“Mosaico de extorsão, corrupção, ilegalidades, ameaças de morte, em um engendro de ganância desmensurada”. Assim é descrita a organização criminosa investigada pela Operação Schmutzige Hände no despacho da expedição de prisões preventivas dos suspeitos Ricardo Brönstrup, Alexandre Peters, Gustavo Fregapani e Cassiano Krahl e o afastamento de Marcelo Brentano.
Assinado pela juíza da comarca de Teutônia, Patrícia Stelmar Netto, o documento teve o sigilo quebrado nesta semana. O material contém parte do processo investigatório do Ministério Público, com conteúdos de denúncias formais de servidores e empresários, além de interceptações de conversas telefônicas entre membros do governo.
O texto expõe detalhes de como operava o esquema propulsor de diversas ilicitudes no âmbito do Executivo, abrangendo secretários, funcionários, prestadores de serviços e empresas. Conchavos, falcatruas, desvios, propinas, fraudes em licitações, entre outras ilegalidades, são explicitados. Há indícios de envolvimento de integrantes do Legislativo de Teutônia e pessoas da administração de Westfália.
A juíza frisa que a “matriz” da organização estaria situada no prédio da prefeitura, “especialmente no gabinete do chefe do poder Executivo”, Jonatan Brönstrup, filho do ex-prefeito Ricardo Brönstrup, apontado como “chefe da organização”. As funções de cada um dos investigados dentro da “empreitada criminosa” é narrada no despacho que sustentou as prisões e o afastamento. Peters, Fregapani, Krahl e Brentano seriam “os tentáculos”, que exerceriam o “serviço sujo”.
“A corrupção desenfreada ocorre no quadrilátero da democracia de Teutônia, ou seja, no Centro Administrativo, onde o prédio da prefeitura é ladeado pelo Ministério Público, poder judiciário, Polícia Civil e Brigada Militar, o que demonstra um senso de impunidade sem precedentes”, relata a magistrada.
[bloco 1]
O cabeça
O despacho apresenta Ricardo Brönstrup como o líder do esquema. O documento resgata o histórico do ex-prefeito, que governou o município de 1997 a 2004, devendo mais de R$ 7 milhões ao município decorrentes de uma condenação por improbidade administrativa. Barrado pela Lei da Ficha Limpa quando tentou se candidatar novamente em 2012, teria colocado o filho a disputar o cargo para poder voltar à chefia do Executivo.
Conforme a análise feita pela juíza, Ricardo teria uma espécie de “expediente” no centro administrativo, usando a própria sala de Jonatan, “enfurnado na prefeitura, dando as cartas, negociando cargos e favores para parceiros políticos e comparsas”. Pelo conteúdo das interceptações telefônicas, ficaria claro que o ex-gestor “manda e desmanda na prefeitura de Teutônia”.
“Como pontuou o Ministério Público, nestas conversas interceptadas, resta claro que o investigado Ricardo J. B. Participa de todas as decisões da prefeitura, articula nos bastidores, chama pessoas para tomar café no gabinete do prefeito e, quando questionado, afirma que está como prefeito”, ressalta a decisão da magistrada.
Regra do jogo
Em 13 anos de ofício, a juíza declara no documento que nunca viu algo igual ou similar de corrupção dentro de uma administração municipal. “O que se percebeu, na evolução das investigações, em apenas dois meses, é que em qualquer contrato ou compra, os investigados dão um jeito de fazer uma falcatrua para obter vantagem, especialmente nas licitações na modalidade de inexigibilidade e dispensa”, afirma.
Entre as “falcatruas” articuladas, o documento menciona a alteração de um itinerário de ônibus escolar para contemplar pedido de um aliado político e o uso de veículos oficiais, aparelhos e máquinas da prefeitura em prol de interesses particulares. Manipulação de processos licitatórios, “ajustes fraudulentos” para obtenção de contratos públicos, desvios de recursos, pagamento e recebimento de propina integrariam o “quadro de corrupção sistêmica” que faria parte da rotina do ex-prefeito.
