Cubanos preenchem lacunas na saúde

MÉDICOS ESTRANGEIROS

Cubanos preenchem lacunas na saúde

Após cinco anos suspenso, programa Mais Médicos é reativado com novas regras. Na região, o edital prevê 20 contratações que podem ser efetivadas até junho. Profissionais estrangeiros que se fixaram no Vale na primeira edição voltam a integrar as equipes comunitárias

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Atualizado quinta-feira,
27 de Abril de 2023 às 13:03

Cubanos preenchem lacunas na saúde
Jorge Miguel Garbey Reyna está no Brasil há nove anos e hoje atua em Estrela e Fazenda Vilanova. Crédito: Júlia Amaral
Vale do Taquari
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Deixar o país de origem para exercer a profissão e contribuir com a saúde pública de regiões afastadas dos grandes centros. Foi essa a escolha de médicos que vieram ao Brasil, por meio de um programa estabelecido entre o governo local e Cuba. Embora descontinuado em 2018, há profissionais que permanecem em solo brasileiro. Mesmo frente às dificuldades, os médicos seguem certos de que o país oferece boas perspectivas para atuação e qualidade de vida.

No Vale do Taquari, a reativação do programa significa pelo menos 20 novas vagas. É possível que a contratação demore até três meses para ser efetivada. Entre as cidades habilitadas para receber o programa está Progresso. Com uma vaga, o médico selecionado será designado à unidade básica do distrito de Campo Branco. “Estamos cadastrados em uma categoria rural, que se enquadra na primeira faixa de adesão”, explica Rui Tedeschi, secretário de Saúde de Progresso.

Hoje, o município conta com dois médicos de família, um clínico geral e uma pediatra. Tedeschi reforça a dificuldade na contratação, já que os profissionais preferem os grandes centros. Além disso, houve, nos últimos 10 anos, o aumento de 30% no número de usuários do SUS.

“O programa permite essa abertura para quem estudou fora. O salário deles vem direto do governo federal e o município ajuda com aluguel e dá suporte para transporte”, reitera. Além do benefício para a população, o Mais Médicos significa, também, mudança de vida para os profissionais que passam no programa.

“Escolhi aqui para ser minha pátria”

No Brasil desde 2017, a médica cubana Beisy Pereira trabalhou em Fazenda Vilanova até dezembro de 2018. Naquele ano, o governo de Cuba decidiu romper convênio com o governo brasileiro e muitos dos profissionais retornaram ao país de origem. Esse não foi o caso de Beisy. Ela permaneceu na região junto do esposo, que trabalha em outra área.

Sem exercer a função de médica, foi contratada para projetos do Centro de Referência em Assistência Social (Cras). Mais tarde, chegou a morar em Roca Sales. Neste período, também voltou por 30 dias até Cuba para resolver situações familiares. Para permanecer no Brasil, solicitou refúgio. Obteve primeiro a autorização de residência por dois anos e depois por tempo indeterminado.

Beisy Pereira fez provas de domínio do português e técnicas médicas antes de vir para o Brasil, em 2017. Crédito: Felipe Neitzke

Agora, no início do mês foi contratada pelo programa Mais Médicos para trabalhar em Arroio do Meio. Aprovada na primeira fase, se prepara para nova etapa. “O problema está no custo das provas do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos. Se a pessoa não trabalha em uma área com bom rendimento fica difícil pagar os mais de R$ 4 mil”.

Segundo ela, além dessa avaliação de quem está no Brasil, antes de vir para a região, ainda em Cuba passou por provas de domínio do português e técnicas médicas. Hoje, conforme Beisy, a maioria dos profissionais que fazem a prova são brasileiros que estudam fora. A presença de cubanos reduziu de forma significativa.

Com passagem pela Venezuela e Timor-Leste escolheu o Brasil para fixar residência. “Foi muito bem acolhida no Vale do Taquari e escolhi aqui para ser minha pátria. Não penso mais em voltar a morar em Cuba, ainda mais que a minha família está espalhada pelo mundo, alguns nos EUA e outros no Chile.”

Sem ideia de voltar para Cuba

Ana Kirenia também chegou ao Brasil em 2017, para trabalhar no estado de Minas Gerais. Em dezembro de 2018, com o fim do programa, a profissional começou a trabalhar em uma farmácia. A experiência positiva até a fez pensar em trocar de área, mas em 2020 ela foi reincorporada em uma equipe de Santa Maria, por meio do Mais Médicos.

