Eficiência para manter rentabilidade

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Eficiência para manter rentabilidade

Oferecer um produto de qualidade será o passaporte para conquistar novos mercados e estimular o consumo de leite. Qualificar o processo produtivo, desde o campo até a indústria, planejar os investimentos e investir em orientação técnica são estratégias importantes para tornar o setor mais competitivo e evitar a exclusão de milhares de produtores.

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Eficiência para manter rentabilidade

Ser mais eficiente, garantir máxima qualidade, fortalecer a imagem, aumentar o consumo e planejar o avanço da produção de leite para abrir novos mercados são algumas metas listadas por especialistas para a atividade crescer com segurança, equilíbrio e rentabilidade.

Conforme o presidente do Sindilat, Alexandre Guerra, mais de cem mil famílias dependem da renda gerada pelo leite. “Precisamos criar novos hábitos de consumo junto ao nosso consumidor. Hoje no Brasil se consome cerca de 178 litros por pessoa/ano, sendo que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de 220 litros por pessoa/ano”, expõe.

Destaca a implantação de projetos de rastreabilidade e georreferenciamento para identificar a origem e levar à indústria e aos mercados um produto mais saudável. Cita a necessidade de controlar e erradicar doenças como a tuberculose e brucelose, além de habilitar novas plantas para o comércio internacional, com foco em países como Rússia, China, Ásia e África.

O RS registrou, nos últimos dez anos, crescimento de 103%, o dobro do Brasil, que aumentou 56%. A produção gaúcha de leite corresponde a 13% da produção brasileira. Hoje, 60% da produção gaúcha é vendida para outros estados.

De acordo com o secretário-executivo da Apil, Alexandre Rota, o número de pequenos produtores reduziu nos últimos anos por motivos como dificuldade de muitos adaptarem as propriedades às necessidades técnicas da atividade, envelhecimento e falta de interesse dos herdeiros em dar continuidade ao trabalho. “Estamos excluindo a metade deles de forma muito rápida devido a idade, baixa oferta e falta de investimentos, que muitos vezes passam por ajustes simples na higiene e formas de produzir.”

Com 97% da produção de leite vinda da agricultura familiar, em áreas de até 20 hectares, o RS pode ter perdido mais de 20 mil produtores nos últimos cinco anos, estima a Fetag. Até 2019, outras 30 mil podem abandonar a produção porque os laticínios deixaram de recolher o leite naquelas que entregam menos de 50 litros ou onde o acesso é difícil.

O desestímulo dos produtores decorre da baixa remuneração do trabalho e do aumento dos custos de produção, agravados por falta de pagamento e falência de empresas, algumas envolvidas em fraudes. Em dois anos, 13 indústrias de leite deixaram de operar ou entraram em recuperação judicial no estado.

Foco na credibilidade  

Campanhas publicitárias, treinamento técnico, censo e projetos para coibir fraudes estão entre as ações do Instituto Gaúcho do Leite (IGL) para contornar a crise e recuperar a credibilidade do setor. Conforme o diretor-executivo do Instituto Gaúcho do Leite (IGL), Ardêmio Heineck, como o RS absorve apenas 40% da matéria-prima e o restante precisa ser vendido para outros mercados, existe a necessidade de expandir a área de atuação.

Em 2016 serão atendidas quatro mil propriedades. Outra meta é diversificar a produção leiteira e elevar o número de derivados, que hoje chega somente a 50. Segundo dados da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), a comercialização de leite, queijos e derivados corresponde por 11% dos produtos vendidos. “Precisamos focar o consumidor e destacar os valores nutricionais do leite. Ter cada vez mais opções para atender diferentes gostos. ”

Ao longo do ano, o IGL lança programas focados na qualidade beneficiando produtores, transportadores e indústria. Buscará a implantação de selos de qualidade, de denominação de origem e de indicação de procedência, além de projetos estruturantes nas áreas da genética, qualidade do leite e de saneamento quanto à tuberculose e brucelose bovina.

Custos diminuem ânimo

Na propriedade de Eduardo Backes, 32, de Cruzeiro do Sul, os custos de produção (energia elétrica, ração, medicamentos, óleo diesel) aumentaram em 30% nos últimos meses. Para tentar equilibrar as contas e conseguir dinheiro para pagar os financiamentos, adotou uma nova dieta para o rebanho de 71 vacas.