Em um dos trechos, é citada a tentativa de convencer um empresário a aumentar o preço de combustíveis fornecidos ao governo para o repasse de uma parte à organização. “A tentativa de corromper o empresário, no gabinete do chefe do Executivo, tendo o investigado Ricardo sentado na mesa do prefeito, revela que a prefeitura virou um balcão de negócios escusos, tendo uma empresa criminosa se formado de forma endêmica no seio da coisa pública”, sustenta a juíza.
Fraudes em licitações de creches, o pagamento de uma cirurgia no valor de R$ 4,5 mil para a mãe de Alexandre Peters, desvio de dinheiro na montagem de um presépio, negociação de cargos no Executivo em troca de apoio político também são mencionados.
Clique na imagem para ver em tamanho original
Ameaça de morte
As investigações conduzidas pelo Ministério Público começaram após o recebimento formal de denúncias na promotoria de Teutônia. Os depoimentos apontam para um cenário de medo devido a contantes ameaças de demissões e represálias, oriundas principalmente do ex-chefe de gabinete e ex-secretário de saúde, Alexandre Peters. Ele é descrito como o “articulador principal”, que atuaria de forma “torpe e perigosa”.
Entre os declarantes, está uma assessora jurídica do município. A servidora afirma que o “gargalo” da corrupção é o setor de licitações, ao qual foi designada a atuar depois de afirmar que seria a área em que menos tinha conhecimento. “Evidente que o investigado Ricardo queria um assessor jurídico menos afeito às regras da licitação para poder manipular a seu bel prazer.”
Quando assumiu a função, ao emitir pareceres contrários sobre contratos e licitações, teria sofrido consecutivas ameaças de morte de Peters. “Quando não proferia um parecer favorável, para legalizar o esquema de desvio de recurso público, era ameaçada por Alexandre (Peters) e coagida pelo chefe do setor jurídico, Dr. Gustavo (Fregapani)”.
“A assessora (…) afirma que foi ameaçada pelo investigado Alexandre. Da primeira vez, achou que era brincadeira, quando ele perguntou se teria que matar a declarante até o final do ano. Depois, vieram outras ameaças, inclusive de morte, de sumiço, de que não seria aprovada em estágio probatório”, relata a juíza. “Por várias vezes, o investigado Alexandre fez sinal que estava cortando a cabeça da declarante”, complementa.
Em várias denúncias citadas, o perfil truculento e ameaçador de Peters é descrito. “(…) Diversos servidores sofrem assédio moral, ofensas, xingamentos e se sentem amedrontados pelo comportamento de Alexandre (…). É extremamente grosseiro e ameaçador, que ele não quer saber se está certo ou errado, que impõe a sua ordem e sempre ameaça falando que ‘quem discordar dele vai pra rua’. (…) muitos servidores(…) se sentem acuados e desrespeitados pelo comportamento do secretário, mas que todos têm medo de represálias e, por isso, ninguém fala nada”.
“Isso demonstra o grau de periculosidade da empresa criminosa, e o medo instalado na prefeitura por parte de servidores e colaboradores, porquanto, como asseverado, para atingirem os seus objetivos, os investigados ou compram o silêncio ou ameaçam as pessoas, tudo no intuito de continuarem a praticar os desvios e falcatruas no seio da prefeitura municipal”, interpreta Patrícia.
Legislativo sob suspeita
Um diálogo suspeito foi grampeado entre Alexandre Peters e o presidente da câmara de vereadores, Juliano Körner (PSDB). “Há, inclusive, suspeitas de envolvimento e parceria dos investigados com a câmara de vereadores Sr. Juliano. Este fala em ‘parceria’, em apoio e acerto, e afirma ‘mesmo com Hélio na cola, eu sou forte, consigo despistar os caras, espero o mesmo dos meus amigos, né, cara (…)”
Palavra da defesa
Ricardo Brönstrup. O advogado do ex-prefeito, Tiago Ghellar Fürst, diz: “Não vou comentar sobre a decisão, pois a própria magistrada decretou o sigilo absoluto da investigação.” Sobre o suposto vazamento das informações, diz que buscará para que seja apurado quem fez a divulgação. “Para dar um exemplo, nem mesmo eu, como advogado do Ricardo, fui autorizado a pegar na mão o processo. Sempre que vamos ao cartório para tomar conhecimento das decisões, os servidores estão orientados pela magistrada para mostrar apenas cópias do processo. Quando queremos tirar cópia, temos de tirar a cópia da cópia. Tão alto é o grau de sigilo da investigação.”
