O caminhoneiro Cláudio Antônio Fontana, 42, afirma ter recebido uma nova chance de viver. Na manhã de ontem, ele dirigia um caminhão carregado de frangos pela ERS-130 quando foi atingido por uma carreta desgovernada.
Com a cabeça ainda sangrando, Fontana lembra dos detalhes da cena. Segundo ele, o caminhão, com placas de Canoas, vinha muito rápido quando invadiu a pista contrária. “Bateu no meu retrovisor e acabou quebrando o vidro da janela, seguiu na contramão e atingiu os demais.”
A carreta atingiu outros quatro veículos. O primeiro era um Fiat Siena dirigido por Eliane Ebone Lawall, 34 anos. O carro foi arrastado por cerca de 50 metros até atingir um terceiro caminhão. Com o impacto, Eliane morreu no local.
O terceiro caminhão envolvido no acidente era dirigido por Anderson de Luz, 27. Ele percebeu quando a carreta invadiu a pista contrária e bateu contra o primeiro caminhão, mas não conseguiu escapar da colisão.
“Foi tudo muito rápido, ninguém teve chance de desviar”, aponta. Conforme Luz, após ser atingido, ele viu a carreta com placas de Canoas se dobrar em L, momento em que o motociclista que vinha atrás caiu embaixo do veículo. A carreta ainda teria se arrastado por mais alguns metros até atingir um quarto caminhão.
Momentos após a acidente, a carreta de Canoas pegou fogo, pouco depois do motorista, Irno Ricardi, e do motociclista, Everton Dias Vieira, serem resgatados. Os dois foram encaminhados para atendimento hospitalar, sendo que Vieira fraturou as duas pernas e a bacia. As chamas foram contidas pelo Corpo de Bombeiros.
Soldado da Brigada Militar de Encantado, Jones Aquino foi a primeira autoridade a chegar ao local do acidente. Segundo ele, a principal suspeita é de que o motorista causador das colisões tenha pegado no sono.
“A maioria dos casos em que o veículo invade a pista contrária sem motivos aparentes ocorre devido a motoristas que dormem ao volante”, alega. O policial alega ter sido o acidente com maior número de veículos envolvidos atendido por ele em toda a carreira. Porém ressalta serem cada vez mais comuns as tragédias no trânsito da região.
“O motivo é sempre a imprudência, seja por excesso de velocidade, ultrapassagem em local proibido ou dirigir com sono”, alerta. Para Aquino, a única forma de evitar que novos casos aconteçam é fazer com que os motoristas tenham mais cuidado nas estradas.
“Era uma pessoa fantástica”
Eliane Ebone Lawall tinha 34 anos. Era servidora do município de Lajeado desde 2007 e trabalhava na secretaria das escolas Oscar Koefender e Mundo Mágico. Conforme parentes da vítima, ela morava em Encantado desde dezembro de 2017, e seguia para o trabalho no momento do acidente.
Primo da vítima, Bruno Ebone Neto soube da notícia por meio do namorado de Eliane. “A família está em choque. Foi repentino, uma fatalidade que ninguém esperava”, afirma. Segundo ele, Eliane era uma pessoa batalhadora, que trabalhava muito para conquistar seus objetivos.
“Era uma fantástica, especial, como existem poucas por aí”, ressalta. Conforme Neto, Eliane era alguém de bem com a vida, sempre muito alegre e sorrindo.
A prima Duane Ebone afirma que Eliane era uma pessoa cativante. “Éramos muito ligadas. Estou chocada.”
A coordenadora pedagógica da escola Oscar Koefender, Roseli Angelica Marcus, afirma que o clima na escola é de consternação. Segundo ela, Eliane era muito querida por toda a comunidade escolar. “Estamos todos muito abalados.”
De acordo com a coordenadora, os alunos tiveram aulas normais ontem porque já estavam na instituição no momento do acidente. Hoje as aulas foram suspensas. Em nota, o governo anunciou a suspensão das aulas também na escola Mundo Mágico.
“Como Eliane era conhecida de toda a comunidade escolar por mais de uma década dedicada ao trabalho na área da educação, as aulas serão suspensas para permitir que colegas, professores e alunos possam acompanhar velório e enterro”, diz a nota.
Eliane deixa a mãe e dois irmãos. O pai da vítima, que era caminhoneiro, também morreu em um acidente de trânsito, cerca de 20 anos atrás.
Descanso evita tragédias
Os demais motoristas envolvidos no acidente são unânimes em apontar a imprudência como causa para o acidente. Para Cláudio Fontana, um simples descanso de 15 minutos é capaz de evitar a sonolência na estrada e salvar vidas.
“Se ele (o causador do acidente) dorme 10 segundos antes, eu também estaria morto”, alega. Conforme Fontana, o trecho onde aconteceu o acidente é um dos mais seguros da rodovia, apesar de movimentado. Para o caminhoneiro, a situação não teria como ser evitada nem mesmo em uma rodovia de pista dupla.
Anderson da Luz concorda com a opinião de Fontana. Para ele, o motorista que causou o acidente teve pouca preocupação com a própria segurança e a dos demais condutores. “A empresa para qual trabalho tem um sistema de segurança rigoroso, com treinamentos e horários rígidos para descanso. Nessas horas percebemos a importância.”
Mesmo andando dentro das normas, Luz considera a profissão arriscada, justamente pela possibilidade de ser envolvido em um acidente causado por terceiros. “Essa foi, sem dúvida, a pior situação que já enfrentei na estrada.”
Duplicação volta ao debate
Na manhã de ontem, as entidades representativas da região retomaram as discussões sobre a duplicação da ERS-130. O encontro teve a presença do presidente da Amvat, Marcelo Caumo, e da diretoria da CIC-VT.
O presidente da CIC-VT, Pedro Barth, ressaltou a preocupação com fluxo intenso no trecho entre Venâncio Aires e Muçum da rodovia e a precariedade da estrada.
Diretor de relações institucionais da entidade, Oreno Ardemio Heineck ressaltou a elaboração do Estudo de Viabilidade Técnica e Ambiental (EVTA), no valor de R$ 150 mil, custeado pelos municípios da região e entregue à EGR em 2013.
“Sete municípios pagaram por esses trabalho coordenado pela CIC-VT”, lembra. De acordo com a presidente do Codevat, Cíntia Agostini, na época do estudo, ficou constatado o fluxo diário de 26 mil veículos, enquanto a recomendação de duplicar uma rodovia ocorre a partir de um fluxo de nove mil veículos diários.
“Estamos muito acima”, alerta. Segundo ela, no fim do ano passado, a EGR sinalizou a possibilidade de fazer alargamentos pontuais em alguns trechos da rodovia. Para a presidente do Codevat, seria uma medida paliativa que não solucionaria os problemas da estrada.
O presidente da Amvat, Marcelo Caumo, também manifestou apreensão quanto à possibilidade de alargamento ao invés de duplicação. “Nós precisamos pressionar a EGR, com uma política inicial de diálogo para apresentarmos nossa demanda.”
A CIC-VT e a Amvat marcaram uma reunião com a EGR e a Secretaria dos Transportes do Estado para tratar o tema. O encontro será no dia 3 de maio, em Porto Alegre. As entidades elaboram um dossiê para entregar às autoridades estaduais.
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br