“O que eles viam era uma bengala e óculos escuros”

ABRE ASPAS

“O que eles viam era uma bengala e óculos escuros”

Auditor fiscal do trabalho no Estado, Rafael Faria Giguer, 36, trouxe a Lajeado a palestra “A deficiência e o Mercado de Trabalho”. O encontro, organizado pela Apae, foi na noite de quarta-feira, 3. Deficiente visual, o porto-alegrense também compartilhou os desafios e conquistas da trajetória profissional.

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“O que eles viam era uma bengala e óculos escuros”
Crédito: Bibiana Faleiro

Qual é a função de um auditor fiscal?

A área de atuação é muito ampla, vai desde irregularidades trabalhistas, inserção de aprendizes, segurança dos trabalhadores na indústria, nas obras de construção civil, combate ao trabalho escravo. Mas eu atuo mais no trabalho de combate à discriminação, assédio e inserção de pessoas com deifciencia no mercado de trabalho. Infelizmente, só por conta dos auditores fiscais que temos pessoas com deficiência trabalhando. Hoje, 92% das pessoas com deficiência empregadas no Brasil estão justamente nas empresas obrigadas às cotas.

Como avalia a conscientização das empresas sobre o assunto?

Temos um processo de inclusão muito atrás do que deveríamos estar. As empresas contratam, hoje, não porque existe uma lei de cotas, mas porque existe uma fiscalização. Sem dúvidas é algo que precisa ser trabalhado, mas a gente já viu muita evolução também.

Qual é a sua história de inserção no mercado de trabalho?

Eu sou uma pessoa com deficiência visual e, como qualquer um, vou ter vários relatos de dificuldades e enfrentamentos para conseguir o mínimo. Fizeram um processo para tentar impedir que eu cursasse engenharia. Mas passei em um concurso na própria universidade e trabalhei em um núcleo justamente de adaptação dos alunos com deficiência.

Quando me formei como engenheiro, fui buscar emprego na iniciativa privada. Quando ia para as entrevistas, as pessoas não viam o Rafael simpático, graduado, que falava outros idiomas. O que eles viam era uma bengala e óculos escuros, uma pessoa com deficiência. Olhavam só para as minhas limitações e por mais notas boas que eu tenha tido, boas experiências de estágio, eu nunca consegui emprego na iniciativa privada. Tive que enfrentar justamente um concurso público, que é muito difícil para qualquer um, com ou sem cota. Mas pra mim era mais fácil enfrentar um concurso público do que o preconceito.

Qual é a importância de trazer o assunto para a Lajeado?

Mostrar o que as pessoas podem fazer. Reconhecer a dificuldade que elas enfrentam na sociedade e mostrar pra elas que é possível trabalhar, que existem recursos para auxiliar. Muitas vezes falta informação. Teve uma vez que cheguei na parada de ônibus, eu tenho resíduo visual, então consigo identificar um pouco as pessoas. Tinha uma senhora na parada, fui até ela e pedi para me avisar quando passasse o ônibus tal. Ela olhou para os meus óculos, a bengala, e não teve dúvidas. Disse que não tinha dinheiro para me dar. Na hora fiquei em choque, mas fico pensando que se ela tivesse um colega de escola ou de trabalho com deficiência, ela seria mais aberta. Se a gente tiver contato com essas pessoas, a gente humaniza elas.

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