Quando a estátua era apenas uma ideia

Cristo de Encantado

Quando a estátua era apenas uma ideia

Mesmo inacabado, o Cristo Protetor já é sucesso internacional. Até o início da grande obra turística, a ideia foi debatida por mais de dez anos pela comunidade local. Conheça as histórias por trás da materialização do ousado projeto que atrai as atenções do mundo para Encantado

Quando a estátua era apenas uma ideia
Engenheiro Marcos Bastiani, responsável da obra Artur Lopes e presidente da Associação Amigos de Cristo, Horácio Marins (Foto: Divulgação)
Vale do Taquari

Santo Agostinho ou Jesus Cristo. Morro dos Turatti ou da Antena. Muitas eram as dúvidas, mas se sabia que a comunidade queria um símbolo para abençoar Encantado, e ver a cidade se desenvolver. Por pelo menos 10 anos, o assunto era discutido e o resultado foi a criação de um projeto que atrai as atenções do mundo pelas mãos de voluntários.

Uma das histórias contadas é que a ideia surgiu entre 2010 e 2011, com as famílias Gonzatti, Turatti e Talini. Na época, Antenor Gonzatti era presidente da Associação Industrial, Comercial e de Serviços do Bairro Planalto (Aicosplan) e os integrantes da entidade sugeriram fazer uma estátua com uma figura religiosa no bairro, no Morro dos Turatti. A intenção era criar um monumento semelhante ao Cristo Redentor de Guaporé, com 13 metros de altura, em um pedestal de sete metros.

Cleber, Cardoso, Érico, Conzatti, Enoir Cardoso e Radaelli no terreno doado para a construção do Cristo Protetor de Encantado (Foto: Arquivo pessoal)

Outro morador, Alcides Turatti chegou a oferecer uma área de terra para construir o monumento no ponto mais alto do bairro Planalto. Ainda não se sabia se seria uma estátua de Santo Agostinho, para ser diferente da de Guaporé, ou se fariam também um monumento de Jesus Cristo. A iniciativa, contudo, não saiu do papel.

Mais tarde, o proprietário de uma empresa de ônibus e também residente do bairro, Telemaco Talini, abraçou a ideia e, por anos, o assunto foi debatido entre os amigos e a família. Ficou, então, definido que o monumento seria em homenagem a Cristo.

Quando ficou doente, o morador comentou com os filhos que a ideia da estátua não podia ser esquecida, e o lugar ideal para a construção era o topo do Morro das Antenas, próximo à Lagoa da Garibaldi, na área de terra que pertencia a Luiz Pedro Radaelli, o “Sonera”, Valdecir Camargo, o “Gigi”, e aos irmãos Cleber e Érico Talini.

Telemaco tinha feito uma promessa para quando se recuperasse e queria ver o monumento pronto. Depois de sua morte, os filhos continuaram com a ideia, ao lado dos amigos. “Meu pai tinha avisado que doaria um ônibus para construir o monumento e seu sonho era ficar bem para ver o Cristo da janela de casa”, conta Cleber.

(Foto: Arquivo Pessoal)

Medição do terreno para iniciar a obra, com o projeto já definido (Foto: Arquivo Pessoal)

Os guardiões do morro

Radaelli, Camargo e os irmãos Talini se conheceram nas trilhas que faziam de moto. Uma delas passava pelo Morro das Antenas. “Ali tinha uma vista muito bonita e nós acabamos comprando essa terra. O pai dos Talini dizia que ali seria um bom lugar para fazer o Cristo e pediu para não deixarmos essa ideia morrer”, recorda Radaelli.

Um escultor chegou a ser enviado a Guaporé para ver a estátua já existente e criar um projeto semelhante. A primeira ideia era construir o monumento com recursos próprios. Mas só em 2016, durante a campanha eleitoral, que a ideia foi adiante.

Adroaldo Conzatti concorria ao cargo de prefeito e fez uma visita com o seu candidato a vice, Enoir Cardoso, às oficinas de Radaelli e Camargo, que ficavam lado a lado. Naquele dia, os amigos sugeriram a construção de uma estátua do Cristo no município, nas terras que guardavam no Morro da Antena. Eles contam que Conzatti ouviu a ideia e disse que iria pensar.

“Ele passou aqui na oficina e a gente falou pra fazer um Cristo. O Adroaldo pediu onde, e nós mostramos o morro. Mais tarde veio pedir se a gente doava mesmo as terras. Ele tomou a frente, criou a associação e fez acontecer”, conta Radaelli.

