contexto urbano.

12. Consumo e produção responsáveis

Desenvolve, implementa e compartilha soluções para rastrear e divulgar a procedência de seus produtos, informar o consumidor por meio de políticas de rotulagem e monitora a eficácia dessa ação buscando o desenvolvimento da consciência ambiental e social na sociedade.

13. Ação contra a mudança global do clima

Reduz substancialmente as emissões associadas às operações próprias e às da cadeia de suprimentos, em alinhamento com os mecanismos de regulação climática.

14. Vida na água

Pesquisa, desenvolve e implementa produtos, serviços e modelos de negócios que eliminam impactos nos ecossistemas oceânicos e colaboram para sua restauração.

15. Vida terrestre

Implementa políticas e práticas para proteger os ecossistemas naturais que são afetados por suas atividades e pelas ações de sua cadeia de suprimentos.

Investe em pesquisa e tecnologia para o desenvolvimento de produtos, embalagens biodegradáveis, proporcionando assim uma mudança na própria indústria.

16. Paz, justiça e instituições eficazes

Identifica e toma medidas eficazes contra a corrupção e a violência, nas suas próprias operações e nas de sua cadeia de abastecimento.

17. Parcerias e meios de implementação

Atua em conjunto com o governo e sociedade civil em prol dos Objetivos De Desenvolvimento Sustentável

 

ENTREVISTA

“O planeta terra não cresce de tamanho, ao passo que a sua população vem crescendo de maneira exponencial”

O empreendedor e educador Lucas Fontes aborda, em entrevista a seguir, os passos para implementar o ESG em uma organização e como mobilizar seus colaboradores.
Diretor de negócios na Urteco – Urban Technologies, curador do Green Thinking Project, coordenador do Laboratório Resíduo Zero POA, ele destaca que buscar a sustentabilidade é um caminho sem volta, tendo em vista, por exemplo, as mudanças climáticas provocadas pelo comportamento da sociedade moderna.

Viver Cidades – Qual o primeiro passo para uma empresa começar a implantar os conceitos de ESG?
Lucas Fontes – É o despertar da consciência, que passa por todos os colaboradores, mas que começa pela gestão. É querer que a organização dê um passo e rume para práticas sustentáveis. Como ESG é uma pauta relativamente nova, é necessário ter pessoas para aplicar as práticas sustentáveis, e todos os colaboradores tomarem ciência de quais ações serão implementadas no dia a dia a curto médio e longo prazos.

Viver – Como engajar colaboradores – que podem atuar em diferentes áreas?
Lucas – O ESG é transdisciplinar. Ele abrange todas as áreas da organização, sejam elas técnicas, administrativas ou humanas. Parte de conseguir educar e ter ambientes educacionais que provoquem um pensamento crítico, que estimule o senso de comunidade, de pertencimento da natureza, como parte de um ecossistema que é o planeta terra. Formar por meio de cursos, de workshops ou até ações mais descontraídas, com vivências, visitas. Celebrações de ciclos também são oportunidades de para engajar os colaboradores e promover uma cultura socioambiental mais apurada. .

Viver – É fácil de convencê-los sobre a importância de práticas sustentáveis, tendo em vista que gerações passadas não tinham este tema em sua pauta de vida?
Lucas – Depende muito de pessoa para pessoa. Precisa ter um trato humano para não apenas convencer, mas mudar um comportamento – de consumo e produção – seja qual for a atividade fim daquela empresa. “A palavra convence, mas o exemplo arrasta”, disse Confúcio, filósofo chinês. Há muito mais a mostrar pelo exemplo, do que apenas impor uma decisão, uma prática. A alta gestão tem que provocar isso pelo exemplo. A gestão de resíduos é um bom exemplo de como mostrar na prática e engajar a organização.

Viver – Na tua opinião, o engajamento das empresas decorre da conscientização ou para ter um argumento de venda?
Lucas – Acredito que ambos têm importância – da empresa desenvolver uma cultura socioambiental mais profunda e mais genuína de conscientização de sensibilização da sociedade, mas também como um diferencial de argumento de venda. E aí a gente mostra que, sim, é possível gerar valor para negócio trabalhando com práticas sustentáveis, como ESG.

Viver – ESG é um caminho sem volta?
Lucas – O ESG é um caminho sem volta, porque o planeta terra não cresce de tamanho, ao passo que a sua população vem crescendo de maneira exponencial. Nós vivemos num planeta que tem a maior parte de água. A população cresce de maneira desordenada. Tem lugares com muita gente, pouco espaço de terras e até recursos escassos – isso é um dos maiores problemas da nossa sociedade. A pobreza e a fome cada vez maiores vão ser latentes. Os efeitos climáticos já são sentidos. A globalização, as tecnologias e o acesso à informação de maneira instantânea nos faz perceber muito rápido os impactos. Então o ESG é um caminho sem volta, é uma necessidade cada vez mais latente de todos os países, de todos os cidadãos do planeta terra.

Viver – Em qual velocidade as pessoas, de um modo geral, estão adotando práticas sustentáveis, seja em suas vidas, em suas empresas, em seu trabalho?
Lucas – Esta velocidade tem diferentes pontos de vista . A gente pode ver do prisma de que hoje, no Brasil, 72% da população tem interesse por práticas sustentáveis. Por outro lado, no Brasil, a taxa de reciclagem não passa de 3%. Tem óticas e perspectivas diferentes. O mais importante é que o Brasil, como nação, tenha lá adiante um comportamento coletivo alinhado com o planeta, com nosso ambiente. Todos nós temos que ter cada vez mais práticas sustentáveis, seja por meio de empresas, leis , projetos de governo, projetos de educação. A educação ambiental hoje é uma, senão a mais importante, ferramenta neste movimento de desenvolvimento do planeta como um todo. É uma revolução que busca uma evolução planetária, de consciência e de comportamento.

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