Impactos de 15 anos

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Impactos de 15 anos

Desde 1998 o Vale convive com o pedágio. A imposição do governo estadual trouxe impactos à região e gerou mais de R$ 916 milhões para a concessionária. Enquanto novas oportunidades surgiam, o prejuízo e a insegurança pairavam sobre pequenas comunidades. O fim de algumas praças causa novo baque e reflete na rotina de centenas de pessoas.

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Vale do Taquari – Há dez anos, o pedágio na RST-453 era responsável pela maior fonte de renda de uma tradicional família de Cruzeiro do Sul. Proprietários de uma área de terra às margens da rodovia, em Linha 25 de Julho, cobravam R$ 1 por veículo que cruzasse uma estreita ruela de chão batido, que atravessava uma plantação de milho e desembocava um pouco adiante das cancelas da Sulvias. Era o principal e mais famoso desvio da malha rodoviária gaúcha.

O pedágio “clandestino” foi notícia nacional. A pequena travessia, com pouco mais de cem metros, estampou a capa da Zero Hora. Programas como o Jornal Nacional e o Fantástico, dedicaram reportagens para a façanha da família, que disputava receita com uma das maiores concessionárias do sul do país.

Tudo começou com o patriarca da família, no início do ano 2000. Cinco empresários que realizavam o trajeto com frequência sugeriram que ele liberasse sua propriedade para a passagem de veículos credenciados das empresas. Nos primeiros meses, acertou um valor de R$ 20 mensais por veículo. O pedágio da Sulvias, na época, custava em torno R$ 2,50.

A novidade se espalhou pelas comunidades e cidades vizinhas. Com o tempo, jovens que se deslocavam para as festas utilizavam o trecho para desviar do pedágio durante as noites e madrugadas. Com o movimento intenso, uma corrente foi instalada no local, impedindo a passagem de outros veículos. Com a insistência dos motoristas, a família decidiu transformar a pequena ruela em um empreendimento. Uma minguada estrutura foi construída para atender os clientes.

Lisiane Henckes, uma das filhas, trabalhava como faxineira no posto da Sulvias. “Era ruim para mim. Meu chefe avisava: Olha lá teu pai liberando o trecho.” Ela foi demitida. De imediato, passou a auxiliar o pai, a mãe e a irmã na cobrança do pedágio particular. Logo, filhos e netos se revezavam no atendimento ao público, que vinha de diversas regiões do país. “Na melhor época, ganhávamos quase R$ 1 mil por dia.”

Por vezes, ninguém cobrava. Uma pequena lata era deixada na entrada do terreno, e os motoristas pagavam de forma espontânea. “Ninguém concordava com a cobrança da concessionária. Acordávamos e havia dinheiro pelo chão.”

A boa arrecadação da família alertou criminosos. A outra irmã, Loiva Marli Backes, conta que por duas vezes, tentaram arrombar a residência. Numa das ocasiões, após o alarme da casa disparar, sequestraram um vice-prefeito da região que trafegava por uma estrada ao lado da propriedade, que leva a Linha Nova, interior da cidade vizinha de Mato Leitão. “Teve tiro e tudo. Depois daquilo, contratamos um segurança.”

Sulvias trocou a praça de lugar na RST-453

Em 2003, após tentar trancar a passagem com cargas de terra e bloquetos de concreto, a concessionária acenou com uma proposta de indenização para a família. Como contrapartida, deveria cessar a passagem. “Mas nunca chegou nada.”

Naquele momento, a família não contava com o patriarca, morto em um acidente de trabalho próximo de casa. Sem ter como evitar a perda de receita para o desvio da família Henckes e para uma outra rota em linha Boa Esperança, a Sulvias optou por construir uma nova praça, distante pouco mais de 500 metros em direção a Lajeado.

Greice Dullius, vizinha de Lisiane, trabalhava como cobradora na época. “As obras ficaram logo prontas.” A Sulvias prometeu pavimentações na localidade e até hoje não cumpriu.

Na época, o diretor-presidente do consórcio Univias, Sérgio Coelho da Silva, anunciou que a obra atendia um pedido das duas comunidades para interromper a passagem de veículos pesados pelas estradas vicinais.Silva admitiu que era preciso terminar com o pedágio particular. Em seis anos, os dois desvios “tiraram” mais de R$ 10 milhões dos cofres da concessionária.

Camping ficou “ilhado” após pedágio

A localidade de Picada May, em Marques de Souza, recebeu o pedágio mais caro do estado. Antes da abertura das cancelas, veículos de passeio pagavam R$ 14. O dobro em relação às demais praças. Localizado a pouco mais de 500 metros das cancelas, no sentido capital-interior, o Camping da Pedra ficou esquecido durante 15 anos. “Minha clientela baixou em 70% depois do pedágio”, reclama o proprietário, Astor Fucks, 57.

