Entre a pandemia e o colapso econômico

Coronavírus

Entre a pandemia e o colapso econômico

Correntes sociais repercutem desejo do presidente Bolsonaro em flexibilizar o isolamento. Ao mesmo tempo, técnicos do Ministério da Saúde afirmam que ápice da covid-19 virá em 30 dias. Deputados federais iniciam movimento para reduzir salários de parte dos servidores e criar um fundo de emergência para ajudar trabalhadores, empresas e famílias carentes

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Entre a pandemia e o colapso econômico
Brasil

O Vale do Taquari completa a primeira semana de restrições. São lojas, construções, escolas e indústrias fechadas. Alguns setores já sentem os efeitos da pandemia e iniciam demissões em massa. É o caso da manufatura de calçados.

Estimativa do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Calçadistas de Teutônia (Siticalte) estima 600 demissões nos próximos dias. No comércio o alerta também vai ao encontro do fechamento de postos de trabalho. Em Lajeado, grupo de empresários se organiza para cobrar do governo municipal a retomada das atividades comerciárias a partir da próxima semana.

Em todos esses movimentos a preocupação é uma: colapso econômico. Sem renda, sem arrecadação, a sociedade enfrentará um período de empobrecimento, desemprego e insegurança.

Essa pressão ganhou força após as declarações do presidente Jair Bolsonaro. Em pronunciamento na terça-feira e coletiva na quarta, afirmou que o país está a poucos dias de entrar em falência.

No mundo, as expectativas são de recessão econômica. O ano que começou com previsão de crescimento do PIB em quase 3%, já apresenta um cenário de que se as atividades produtivas repetirem 2019 já será positivo.

Limite até  7 de abril

Em reunião da alta cúpula do governo federal, o ministro Paulo Guedes apresentou ao presidente uma previsão de que a economia nacional aguenta o isolamento só até o dia 7 de abril.
O ministro Guedes recomendou ao presidente que estimulasse o retorno gradativo das atividades econômicas em até duas semanas. Em meio a essa postura, o governo federal iniciou uma campanha com o slogan “O Brasil não pode parar.”

Presidente da Câmara da Indústria e Comércio do Vale do Taquari (CIC-VT), Ivandro Rosa, acredita que é preciso discutir a retomada dos negócios. A posição se baseia na própria Federasul, entidade que congrega diversas organizações empresariais gaúchas.

Na análise empresarial, a parada abrupta impede a logística de artigos básicos e urgentes, até mesmo de insumos para hospitais. Com muitos trabalhadores sem renda, como os autônomos, acredita ser necessário adotar medidas para flexibilizar o isolamento e garantir o retorno das atividades.

Fundo emergencial

A Câmara dos Deputados elabora uma proposta para criar um fundo de R$ 12 bilhões até R$ 18 bilhões como forma de custear investimentos no combate ao coronavírus e também para mitigar as perdas econômicas de empresas e trabalhadores.

Entre os parlamentares federais envolvidos na elaboração do documento está Alceu Moreira (MDB-RS). A iniciativa prevê que servidores públicos com salários a partir dos R$ 5 mil contribuíssem com o fundo.

De acordo com ele, vencimentos de R$ 5 mil até R$ 10 mil teriam o desconto de 10%. Para quem ganha mais do que isso, seria de 25%. Dependendo da adesão de estados e municípios, poderia se chegar a R$ 18 bilhões, caso a crise do coronavírus durar três meses.

Esse universo representa 25% do funcionalismo público, diz Moreira. Em números gerais, são pouco mais de 2,8 milhões de servidores. Para a proposta avançar, destaca Moreira, é preciso que os outros poderes públicos, como o judiciário, Ministério Público, Congresso Nacional e o Executivo aceitem as condições. “A tese parte do princípio de que todos precisam contribuir nesse momento para amenizar os grandes problemas que teremos daqui à frente”, afirma o deputado.

