O fim da novela dos 33,4 quilômetros de duplicação da BR-386 entre os municípios de Tabaí e Canoas está próximo. Mas o Departamento Nacional de Infraestrutura (Dnit) é cauteloso e prefere não cravar uma data precisa para o término da obra. Em março, a previsão era finalizar em até 40 dias. Entretanto, com pouco cimento asfáltico de petróleo (CAP) no mercado, atrasará outra vez.
Faltam apenas 2,3 quilômetros para finalizar o empreendimento iniciado em novembro de 2010. O trecho fica entre Bom Retiro do Sul e Estrela, nas proximidades da aldeia indígena caingangue. Dezenas de máquinas e funcionários atuam no local. Em todos os 31,1 quilômetros restantes, o tráfego de veículos foi liberado aos poucos nos últimos anos.
Entre as principais obras restantes, está o novo acesso principal a Bom Retiro do Sul. Os demais serviços são de menor complexidade e consistem basicamente na aplicação de asfalto, pintura e sinalização da via, instalação de guard-rail e pequenos serviços junto à divisória das pistas. Também falta concluir ruas laterais em Estrela e obras complementares, como meios-fios, muros, sarjetas e reconformação de canteiros.
Mesmo com poucos serviços a finalizar, um imprevisto deve atrasar ainda mais os planos do Dnit e do consórcio formado pelas empresas Conpasul, Cotrel, Iccila e Momento. No momento, as quatro consorciadas enfrentam dificuldade para comprar o material para aplicar a última camada do pavimento no trecho de 2,6 quilômetros em execução.
Isso porque o cimento asfáltico de petróleo (CAP) é vendido aqui no RS pela Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), unidade da Petrobrás em Canoas, mas o produto não está disponível faz quase um mês. Há a possibilidade de buscar o material na refinaria de Araucária, no Paraná, o que acarretaria mais gastos. Entretanto, o contrato firmado com o Dnit não prevê qualquer aumento de valor nesse quesito.
A expectativa é de que a Refap volte a oferecer o produto ainda no fim deste mês. Só a partir disso as quatro empresas devem iniciar a última etapa da pavimentação asfáltica naquele trecho. Após, devem precisar de pouco mais de 15 dias para concluir os serviços nos 2,6 quilômetros, bem como toda a sinalização daquele trajeto ainda em obras. Com isso, a liberação total deve ocorrer no fim de maio.
Petrobrás confirma escassez
A reportagem contatou com a empresa estatal para verificar os motivos. Em nota, a Petrobrás confirma a escassez do material, mas garante que a falta do CAP já estava pré-anunciada. De acordo com a íntegra do texto enviado, a estatal “realiza periodicamente paradas programadas de manutenção em suas refinarias”, e a “operação das unidades é interrompida para inspeção e manutenção de equipamentos com objetivo de garantir a segurança e a confiabilidade operacional.”
Ainda de acordo com a estatal, a Refap “encontra-se em parada programada desde o dia 15 de março.” Além disso, cita que, como parte do planejamento dessa intervenção, “houve acúmulo prévio do produto nos tanques da refinaria e também foi disponibilizado volume adicional na Repar, em Araucária (PR). Por fim, garante que “não houve desabastecimento ao mercado”, e o “retorno à operação e fornecimento está previsto para início de maio.
Comunidade aguarda e elogia
Morando às margens da rodovia, próximo à divisa entre Bom Retiro do Sul e Estrela, Vianei Farias é trabalhador autônomo e depende do movimento da rodovia para o sustento. Além de auxiliar no trabalho de algumas oficinas mecânicas, ele também vende frutas e verduras. “O fluxo de veículos e de clientes tem aumentado bastante. Mas as obras atrapalham um pouco. Poucos param por aqui”, diz.
Para o morador de Tabaí, José Rodrigues de Souza, que trabalha em uma lavagem de veículos às margens da rodovia e bem em frente ao ponto inicial da obra de duplicação no município, o principal benefício do empreendimento é a segurança. “Apesar do atraso, que todos já esperávamos, precisamos elogiar a segurança que a obra trouxe. Nunca mais morreu ninguém. E eu perdi muitos amigos aqui na frente mesmo.”
