Memórias da velha  cervejaria

Cervejaria em são bento

Memórias da velha cervejaria

A cidade se despediu nesta semana de um dos precursores no segmento das cervejas artesanais, hoje tão popularizado na região. João Arlindo Friedrich foi um dos proprietários da Cervejaria Gaúcha, antiga fábrica de bebidas que marcou época na metade do século passado

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Memórias da velha  cervejaria

Ferver, engarrafar, tampar e distribuir foram algumas das funções desempenhadas por João Arlindo Friedrich, 91, entre os anos 50 e 70, na Cervejaria Gaúcha. Uma das pioneiras do processo de produção artesanal na região, a fábrica foi criada pelo pai, Valentim Friedrich, que produzia inicialmente refrigerantes, e foi passada para os filhos João Arlindo, Belmiro, Vilma e Valmir.
O prédio onde era feita a produção ficava ao lado da casa onde a família Friedrich vivia na Rua Carlos Spohr Filho, no bairro São Bento. No térreo da casa havia um salão, onde alguns bailes eram organizados pela família. Assim que Seu Valentim faleceu, a fábrica mudou de endereço, mas permaneceu na Rua Carlos Spohr Filho no bairro, há alguns quilômetros de onde iniciou.

A produção da família iniciou com Valentim, também com refrigerantes

A produção da família iniciou com Valentim, também com refrigerantes


A partir de então, João Arlindo era quem comandava a produção e fazia as entregas inicialmente de carroça puxada por cavalos, e mais tarde com um caminhão Ford 46.
Em 1960, o ainda morador do bairro São Bento, Elmar Fleck, 84, integrou a produção da cervejaria que assumiu quando a família Friedrich deixou o ramo. Ele ajudava a cozinhar a mistura e conta que, para cada 500 garrafas produzidas, colocavam 25kg de cevada, de 8 a 10 kg de açúcar e 500 gramas de lúpulo. Esse processo era repetido três vezes por semana. Entre uma produção e outra, a cerveja era liberada aos funcionários. “Água não se bebia mais”, brinca Fleck.
Além da bebida feita de lúpulo e cevada, a fábrica também produzia cachaças e as tradicionais gasosas, que hoje são conhecidas como refrigerantes. O processo também envolvia a fervura das misturas, e era feito nos sabores: guaraná, limão, laranja, uva e abacaxi. “Nós vendemos muitos de abacaxi”, lembra Fleck.
No térreo da casa, um salão servia para festas onde a cerveja era vendida

No térreo da casa, um salão servia para festas onde a cerveja era vendida


Ao lado dele, a esposa Nair Fleck, 80, também trabalhou na cervejaria durante oito anos, com a limpeza das garrafas e auxílio ao colocar as tampas. Na época existia um aparelho que fazia o processo, mas funcionava manualmente.

Lembranças de família

Na época em que João Arlindo foi proprietário da cervejaria, as entregas eram feitas com uma carroça puxada por alguns cavalos. Como as bebidas eram colocadas em grandes engradados, quando subia os morros do bairro, tinha que parar o transporte, tirar os engradados e levá-los nas costas, então puxava a carroça e colocava as garrafas de volta.
Na época, a cerveja artesanal era novidade na região, e as entregas da cervejaria Gaúcha feitas por municípios como Arroio do Meio, Canudos, Chapadão, entre outros.

Fleck assumiu a cervejaria com outro rótulo até a desativação da fábrica

Fleck assumiu a cervejaria com outro rótulo até a desativação da fábrica


Uma das sobrinhas de João Arlindo, Nair Schneider, 65, lembra de participar da produção do refrigerante que também era fabricado no prédio. “Nós íamos com uma canequinha do lado das garrafas para tomar antes de serem tampadas”, conta.
Naquele tempo, Nair explica que não existia outro fermento entre a vizinhança. Por isso, depois da fermentação da cerveja, separavam uma quantidade em baldes e usavam para fazer o pão.
Mais tarde, quando João Arlindo comprou o caminhão para fazer as entregas, levava as crianças do bairro até a escola quando fazia distribuição das bebidas e passava pelo caminho. “Na época podíamos andar na carroceria”, lembra Nair.

Uma garrafa para 20 copos

Morador do bairro São Bento, Nelson Johann, 78, era amigo da família Friedrich na época em que a cervejaria ainda estava ativa. Ele lembra de ter feito algumas reformas no espaço depois que a segunda fábrica foi construída. Quando era adolescente, conta que os pais pediam para ele comprar meia dúzia de refrigerantes e meia dúzia de cervejas na Cervejaria Gaúcha todo mês.
“Eu ia em um sábado de manhã buscar as garrafas”, lembra.
Quando a família Friedrich fazia as festas, vez ou outra ele também trabalhava como garçom. Ainda lembra da cerveja, mas principalmente da espuma dela. “Uma garrafa servia 20 copos, ela tinha essa fama”, brinca.

A vida de João Arlindo

Nascido no bairro São Bento em 10 de julho de 1927, João Arlindo Friedrich casou-se com Semilda Friedrich, 87, com quem teve cinco filhos e três netos.
Depois que assumiu a fábrica do pai, João Arlindo trabalhou no ramo cervejeiro até o fim da década de 60. Alguns anos mais tarde, mudou-se para o centro de Lajeado, onde viveu até meados dos anos 70, quando foi a Porto Alegre. Neste período, a fábrica foi desativada definitivamente. Em 1885, voltou ao município onde nasceu, ficando até 2003. Como a esposa ainda morava na capital gaúcha, voltou para viver com ela.
No último ano, alternava entre o hospital e o quarto de casa, com problemas pulmonares. Ele faleceu na última segunda-feira, 27. Durante suas idas e vindas para São Bento, continuou sócio da Comunidade Católica do bairro, onde foi velado e enterrado.
 

BIBIANA FALEIRO – bibiana@jornalahora.inf.br

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