O advogado Fürst afirma ter ficado surpreso pela notícia de que a decisão havia sido remetida pela magistrada à câmara de vereadores. Para ele, se trata de uma contradição, uma incoerência com a própria decisão da Justiça após ter decretado o sigilo.
Diz estar finalizando um pedido de suspeição e impedimento da magistrada para atuar nesse processo. “Sem entrar em questões subjetivas, não vamos discutir o mérito da capacidade da magistrada, da competência ou da má-intenção ou má-fé. Não é nada disso. Esse pedido é objetivo. É uma questão que está na lei. Pelo sigilo do processo, vamos entregar esse pedido para a própria juíza analisar.”
Caciano Krahl e Alexandre Peters.A advogada de Caciano Krahl e Alexandre Peters, Iris Tramontini, entende que a investigação foi baseada em provas indiciárias, que poderiam servir para uma investigação policial ou do Ministério Público, mas que não tinham o poder de criar um juízo prévio de culpa em relação a eles. “Não se está discutindo, neste momento, a culpa ou a inocência dos indiciados, mas sim que os mesmos possuem todos os requisitos que a lei determina para responderem ao processo em liberdade, até por que o que se observa hoje no cenário nacional são membros do poder Executivo investigados pelo Supremo Tribunal Federal e que continuam no exercício de suas funções.”
No caso dos indiciados, continua, foram inclusive exonerados dos cargos, não representando nenhum prejuízo para o andamento do inquérito. Ainda, em relação às provas que embasaram o decreto prisional, a defesa informou que as degravações das escutas, juntadas ao processo, muitas vezes tratavam de conversas particulares não relacionadas ao trabalho e que os depoimentos juntados, foram feitos de forma unilateral e nem submetidos ao crivo do contraditório. “Tais situações deverão ser esmiuçadas no decorrer do processo, quando ficará comprovada a inocência dos indiciados.”
Nessa sexta-feira, foi negado o pedido de extensão dos efeitos do habeas corpus concedido a Gustado Fregapani de Almeida. “Nesse passo, o procedimento legal que será adotado pela defesa em relação a liberdade será a interposição imediata de habeas Corpus junto ao Tribunal de Justiça do RS, pois os indiciados são cidadãos sem condenações anteriores, com endereço fixo e trabalho lícito, e que portanto, possuem todos os requisitos legais para responderem ao processo em liberdade”, escreveu a advogada por meio de nota.
Gustavo Fregapani. Conforme o advogado do ex-procurador jurídico do município, Ronaldo Eckärt, as alegações são fantasiosas, tanto que, afirma, o Ministério Público não havia solicitado a prisão preventiva de Fregapani. “Foi de forma arbitrária pelo juízo da 2ª Vara. Tanto que essa posição da defesa foi reconhecida pelo habeas corpus.”
De acordo com Eckert, o pedido era para o afastamento de Fregapani da função de procurador. “Não há nada demais. Tão logo foi solto, procuramos o Ministério Público. Estivemos com a promotoria ontem (quinta-feira) para fazer os esclarecimentos necessários.”
O advogado diz que a defesa ainda não teve acesso a integralidade do processo. “Nos colocamos a disposição da promotoria para prestar todos os esclarecimentos.” Conforme Eckert, o cliente está tranquilo. “Ele sabe que não cometeu nenhum ilícito. Fregapani é um advogado conhecedor das suas responsabilidades. Jamais colocaria sua carreira em risco. Sem sombra de dúvidas, não teve nenhuma participação em qualquer esquema.”
Marcelo Brentano. Em diversas tentativas, a reportagem buscou contato com o ex-secretário, mas não obteve êxito.
Alexandre Miorim: alexandre@jornalahora.inf.br