Camargo também lembra de ter dito para o ex-prefeito que se utilizasse a área no morro, teria que ser um monumento grande. “Eu disse que nós tínhamos um dinheiro em caixa, que poderíamos doar a terra”, recorda.

O Cristo Protetor

Ao mesmo tempo em que a ideia era discutida entre os moradores do bairro Planalto e os quatro amigos, em 2015, o padre João Granzotto também sugeriu a construção.

Nos domingos, ele costumava almoçar na casa de Zenito Capitanio, que mora há duas quadras da Igreja São João. “Todo domingo ele dizia que Encantado tinha que ter um Cristo”, conta Capitanio.

O padre trabalhou no município de 1965 a 1970 e voltava a Encantado naquele ano. Ele dizia que o município tinha parado no tempo e, com o monumento, a cidade poderia se desenvolver. O nome do ex-prefeito Adroaldo Conzatti foi citado na conversa com Capitanio. Os dois acreditavam que o ex-prefeito seria a pessoa certa para iniciar o projeto.

Em um dos fins de semana daquele ano, Capitanio ligou para Conzatti. “Ele era vereador na época, tava jogando carta e veio em 10 ou 15 minutos. Ele disse ‘vou me candidatar a prefeito e tocar essa ideia’”, lembra Capitanio.

Cerca de sete meses depois, ele e o Padre Granzotto se reuniram com o ex-prefeito para iniciar o projeto. Por duas vezes foram até Guaporé para ver o Cristo Redentor. O padre sugeriu que o monumento de Encantado se chamasse Cristo Protetor, para proteger os fiéis e visitantes, e foi convidado para rezar a missa de inauguração do monumento. Granzotto morreu em 19 de julho do ano passado, antes de ver a obra concluída, assim como Conzatti.

Em uma entrevista para o Jornal Antena, Granzotto disse: “É uma alegria muito grande, saber que muitas pessoas estão trabalhando e se envolvendo na construção do Cristo. É um sonho meu que será realizado, e tenho certeza que Cristo Jesus abençoará ainda mais esta cidade”.

Nas mãos de Conzatti

Filho de Adroaldo, Rogério Conzatti lembra de uma conversa que teve com o pai assim que a ideia da obra foi sugerida. “Um dia, indo pra São Marcos, falei com o pai, metendo pilha, e ele disse: ‘acho que agora vamos fazer o Cristo, e mais alto do que o do Rio de Janeiro’”, recorda.

Ele conta que, na época, brincou com o pai dizendo que ele era “apenas” um vereador. “O pai então disse que a obra não seria feita com dinheiro público, e sim com doações da comunidade”, destaca.

O ex-prefeito integrou as ideias dos moradores do bairro Planalto e do Padre João Granzotto, mas quando lançou o projeto, recebeu muitas críticas.

Por outro lado, voluntários também se ofereceram para realizar a obra, e a Associação Amigos de Cristo foi criada em 19 de março de 2019. Naquele ano, os irmãos Talini, Radaelli e Camargo doaram as terras para a construção do Cristo Protetor no Morro da Antena.

Hoje o monumento tem 37 metros, uma das maiores imagens em homenagem a Jesus Cristo em construção no mundo. Com o pedestal de seis metros, o Cristo Protetor totaliza 43 metros de altura.

Vice-presidente da associação, Robison Gonzatti conta que o envolvimento dos voluntários foi incentivado pela fé. “Essa obra é feita como forma de agradecimento, o turismo e tudo o que está acontecendo é uma consequência do trabalho que está sendo feito. Várias histórias se convergem entre os voluntários da associação, e por isso nos reunimos”, destaca.

Para registrar as origens

Também integrante da associação, Rafael Fontana conta que a entidade está apurando as histórias sobre o surgimento da ideia do monumento e os envolvidos com a construção.

“Tiveram muitas pessoas envolvidas, muitas histórias que estamos descobrindo. Queremos juntar esses materiais e lançar para a comunidade. Não sabemos se em forma de livro, documento ou uma produção audiovisual”, diz.

O trabalho deve ser apresentado ainda durante o andamento da obra, que tem previsão para ser concluída até o fim do ano.
Além disso, a associação tem ideia de, depois de concluído o monumento e com as dívidas pagas, doar qualquer valor excedente arrecadado para entidades filantrópicas da região.

Tiveram muitas pessoas envolvidas, muitas histórias que estamos descobrindo. Queremos juntar esses materiais e lançar para a comunidade. Não sabemos se em forma de livro, documento ou uma produção audiovisual

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