Oportunidade  em meio à crise

Enquanto atividades industriais ligadas a fabricação de peças, máquinas, móveis, calçados e roupas temem pela retração e falta de recursos para honrar contratos, a produção alimentícia vive a expectativa de expansão dos negócios.

Na análise do economista chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes, o cenário para atividades ligadas à produção alimentícia é positivo.

De acordo com ele, há chance de aumento na demanda de exportações, ainda mais nos países em que as atividades foram paralisadas, como é o caso da China. “É um mercado que pode sofrer com desabastecimento, em especial das carnes.”

Essa leitura do momento é compartilhada pelo presidente da Languiru, Dirceu Bayer. “O isolamento atinge toda a economia. Como um todo, o país não deve ter crescimento. Afeta, mas o agronegócio é diferente”, acredita.

Na cooperativa, diz, as plantas industriais continuam a produção quase que normal. Houve afastamento de funcionários com mais de 60 anos, gestantes e pessoas com doenças crônicas.
Com a cotação do dólar em alta o preço no mercado externo representa ganhos. De acordo com Bayer, até o leite começa a reagir. “No momento não temos sido muito afetados. A expectativa para o primeiro semestre é boa.”

A apreensão para manter as atividades é o impacto da estiagem. Com as perdas na cultura do milho, próxima dos 50% no RS, os custos de produção podem aumentar, o que anularia ganhos com a exportação.


“Vamos perder juntos. Se aceitarmos isso, seremos mais solidários”

Um ano de recessão econômica. Essa é a primeira análise possível frente ao avanço do coronavírus no mundo. Para a região, a economista destaca a necessidade de encontrar um equilíbrio. Primeiro pensar em saúde para depois encontrar formas de retomar a normalidade do trabalho e dos negócios.

• A Hora – Em meio a pandemia, diversas organizações começam a questionar a política de isolamento. Qual o impacto dessa restrição na economia?

Cíntia Agostini – Temos de olhar para o mundo e para o Brasil. No início do ano, havia uma previsão de crescimento do PIB. Se falava em 2,9% na média global. Agora já se fala em recessão. Em decréscimo. Algo muito próximo do que se viveu nos anos de 2008 e 2009. Na medida em que não temos ideia de quanto tempo vai decorrer essa pandemia, a previsão é mesmo muito ruim.
No Brasil, falávamos em 3% de crescimento do PIB em comparação com 2019. Dias antes do surto já havia caído. Agora, já se tem ideia de que não haverá crescimento algum. Se tivermos os mesmos resultados do ano passado já vai ser muito bom.

• Como equalizar essa situação. De um lado o risco de falência econômica e de outro a saúde das pessoas?

Cíntia – Ainda não estamos no período mais crítico da pandemia. No RS, as estimativas era que se chegaria aos 50 infectados na quarta-feira passada. No entanto, já tínhamos 112 naquele dia. É mais do que o dobro do previsto.

Todos os cálculos em outros países que foram acometidos pelo coronavírus mostra que o paciente 50 é quando explode o número de contágios. A grande questão é o colapso no serviço de saúde. Essa é a preocupação de todos. Por isso médicos, cientistas e pesquisadores de todo o mundo dizem para as pessoas ficarem em casa. O vírus é altamente contagioso. Se falarmos que a mortalidade é de 1%, em um cenário de alto contágio, é muita gente.

• De que maneira esse desacordo institucional entre governadores e presidente atinge a sociedade?

Cíntia – Isso causa mais confusão. A sociedade perde muito. Reduz a capacidade de compreensão sobre esse momento. Temos de fazer o contrário agora. É nos unir, pensar ações imediatas e urgentes para que na sequência a retomada da normalidade seja racional.

Nas discussões que vemos ao longo dos últimos meses, de Estado máximo ou mínimo, sempre digo, o governo precisa ser eficiente. Agora neste momento o papel dos governantes é fundamental, desenvolvendo políticas para reduzir o que for possível os prejuízos das empresas e para manter o máximo de trabalhadores empregados.

Vamos perder juntos. Se aceitarmos isso, seremos mais solidários e vamos contribuir uns com os outros.

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