Por uma vida digna e sem medo

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Por uma vida digna e sem medo

Entre a autoaceitação e a representatividade, pessoas transgêneros enfrentam um longo caminho. A transição também exige cuidado e pode significar anos de espera pelo tratamento adequado

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Atualizado quarta-feira,
22 de Junho de 2022 às 08:32

Por uma vida digna e sem medo
Hoje, Diego e Dandara passam pela transição de gênero e contam sobre os desafios do procedimento. Entre as conquistas no período, está a mudança de nome.
Vale do Taquari

Depois de quase 11 anos e mais de R$ 3 mil, Dandara Lima Cardoso, 40, iniciou, nas últimas semanas, o tratamento hormonal pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mulher trans, ela começou o processo de transição de gênero em 2011 e, desde lá, aguarda o auxílio do governo. Enquanto isso, fez uso da automedicação, e pagou todas as etapas de forma particular.

Essa é a realidade de muitas pessoas trans na região. Com a dificuldade de encontrar médicos endocrinologistas, por vezes, o tratamento é feito na capital. Em outros casos, sem acesso ao serviço, algumas também se arriscam, e fazem a medicação sem acompanhamento médico.No dia 6 de junho, Dandara fez a primeira consulta psiquiatra. Agora, aguarda as próximas fases do tratamento.

Apesar de hoje ter essa oportunidade, a vida dela não foi fácil. Ainda quando criança, folheava revistas e via mulheres de salto alto, brincos, colares e roupas da moda, e tinha vontade de ser uma delas. “Eu não entendia por que eu queria ser menina. Na época eu não conseguia me expressar ou entender os meus sentimentos”, conta. Depois de se assumir homossexual, perto dos 20 anos, a família se afastou. Ao se aceitar como mulher trans, o processo foi ainda mais difícil.

Em 2015, solicitou o tratamento pelo SUS e entrou na lista de espera. Nesse meio tempo, em 2918, foi a primeira estrelense trans a mudar de nome. Hoje, Dandara é casada e, apesar de ainda desejar muitas mudanças, consegue se olhar no espelho e reconhecer seu corpo. Ela fala de forma aberta sobre o assunto, e não esconde sua história. “Nunca vou negar que nasci menino. Nunca vou negar a minha história, meu passado, porque isso seria negar quem sou hoje, é tudo uma construção”, destaca.

Apoio e amor

Diego Sotoriva, 20, também passa pela transição. Desde criança, ele não gostava das roupas cheias de babados, de cor de rosa e outros acessórios que usava. E, na pequena cidade de Palmas, no Paraná, isso era considerado estranho para uma menina, e gerava comentários preconceituosos.

Em 2017, ele e a irmã mais velha se mudaram para Lajeado, para estudar. Na nova cidade, teve a possibilidade de se conhecer melhor e resolver algo que lhe gerava conflito: Diego não se identificava como mulher, era um homem transgênero.

“Eu sempre me senti muito mal por não me sentir eu mesmo, por não conseguir me olhar no espelho, não conseguir me entender”, lembra. Diferente da realidade de muitas pessoas trans, na hora de contar para família, Diego encontrou apoio ao invés de reprovação. A primeira pergunta da família foi saber como poderia ajudar. Diego contou sobre o desejo de fazer a mastectomia e na semana seguinte, começaram as buscas por um cirurgião plástico. Mas, primeiro, seria necessário mudar os documentos. Em sete dias, Diego tinha em mãos a nova certidão de nascimento.

“A primeira coisa que fiz depois da cirurgia foi comprar uma regata. Às vezes é uma questão muito básica, mas pra gente é importante”, lembra. O passo seguinte foi começar com o tratamento hormonal. O processo injetável não foi uma opção, então ele iniciou o tratamento em gel, com uma aplicação diária em partes específicas do corpo.

Cuidado com a saúde

O tratamento hormonal possui efeitos colaterais quando não acompanhados por um profissional da saúde. Para as mulheres que tomam o estrogênio, alguns deles são a trombose, derrame, embolia pulmonar e o funcionamento alterado do fígado.

Já a testosterona pode causar policitemia, superprodução de glóbulos vermelhos. Durante o tratamento, também é importante evitar cigarro e bebidas alcoólicas. Com acompanhamento e cuidados corretos, no entanto, a transição é tranquila, podendo ter ganho ou perda de energia, mudanças de humor, entre outros efeitos.

ENTREVISTA – Juliano Melo, médico de família

A HORA – Quais são os serviços oferecidos pelo SUS?

A porta de acesso é a Unidade Básica de Saúde, onde iniciam uma abordagem multiprofissional para demandas que vão além do processo transexualizador. Haverá consulta médica e de enfermagem, com uma ampla entrevistas, exames físicos e, se necessário, exames laboratoriais e de imagem. Também é de bom tom que haja acompanhamento com profissional de nutrição.

Quais são os acompanhamentos feitos até chegar na cirurgia de transgenitalização?

Avaliação médica com exames de dosagem hormonal, avaliação hepática, renal e demais aspectos conforme a necessidade individual. Também é necessário consulta de enfermagem que vai muito além de testagem rápida para Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s).

Vale destacar que é importante fazer testes de IST’s para quem já iniciou vida sexual, porém uma consulta com pessoas trans jamais deve ser pautada nesse tema. É de um aspecto transfóbico a insistência em tais exames.
Uma vez que essa pessoa é encaminhada ao serviço especializado, passa por acompanhamentos psicológico, endocrinológico e psiquiátrico, que duram o tempo necessário, em geral mais de 2 anos, para que chegue à cirurgia de transgenitalização.

Qual a importância de um acompanhamento psicológico para quem passa pela transição?

Vital. Estar em uma sociedade onde a cisgeneridade é a norma, pode desencadear diversos processos traumáticos na pessoa trans. Um acompanhamento de psicoterapia é fundamental para entender-se melhor e saber se impor ao mundo.


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