Problemas na fiação elétrica, registro único da água, telhado danificado e paredes com infiltrações. O prédio da década de 50, principal instituição penal do Vale do Taquari, é motivo de preocupação para diversas instituições e voluntários.
Reformas e melhorias na infraestrutura são necessidades unânimes dentro do Conselho Carcerário. O projeto para essas obras foi desenvolvido pelo grupo e estipula uma série de módulos. Tudo feito com recursos das penas pecuniárias e doações angariadas pelos voluntários.
O impasse está na falta de participação do Estado e do Setor de Engenharia da Susepe. Dentro da organização regional, composta pela Associação Lajeadense Pró-Segurança Pública (Alsepro), Comunidade Carcerária, Ministério Público (MP), governo de Lajeado e pelo Judiciário, uma divergência adia o início da obra.
A Alsepro e o MP exigem a análise do projeto pelo Setor de Engenharia da Susepe antes de qualquer tijolo ser colocado no presídio. Os dois entes querem que o Estado, por meio da repartição responsável pelas casas prisionais, assine como responsável por qualquer reforma ou ampliação. “Queremos a participação efetiva do Estado”, frisa o promotor Éderson Maia Vieira.
No outro lado, o voluntário que foi responsável pela construção do presídio feminino, Léo Katz, cobra agilidade para começar a primeira etapa da reforma. “Estamos com esse projeto para ser posto em execução faz um ano. As melhorias são urgentes.”
Dois promotores acompanham o assunto. Além de Vieira, Ana Emília Vilanova integra o grupo de discussão sobre o presídio. “Em síntese, queremos a obra. Mas é imprescindível a assinatura de um técnico. De preferência da Engenharia da Susepe”, relata a promotora Ana Emília.
A primeira etapa da melhoria proposta pela comunidade representa um investimento de R$ 300 mil. Primeiro seria feita a limpeza e o desmanche do antigo albergue. Em seguida, a obra seria no setor administrativo, com ampliação das salas, novas áreas judiciárias e consultórios médicos e odontológicos.
Ordem descumprida
Como forma de garantir a participação do Estado nas melhorias no presídio, em específico com indicações sobre os projetos executivos e assinatura como responsável técnico pela obra, o promotor Vieira se reuniu no dia 3 de abril com o secretário estadual de Segurança Pública, Cezar Schirmer, com o superintendente da Susepe e com o responsável pelo Setor de Engenharia do órgão.
“O encontro foi para explicar a posição do MP sobre a participação do Executivo na reforma. Informei que não precisávamos de dinheiro. A parte deles é para dar amparo técnico ao projeto.”
Na ocasião, o secretário Schirmer delegou ao chefe do Setor de Engenharia a incumbência de ligar no dia seguinte para o integrante da Alsepro, Léo Katz, para se colocar à disposição para analisar a proposta regional e assinar como responsável técnico. “Nem isso aconteceu. Daí fica a pergunta: é nisso que vamos confiar? Vamos assumir uma obra em um prédio do Estado?”, questiona o promotor.
O gabinete do secretário estadual mantém a posição assumida na reunião. O chefe de comunicação informou à reportagem que a estrutura continua à disposição da comunidade de Lajeado. O A Hora contatou o Setor de Engenharia da Susepe. Até o fim desta edição, não houve resposta.
Evitar os mesmos erros
Para o presidente da Alsepro, Antônio Scussel, nas construções do albergue masculino e do presídio feminino, a comunidade assumiu todos os encaminhamentos. “Se investiu R$ 1 milhão e a resposta do Estado foi uma demonstração de descaso com esforço comunitário.”
A crítica se refere ao fato de a Susepe ter tido dificuldade em gerenciar os novos espaços. “O presídio feminino só entrou em funcionamento devido a uma decisão judicial”, lembra.
MP contra a ampliação
O projeto para o presídio prevê cinco etapas para a construção. Em uma delas, está a ampliação da capacidade. Para os promotores, não há espaço físico para mais presos. “Hoje são 122 vagas, com 250 presos. Não há local para visitas íntimas. Não tem área de trabalho. Tem de se usar a mesma sala multiuso para várias atividades”, frisa Vieira.
Para ele, se ampliar para 300 ou 400 vagas, em pouco tempo, serão mais de 800 detentos em Lajeado. “Sabemos como funciona. O Estado vai fazer o cálculo e mandarão cada vez mais presos para o presídio”, avalia Ana Emília.