Banhado pelo Rio Forqueta, o balneário era um dos mais frequentados do município, onde ostenta o título de Capital dos Campings. Gestores públicos pouco se esforçaram para auxiliar Fucks. “Nunca me ajudaram. Pelo contrário, eram a favor do pedágio, pois sobra dinheiro para a prefeitura.” O número médio de clientes, que era de 400 nos fins de semana antes do pedágio, baixou para cem.

Fucks comemora de forma tímida a abertura das cancelas, que podem devolver a movimentação do seu empreendimento. Diz não ser contra pedágios. “As estradas eram piores antes. O errado é cobrar tão alto o preço.” Acredita na volta da concessionária e do preço considerado abusivo. “Se realmente esse preço acabar, carnearei um boi para comemorar com os amigos.”

Próximo do balneário, um local de café colonial também sofreu com a imposição da estrutura do pedágio. Muitos clientes deixavam os veículos antes do pedágio e se dirigiam caminhando até o estabelecimento instalado às margens da BR-386. Por vezes, os proprietários precisaram custear o transporte de clientes para manter ativo o negócio.

Prejuízo para alguns, alívio para outros

A pouco mais de 600 metros do camping, do outro lado do Rio Forqueta, mora Adriane Cristina Mertz, 37. Conhecida como “Canídia”, instalou a primeira tenda de produtos coloniais no desvio de 26 quilômetros do pedágio, que passa pelas localidades de Picada May, em Marques de Souza, e Felipe Essig, em Travesseiro. Lucrava em torno de R$ 2,5 mil por mês com rapaduras, frutas e outros alimentos. O dinheiro era o único sustento da família. “Agora acabou.”

Adriane não sabe como cuidará do filho de quatro anos, deficiente físico. Ele não consegue caminhar. Apenas os dois vivem na pequena propriedade. “Nossa esperança é que o pedágio volte. Tiraram minha mina de ouro”, lamenta. Ela investiu na plantação de frutas e verduras dentro do seu terreno.

Na mesma estrada, Ildo Gross, 56 anos, também montou seu pequeno negócio. Vendia bananas e melado. Agora pensa em desmontar a singela instalação de madeira às margens do Forqueta. “Mas é melhor assim, era muito caminhão passando. Meu filho foi atropelado aqui na frente.” Ele ganhava em torno de R$ 400,00 por mês com as vendas. Um pouco adiante, Ereneu Bergmann, 58 anos, possui uma agroindústria de pepinos. Utilizava o desvio para transportar seus produtos para Soledade. Agora, voltará à BR. “Gastarei menos com combustível e manutenção dos veículos.”

Em Fazenda Vilanova, na localidade de Concórdia, Cléria de Almeida, 29 anos, mora há 11 com o marido e a filha de um ano e três meses. A casa fica numa estrada de chão batido, próxima da BR 386, no início do desvio de seis quilômetros que evita o pedágio. “Era dia e noite o movimento e o barulho dos caminhões. Não deixávamos nada aberto em função da poeira.” Hoje, a tranquilidade voltou. “Agora só vizinhos passam por aqui.”

Polo de Lajeado gerou R$ 916 milhões em 15 anos

Conforme o relatório do Programa Estadual de Concessões Rodoviárias do Rio Grande do Sul (PECR), com dados compilados até 2012 e divulgado pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), em 15 anos de cobrança, as cinco praças de pedágio instaladas no Vale geraram uma receita de R$ 916,5 milhões.

Nesses 15 anos de contrato, a concessionária gastou e investiu cerca de R$ 1,07 bilhões. O custo maior cobriu as manutenções realizadas nos 328 quilômetros concedidos pelo estado e pela União. Foram R$ 309,1 milhões. Os investimentos, uma das maiores cobranças do governo e da sociedade, somaram R$ 153,2 milhões. Outros R$ 45,8 milhões foram gastos com conservação de rodovias e R$ 66,9 milhões com mão de obra.

As cinco praças deixaram de receber R$ 59,1 milhões em função de isenções para ambulâncias, carros oficiais, veículos de órgãos de segurança e outros. Mais de 122 milhões de veículos passaram pelas cancelas da região no período de cobrança. Durante a vigência do contrato, os serviços de guincho atenderam 98,3 mil chamada, e as ambulâncias realizaram resgate de 31 mil vítimas.

Sem previsão para EGR assumir cancelas

O reinício das cobranças nas praças de pedágio instaladas em rodovias estaduais não tem prazo estipulado. A Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) deveria ter assumido ontem, mas a cobrança iniciará só quando o Daer e a Univias finalizarem o levantamento patrimonial das cinco praças. O preço, que era de R$ 7 passará a ser de R$ 5,20. Moradores e líderes regionais de Cruzeiro do Sul e Encantado se mobilizam para garantir a isenção de veículos emplacados nas duas cidades.

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