Em fevereiro, conseguiu aprovação no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos e um cargo como plantonista. Formada há 21 anos, a história da profissional passa também pelo pedido de asilo, residência por tempo indeterminado e a naturalização como brasileira.  Hoje, Ana trabalha no posto de saúde do bairro Loteamento Sete de Setembro, em Roca Sales, no hospital da cidade e em Encantado. “Sinceramente não penso em voltar para Cuba. Não me vejo mais morando lá. Estou fazendo história aqui”.

O desejo de permanecer no Brasil não exclui as dificuldades de se manter em um novo país. A saudade das filhas, que não vê há cinco anos, é um dos desafios diários. Por ter ignorado o pedido de retorno para Cuba, está impedida de entrar no país de origem por pelo menos oito anos. “O tamanho da dedicação é por um bem maior. Quero trazer minhas filhas para cá.”

A médica encontrou no Vale um local de oportunidades. Contudo, observa que muitos colegas não tiveram a mesma persistência e voltaram para Cuba ou foram trabalhar em outras áreas. Segundo ela, há profissionais que para se manter no Brasil decidiram atuar como motorista de aplicativo ou até mesmo trabalhar na agricultura.

Ana Kirenia chegou ao Brasil em 2017, para trabalhar em MG. Em fevereiro, foi aprovada no Revalida. Crédito: Felipe Neitzke

Nove anos de Brasil

Jorge Miguel Garbey Reyna tinha menos de cinco anos de atuação como médico quando se mudou para Bom Retiro do Sul. O cubano chegou no Brasil em março de 2014 e desde então viveu diferentes experiências no país. Quando o Mais Médicos foi descontinuado, em 2018, ele chegou a trabalhar com os registros no Cadastro Único, longe do jaleco.

“Foi um momento bem difícil, acredito que para muitos colegas meus, que não conseguiram trabalhar, ficou bem complicado. A gente é visto como médico, então é difícil encontrar outro emprego”, lembra. Dessa época, Reyna lembra do apoio que recebeu da população.

A permanência no Brasil ocorreu por meio da autorização do governo federal concedida aos cubanos que tinham participado do Mais Médicos e que durava dois anos. Ele só voltou para o consultório em 2020, já com o Revalida. Em julho do ano passado, o médico passou a atuar em Estrela e Fazenda Vilanova.

Para Reyna, os médicos cubanos acabaram mudando a cultura das localidades. Isso porque era comum que ele ouvisse queixas sobre a forma como os pacientes eram atendidos. “A nossa medicina é de família e comunidade. É diferente, uma forma mais humanizada”, destaca. Hoje, ele não pensa em voltar para Guantánamo, cidade natal.

“Me lembro que quando cheguei, tinha baile para idosos e íamos lá para aferir a pressão deles. Eles me contavam que o avô era italiano, que ele era imigrante como eu. Então houve empatia para as pessoas que vinham de fora. Sempre fui bem recebido”. Assim, ele aponta a qualidade de vida como um dos motivadores para a instalação no Brasil.

Sindicato contrário ao Mais Médicos

Para o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) a nova fase do programa é uma ação paliativa e superficial. A instituição defende a criação de uma política estrutural para atrair e fixar médicos junto ao setor público. A proposta da categoria é que seja formada uma carreira de Estado, em formato regional, com custos subsidiados por municípios, governo estadual e União.

Conforme o presidente do Simers, Marcos Rovinski, outro ponto é a necessidade da aplicação do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida). “Deve ser para médicos estrangeiros ou brasileiros formados fora do país, a fim de assegurar a validação da capacidade técnica dos profissionais contratados pelo programa.”

Sobre os critérios estipulados pela nova fase do Mais Médicos, Rovinski aponta para algumas mudanças. “O formato atual é distinto da última versão aplicada, visto que nesta edição a prioridade é a contratação de médicos brasileiros e registrados junto aos conselhos estaduais de medicina”, enfatiza.

Vagas por cidade

Lajeado (3)
Arroio do Meio (2)
Venâncio Aires (2)
Canudos do Vale (1)
Encantado (1)
Estrela (1)
Fazenda Vilanova (1)
Ilópolis (1)
Imigrante (1)
Muçum (1)
Paverama (1)
Progresso (1)
Sério (1)
Tabaí (1)
Taquari (1)
Teutônia (1)

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