Os promotores realçam ainda o modelo de obra para um regime fechado masculino. “O padrão é outro. Precisa ser mais resistente do que foi feito no presídio feminino”, dizem. A preocupação, afirmam, é com relação à segurança, tanto dentro da casa prisional quanto da sociedade. “As obras ocorreriam com os presos lá dentro. Em meio ao trabalho dos servidores, ao movimento natural da casa prisional.”
Entrevista
“Para a sociedade, falta olhar o detento como outra pessoa”
O administrador do presídio de Lajeado, David Horn, relata as dificuldades enfrentadas pelos servidores, desde a necessidade de evitar a violência entre os presos, o preconceito da população e os desafios de trabalhar em um prédio com problemas estruturais graves.
A Hora – O conselho comunitário auxilia nas melhorias, com a construção do albergue e do presídio feminino. Como vocês se organizaram para atender essa nova demanda?
David Horn – Houve uma necessidade de reestruturar o modelo de trabalho. Três colegas foram enviados para o presídio feminino. Também houve um aumento no fluxo dos atendimentos de saúde.
Com o albergue, também houve mudança. Antes era ao lado da recepção. Usávamos o mesmo efetivo. Tivemos de deslocar agentes para o trabalho lá.
Temos um déficit de agentes. Nos últimos três anos, perdemos 27 servidores, entre afastamentos por aposentadoria e aqueles que pediram transferência. Nosso saldo é negativo, pois foram apenas três reforços.
O episódio na UPA foi marcante. A limitação judicial de 250 presos ocorreu logo depois. Que outros efeitos aquela fuga provocou?
Horn – O resgate na UPA foi pontual. Seguimos todas as orientações, mas os criminosos estavam aguardando.
Naquela época, nas celas para seis pessoas, chegamos a ter 26 presos. Não é que melhorou, mas ficou menos pior.
Há facções no presídio?
Horn – Sim. Tem os Mano, Bala na Cara e os Taura.
Eles se identificam como integrantes?
Horn – Aqui eles dizem. No processo, em frente ao juiz, não.
Estão separados lá dentro?
Horn – Sim, estão em outras galerias.
Tendo a presença das facções, como é feito o trabalho para evitar a violência?
Horn – Primeiro com a separação das galerias. Entre os detentos, também há algumas regras. No nosso trabalho, acompanhamos o que está acontecendo. Quando determinado preso perde espaço, ele é isolado na triagem e pedimos transferência.
A violência ocorre por diversas razões. Pode ser pela rivalidade ou por que alguém mexeu com um visitante. Também há uma vigilância dos presos por crime sexual. Os “duques”, como chamam. Esses precisam ficar separados.
Sobre a estrutura do presídio. Como pensa iniciar alguma obra sem a avaliação da Susepe?
Horn – É uma questão muito complexa. O feminino e o albergue foram construções. Aqui vão ser reformas. Obras com os detentos dentro, com as visitas, com os servidores. Manter a segurança, com certeza, fica mais difícil. O tipo de construção exigido no fechado é diferente.
Quanto à estrutura de trabalho?
Horn – É precário. É um prédio velho, teve adaptações, mas deixa muito a desejar.
Quais pontos deixam a desejar?
Horn – Na luz, tivemos um preso eletricista profissional que fez adaptações e conseguimos dar uma amenizada, pois estava literalmente pegando fogo. A Alsepro e o conselho conseguiram um transformador melhor, estávamos usando um com metade da capacidade necessária. Tinha um risco de explodir. Às vezes desligava tudo.
Para fazer alguma correção na rede de água, em uma torneira ou chuveiro nas celas, tem de desligar o registro geral. As infiltrações são o principal problema. Os dutos elétricos são de metal. Tem água escorrendo pelas lâmpadas. Saindo da tomada. Aquilo, pode provocar um incêndio, além do risco de choque.
Nossa esperança é que sejam feitas melhorias.
Sobre a participação comunitária, qual a importância em acompanhar o presídio?
Horn – É fundamental. Sabemos que desde 1994 as reformas foram do Conselho da Comunidade e da Alsepro. São poucas as pessoas que se empenham. Há um pré-conceito com relação à prisão. Há aqueles que dizem “bandido bom é bandido morto”, até cair o filho dele.
Aqui dentro é uma masmorra. Faltam muitas coisas. Para a sociedade, falta olhar o detento como outra pessoa. Temos casos de criminosos que não têm volta. Mas a grande maioria são pessoas desassistidas. Às vezes não é nem ressocializar, é socializar. São pessoas que ficaram à margem da sociedade sempre. Só conheceram a pobreza e o crime.
Filipe Faleiro: filipe@jornalahora.inf.br