A quantidade de ração tratada diminuiu em quatro mil quilos por mês. Foi substituída por cevada, cujo consumo é de 17 toneladas a cada 30 dias. “Tem 22% de proteína e o quilo custa R$ 0,14. A produtividade aumentou em dois litros por vaca e a economia chegou a R$ 3 mil ao mês.”

Silagem e pastagem verde complementam a dieta. Com ajuda dos pais, tenta se manter na atividade, mas está difícil. Há dois anos, quando o preço do litro chegava a R$ 1,10, investiu R$ 170 mil na construção de um novo galpão, uma sala de ordenha e trocou o antigo trator. “A promessa da cooperativa era de pagar até R$ 1,19 pelo litro. Nunca chegou, aliás até baixou R$ 0,10. Se não tivesse o financiamento para quitar no banco, teria desistido.”

Por dia, são produzidos mil litros. Eduardo critica as indústrias pelo sistema de bonificação. “Querem qualidade e quantidade. No entanto, a remuneração fica abaixo dos nossos investimentos para atingir essas metas propostas. Para a atividade ser rentável, o litro deveria estar cotado a R$ 1,50.”

Crédito e assistência técnica

Para o presidente da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL), Ernesto Krug, os principais gargalos do setor são: elevado custo de produção, falta de mão de obra qualificada e de sucessores, gestão e assistência técnica deficitária e inexistência de crédito para adotar novas tecnologias.

Krug sugere a criação de agroindústrias e cooperativas para beneficiar a matéria-prima. “Sem esta união fica inviável ter escala. É uma forma de valorizar o produto e elevar os lucros.” O secretário de Desenvolvimento Rural e Cooperativismo, Tarcisio Minetto, concorda e diz que uma das saídas para garantir a evolução dos pequenos produtores é ampliar as parcerias com as cooperativas. “Precisamos incentivar o associativismo para uma produção coletiva.”

Ele reforça a necessidade de restringir importações e aumentar exportações, reduzir custos, produzir com qualidade e aumentar os níveis de consumo. Qualificar a gestão, melhorar a produtividade, modernizar as instalações, aprimorar o manejo, o controle leiteiro, a dieta alimentar e a genética também merecem atenção, afirma Minetto.

Conforme Carlos Joel da Silva, presidente da Fetag, o RS tem plena capacidade de se tornar o principal produtor de leite do país, por ter espaço para aumentar o rebanho e disponibilidade de água. Algumas questões, porém, precisam ser resolvidas.

A falência de indústrias de laticínios faz com que muitas famílias fiquem anos sem receber pelo leite entregue. Também é preciso pagar por qualidade e não apenas por quantidade, melhorar a sanidade e obter abertura de novos mercados, tendo em vista que o RS consome apenas 40% do total produzido. “Precisamos de políticas que incluam o produtor e não o expulsem do campo.”

Outra luta é para implantar o preço mínimo. Hoje a indústria pratica três. “O consumidor não sabe qual é o de baixo padrão ou alto. Muda apenas a marca. É apenas uma forma de a indústria pagar menos. Sem ter a garantia de um valor mínimo, fica difícil fazer novos investimentos.”

Organizar a cadeia produtiva

O presidente do Instituto Gaúcho do Leite (IGL), Gilberto Piccinini, alerta que, sem uma ação organizada, induzida pelo Estado e em parceria com o setor privado, haverá uma seleção natural na atividade. Como resultado, haverá um grande movimento de exclusão de produtores que não tiverem condições de se adequar às novas exigências de mercado.

Hoje, a produção de leite abrange cerca de 200 mil produtores gaúchos, dos quais 85 mil vendem o produto para a indústria, quatro mil comercializam direto para o consumidor e oito mil utilizam o leite para a produção de derivados dentro da propriedade rural.

Levantamento realizado pelo IGL, Emater e Famurs revela que 60,7% dos produtores realizam a atividade em local adequado, 29,9% têm sala de ordenhas, 72,4% têm resfriadores e apenas 38% contam com aquecimento de água para a higienização dos equipamentos.

Há deficiência de mão de obra em 46% das propriedades, reduzida escala de produção em 29,5% e restrições no fornecimento de energia elétrica em 22,8% dos estabelecimentos rurais. “Precisamos superar estes gargalos, aliando tecnologia e qualidade para conquistar o público consumidor”, apontou. O desafio nos próximos três anos, segundo Piccinini, é expandir a presença no mercado interno em 20% e começar a buscar consumidores fora do país.