Histórico do empreendimento
A duplicação dos 33,4 quilômetros entre o prédio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Tabaí e o trecho já duplicado da rodovia em Estrela iniciou em novembro de 2010. Faltam apenas 2% da obra. Restam ser finalizadas a pavimentação e a sinalização de 2,3 quilômetros, próximos do acesso a Bom Retiro do Sul e da comunidade de Linha Glória.
Já foram investidos R$ 202,8 milhões. O Dnit reserva R$ 6 milhões para conclusão do empreendimento na estrada apelidada de Rodovia da Produção pelos empresários, e de Rodovia da Morte, pelos policiais. Hoje, é uma das principais vias de escoamento para a produção de grãos, ligando a Região Metropolitana com os vales do Taquari, Planalto e Noroeste e o estado de Santa Catarina.
Desde o início dos serviços – inicialmente previstos para serem finalizados em 2013 –, a obra ficou 41,7% mais cara em relação ao valor original contratado, que era de R$ 147,4 milhões. Foram mais de R$ 60 milhões em aditivos nestes quase oito anos de serviços. Além de demora na liberação de jazidas e falta de recursos federais, a construção de uma nova aldeia indígena também atrasou a obra.
Novos empreendimentos
Mesmo com a duplicação ainda incompleta, diversos novos empreendimentos já se instalaram às margens da pista nova. Na divisa entre Paverama e Taquari, por exemplo, o tradicional Posto do Rosinha ampliou os negócios e inaugurou um novo paradouro, em frente ao local antigo, no sentido interior-capital. São cerca de mil metros quadrados.
No mesmo sentido da via, mas no quilômetro 364, em Fazenda Vilanova, também está quase finalizada a construção de outro posto de combustível. Um pouco antes, em Estrela, na localidade de Santa Rita, o Richter Group, de Lajeado, construirá um polo empresarial em frente a um futuro paradouro. Serão cem lotes comerciais e industriais. Os serviços de terraplenagem estão avançados.
Líderes divergem sobre pedágios
A BR-386 também é enredo de uma outra novela: a concessão das rodovias federais à iniciativa privada. Hoje o processo iniciado com audiências públicas em fevereiro de 2017 está no gabinete do procurador Marinus Marsico, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU). O processo entrou no dia 3 de novembro de 2017 no TCU e ainda não há decisão.
O relator do processo no TCU é Bruno Dantas Nascimento. Inicialmente, e referente à BR-386, o tribunal avalia a possibilidade de duas praças de pedágios entre Lajeado e a Região Metropolitana. Uma em Montenegro e outra em Paverama. Há outros dois pontos de cobrança previstos para essa rodovia, em Fontoura Xavier e Tio Hugo.
Ainda no ano passado, o Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat) avalizou essa decisão por duas praças entre Lajeado e Porto Alegre, mediante promessa da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de realizar diversas obras de infraestrutura na região, dentro de prazos menores, entre essas a duplicação da BR-386 entre Lajeado e Carazinho.
Entretanto, ainda em novembro do ano passado, o diretor de Relações com Entidades da Câmara de Indústria e Comércio do Vale do Taquari (CIC-VT), Oreno Ardêmio Heineck, encaminhou ofício à Federasul, solicitando apoio da entidade para impedir a instalação de duas praças de pedágios entre a região e a capital gaúcha. No texto, ele cita uma possível “fuga dos empreendimentos”.
Questionada, a presidente do Codevat, Cíntia Agostini, diz que uma mudança no edital pode acarretar perda de investimentos e aumento na tarifa de outras praças. A concessão envolve outras rodovias – BRs 101, 390 e 448. “É considerada única. São 476 quilômetros com sete praças. Uma a cada 60 quilômetros. É um projeto linear. Não se viabiliza com menos praças. Se tiver uma só, terá o dobro do valor”, diz. “A CIC já se posicionou favorável às duas praças”, finaliza.
Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br