Do papel ao virtual: digitalização preserva história do Legislativo

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Do papel ao virtual: digitalização preserva história do Legislativo

Pesquisadores da Univates começam processo de limpeza e catalogação de 90 anos de arquivos da câmara de vereadores

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Do papel ao virtual: digitalização preserva história do Legislativo
Serão digitalizados ao todo 41 livros, que somam mais de 10 mil páginas. São 90 anos de história. Crédito: Júlia Amaral
Lajeado
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“Tudo o que passava na vida do município, passava pela câmara”, afirma a historiadora e supervisora do Centro de Memória, Documentação e Pesquisa do Museu de Ciências da Univates, Patrícia Schneider. Ela é uma das responsáveis por digitalizar mais de 10 mil páginas dos documentos do Legislativo, desde sua instituição, em 1891, até 1982.

No ano passado, o Centro de Memória da Univates digitalizou os documentos do Arquivo Histórico de Lajeado. Depois disso, recebeu a proposta do parlamento para fazer o mesmo com os cadernos de ata, presença e protocolos e projetos de lei.

O processo deve durar seis meses. Neste tempo, o Centro de Memória tem capacidade para digitalizar noventa anos de arquivo, o que soma 41 livros. Para tornar os documentos digitais, são feitas fotografias de cada página, com câmera de alta qualidade. O segundo passo é enumerar os documentos e, depois, compilar em um PDF. Feito isso, o Centro de Memória encaminha os materiais à câmara, responsável por disponibilizar tudo no site do Legislativo.

Conforme Patrícia, neste momento, a digitalização ainda não começou e o trabalho é de limpeza. “Fazemos a higienização desses livros de forma mecânica e a seco. E tudo com material reversível, lápis, pincel de cerdas macias, nada que fique fixo no documento”, explica.

“A quantidade de informações que tem nessas atas em conteúdos históricos é fantástica. Você consegue detalhes sobre como era a vida social em diferentes épocas. O que as pessoas precisavam, quem eram elas, quem fazia parte da câmara”, reforça.

O Conselho Municipal

O livro “Lajeado I”, de José Alfredo Schierholt, explica que, no princípio, o Poder Legislativo foi denominado Conselho Municipal, que se resumia a uma câmara orçamentária. Eram eleitos sete membros, com quatro anos de mandato gratuito, que não era obrigatório. Por isso, o conselheiro poderia renunciar ou ser cassado.

A primeira ata do arquivo registra o início dos trabalhos, no dia 15 de outubro de 1891, na residência de José Luis Bard (na área onde hoje funciona o Colégio Castelo Branco), local utilizado de maneira provisória. A primeira lei orgânica de Lajeado foi apresentada naquele dia. Também foi escolhido Frederico Heineck como o presidente da Junta Municipal.

Ainda no livro do professor Schierholt, consta que entre as atividades que cabiam ao Conselho Municipal, estava providenciar a execução das eleições municipais, estabelecer a lei eleitoral municipal, dividir o território em seções eleitorais, declarar os eleitos conferindo-lhes o diploma, e dar posse aos eleitos.

Entre os documentos disponíveis do Acervo Histórico, está a Lei Orgânica de 1907. Ela explica que o Conselho deveria se ocupar primeiro em discutir e votar o orçamento da receita e despesa para o ano seguinte, e depois se dedicar ao exame das despesas do ano anterior.

Arquivos encontrados

Em 1896, o “município do Lageado”, como consta no livro, publicou o seu Código de Posturas, ordenando sobre os limites das povoações, edificações, segurança, higiene das praças e uso de armas. Um trecho aponta que era absolutamente proibido galopar ou correr a cavalo em recinto urbano e disparar tiros de armas de fogo.

Também era proibido penetrar ou passar nos quintais, pomares, roças ou plantações alheias, sem licença de seus donos, sob pena de multa de 20$000, o que hoje equivale a R$160. Também, não era permitido invadir potreiros fechados ou qualquer outra propriedade.

“Tudo era diferente”

Flávio Ferri, 71, assumiu como vereador pela primeira vez em 1982 e foi presidente do parlamento naquele mesmo mandato, o que se repetiu mais uma vez em uma de suas quatro legislaturas. Em 82, a câmara de vereadores ficava na Júlio de Castilhos, em um espaço pequeno. Depois, passou para o segundo andar da Prefeitura e, por fim, para o Genes Work & Shop.

“Era tudo diferente, mais burocrático. Para fazer qualquer coisa era preciso ir a Porto Alegre. Tanto que quando conseguíamos um orelhão para um bairro era uma festa”, lembra. Para ele, a câmara é o lugar mais democrático da cidade. Tanto na prefeitura quanto no Genes, o parlamento chegou a sediar júris populares.

Para Ferri, ser vereador foi uma oportunidade de desenvolvimento. “Enquanto vereador, eu cresci muito como ser humano e desenvolvi o meu olhar para a comunidade”, afirma. Entre todas as sessões e projetos aprovados, ele não consegue escolher apenas uma memória marcante. “Todo projeto era um embate. Eu tive junto comigo vereadores que conseguiram creches, duplicações de água, colégios novos e ampliação dos antigos”.

Cláudia Ely, assessora da Casa há mais de 25 anos, recorda momentos marcantes neste período. “Era um espaço muito movimentado, eu lembro bem. Fizemos uma linda homenagem quando o município fez 100 anos, concedemos muitos títulos de cidadão lajeadense também”, destaca. Quando Cláudia começou a trabalhar na Câmara, eram 21 vereadores. Por volta de 1998, o número diminuiu para 10. Hoje, são 15 vereadores.

Arquivos passam por limpeza e catalogação. A digitalização é o próximo passo. Na foto, Patrícia Schneider, supervisora do Centro de Memória, Documentação e Pesquisa do Museu de Ciências da Univates. Crédito: Júlia Amaral

Acesso facilitado

Para o atual presidente da câmara, Deolí Graff (PP), o convênio com a Univates representa um passo importante. “A história do município será estudada também a partir do Poder Legislativo. Hoje, ela é pesquisada e contada a partir do Poder Executivo. A digitalização vai ampliar significativamente o acesso a todo material dos arquivos como também garantir a preservação desse acervo”, comenta.

Muito antes da digitalização ser planejada, o acervo já era útil para entender o que ocorria na cidade e como o parlamento lidava com os problemas dos munícipes. Entre eles, o descarte de resíduos sólidos, tema do trabalho de conclusão de curso (TCC) do historiador Diéfersom André Fernandes, 35.

A pesquisa foi feita em 2009 e analisou as atas da década de 1960 até 1979. Utilizando muito da entrevista oral com moradores de diferentes bairros, os dados da câmara foram um complemento ao trabalho de Diéfersom. O que mais lhe chamou atenção foram as recorrentes reclamações sobre lixo.

“As informações eram quase sempre sobre lixo sendo jogado em locais inadequados e no rio. Os vereadores provavelmente ouviam uma reclamação popular ou observavam e levavam isso para a sessão de generalidade da reunião”, lembra.

Ele conta que não foi difícil fazer a pesquisa no acervo físico porque tudo estava bem organizado. Para ele, a digitalização é algo positivo, que democratiza o acesso à informação. “Se, naquela época, alguém quisesse usar os mesmos arquivos que eu, não teria como. Assim também, o acervo é preservado”, afirma.

 

 

 

 


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