O presidente manifesta preocupação com a imagem negativa do leite gaúcho em virtude da Operação Leite Compen$ado. “Temos o melhor e mais fiscalizado leite do Brasil, mas com uma imagem terrível pela exposição midiática que ocorreu.”

“Pagamos o rancho do mês”

O casal Lori Baron, e Laurindo Kamphorst, de Arroio do Meio, comercializa 40 litros por dia. São apenas seis vacas em lactação. Aposentados, com o preço baixo e sem oferta de mão de obra, mantêm a atividade apenas para obter um rendimento extra no fim do mês. “Paga o rancho”, comenta Lori.

Segundo ela, nos últimos anos, apenas um resfriador a granel foi comprado, por exigência do transportador. “Se precisar reformar o galpão e comprar máquinas, desistimos amanhã.” Devido às exigências da integradora, o mesmo ocorreu com a avicultura, atividade abandonada após 12 anos. “Não garantem valor mínimo. Na nossa idade não tem mais como arriscar”, comenta Laurindo.

Mecanização avança

Genética, boa alimentação, cuidados sanitários e instalações modernas. Na propriedade da família Fell, em Estrela, tudo é planejado para que as vacas produzam com qualidade e em quantidade. O rebanho chega a 140 animais, sendo 120 em lactação. Por dia, são entregues à indústria 4,5 mil litros.

O valor pago por litro chega a R$ 1,30. São realizadas três ordenhas em 24 horas. Parte do rebanho fica confinado no sistema chamado free stall. Nele, a vaca fica alojada em galpões com piso de concreto, revestido de borracha e dividido em baias individuais. O local também é equipado com ventiladores e aspersores que refrescam o ambiente.

Para aumentar o conforto e a produtividade, a família aplicará R$ 300 mil no sistema americano de confinamento total compost barn. “Melhora o bem-estar dos animais e os índices reprodutivos e de produtividade”, afirma Rodrigo, 27.

A falta de mão de obra qualificada para auxiliar no trabalho diário fez a família investir em novas tecnologias, máquinas e terceirizar serviços como a confecção de silagem. O sistema de ordenha foi importado da Alemanha. Cada animal é ordenhado em seis minutos. Na tela do computador, Rodrigo acompanha o rendimento, alterações no comportamento e doenças. “Com a mecanização, conseguimos suprir a falta de trabalhadores, elevar a produção e a qualidade.”

Critica a ausência de cursos profissionalizantes voltados para o agronegócio em áreas específicas nas instituições de ensino do Vale do Taquari. “A gente não consegue encontrar profissionais com perfil que buscamos. Tem que operar máquinas, fazer contas, saber aplicar medicamentos, elaborar a dieta alimentar. Sem mão de obra qualificada, muitos produtores desistem da atividade.”

Rodrigo, que cursa Administração, projeta instalar robôs para fazer a ordenha e a alimentação do rebanho até 2026. O irmão Leandro, estudante de Veterinária, retorna à propriedade para ajudar a desenvolver o projeto após a formatura.

Hoje, estagia em uma das maiores fazendas leiteiras do país, em São Paulo. Há 1,6 mil animais alojados e a produção diária é de 60 mil litros. A meta com o sistema robotizado de confinamento é elevar a produtividade para 40 litros por animal — a média estadual é de 12 litros por animal.

Qualidade e investimento garantem melhor retorno 

Enquanto alguns pensam em desistir, há quem tenha otimismo. Moisés Heisler, de Boqueirão do Leão, trabalha com produção leiteira faz 30 anos. Em 2010, a família investiu R$ 50 mil na construção de uma nova sala de ordenha e resfriador a granel, adaptando o sistema às normas vigentes. “Cuidamos da qualidade e não somente da quantidade.”

Incentivados pela cooperativa, investiram também em genética e renovação das pastagens. O valor recebido pelo litro em março foi de R$ 1,06, com projeção de chegar a R$ 1,20 em maio. Com 28 vacas em lactação, o volume captado por dia é de 400 litros.

“O preço pago não acompanha os custos. Demora para obtermos retorno, mas a gente gosta da atividade e por isso não abandona. É um salário mensal.” Heisler pretende manter a aplicação constante de recursos em máquinas e infraestrutura, além de cuidar da sanidade do produto produzido.

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