Sucessão para perpetuar os negócios familiares

Vale do Taquari

Sucessão para perpetuar os negócios familiares

Empresários Nelson e Aline Eggers, da Fruki, Vera e Isadora Riediger, da Free Turismo, e o consultor de Empresas e professor da Univates, Valmor Kappler, apontaram medidas para uma sucessão familiar saudável

Sucessão para perpetuar os negócios familiares

A sede do Sincovat recebeu a edição do mês de março do workshop Negócios em Pauta. Com o tema “Sucessão Familiar”, o painel teve como convidados os empresários Nelson e Aline Eggers, da Fruki, Vera e Isadora Riediger, da Free Turismo, e o consultor de Empresas e professor da Univates, Valmor Kappler.

Um dos mais bem-sucedidos empresários do RS, Eggers iniciou o painel contando sua história como empreendedor e os caminhos que levaram a liderar a companhia. Segundo ele, a sucessão familiar não era discutida nas gerações anteriores, e passou a se tornar uma preocupação na época em que foi presidente da Acil, no início dos anos 1980.

“Naquela época aconteceu um fato muito triste, minha mulher morreu e eu tinha três filhos pequenos. Me abriu os olhos, porque eu também era jovem e precisava pensar em como seria meu futuro”, lembra. Eggers pensou em um futuro casamento e como as coisas poderiam se tornar complicadas.

Por meio da hoje Federasul, ele foi apresentado ao professor João Bosco Lodi, de São Paulo, considerado o papa da sucessão nas empresas familiares. “Me deixou ensinamentos que eu guardo até hoje.”

Conforme Eggers, um dos fundamentos é educar os filhos para que eles sigam profissões liberais, independentes da empresa. Outro ponto, relata, é perceber que ser herdeiro dá direito de propriedade, mas nenhum familiar tem direito à administração da empresa.

“O melhor familiar é aquele que não precisa da empresa para viver, enquanto o familiar problema é o que não consegue viver fora da empresa”, aponta. Segundo ele, o ideal é que a empresa necessite daquele herdeiro, e não o contrário.

Outro ensinamento de Lodi aplicado por Eggers foi de deixar os filhos trabalharem fora da empresa para entenderem sobre hierarquia e outras questões importantes para o desempenho no trabalho. Ele também proporcionou aos filhos a oportunidade de estudar no exterior, apesar de nunca ter saído do país na época.

“Hoje é muito mais fácil, mas quando a Aline foi para os Estados Unidos, tinha que viver com US$ 200 por mês, porque eu não tinha tantas condições”, lembra. Atual diretora administrativa e de RH da Fruki, Aline Eggers ficou meio ano no exterior. Ao voltar, foi para Porto Alegre fazer faculdade de Administração na UFRGS.

Evento foi realizado na sede do Sincovat, em Lajeado, e reuniu 110 participantes

Evento foi realizado na sede do Sincovat, em Lajeado, e reuniu 110 participantes

“Quando estava na universidade, logo comecei a buscar estágios. No segundo, fui efetivada na Petróleo Ipiranga, onde trabalhei dez anos”, lembra. Segundo Aline, até então, o pai nunca havia comentado sobre a possibilidade de trabalhar na Fruki.

“Projetava seguir na Ipiranga, ser transferida para São Paulo ou para o Rio de Janeiro”, aponta. Quando estava a cerca de dez anos na Ipiranga, Aline foi convidada pelo pai para ingressar na empresa da família, durante um jantar de aniversário.

“A proposta era de gerenciar a primeira filial, um centro de distribuição em Porto Alegre”, relata. Aceito o convite, ela ficou mais dois meses na Ipiranga para fazer a transição e ficaria seis meses em Lajeado para conhecer a empresa.

Em Lajeado, Aline se envolveu com outras funções e participou do processo de implementação do PGQP. Nelson, então, decidiu mantê-la em Lajeado e chamar outra filha, Fabíola, para assumir o posto em Porto Alegre.

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De mãe para filha

Proprietária da Free Agência de Turismo, Vera Riediger falou sobre o processo que transformou os filhos em sócios da empresa. Segundo ela, a sucessão foi ocorrendo de forma natural porque os filhos sempre gostaram de estar por perto.

“Eu nunca tinha pensado em convidá-los para trabalhar comigo. Pensei que primeiro eles deveriam fazer uma faculdade ou ter uma experiência no exterior, mas as coisas foram acontecendo”, relata. Segundo Vera, o ingresso da filha Isadora no negócio foi precedido por muito diálogo.

“A sucessão é um grande desafio e é importante ter o apoio e uma assessoria de pessoas que entendem do assunto”, afirma. De acordo com Isadora, o processo de ingresso na empresa veio em um período de dúvidas quanto ao que fazer, aliado ao desejo de não ficar parada.

Painelistas ressaltaram a importância de ter regras jurídicas claras para evitar conflitos societários

Painelistas ressaltaram a importância de ter regras jurídicas claras para evitar conflitos societários

“No primeiro dia de trabalho, minha mãe deixou claro que dentro da agência seríamos Vera e Isadora, não mãe e filha”, lembra. Isadora ficou três anos no setor de vendas, antes de ir para o financeiro, onde trabalha faz sete anos.

Segundo ela, um dos pontos positivos da experiência foi conhecer um pouco de cada setor da empresa antes de escolher a área em que melhor se identificou. Conforme Isadora, nestes dez anos, houve períodos de dificuldade, que foram solucionados por meio do diálogo franco.

Para a jovem, ser filha da dona da empresa tem pontos positivos e negativos, e exige um cuidado maior para separar as situações do trabalho das familiares. Para Vera, os momentos de conflito são oportunidades para sentar, conversar e encontrar novas possibilidades para amadurecer e ter uma nova visão do trabalho.

Experiência 

Consultor de Empresas e professor da Univates, Valmor Kappler participou do processo de sucessão em diversas empresas familiares da região. Conforme o professor, o planejamento e a organização são fundamentais para assegurar que o negócio se perpetue, ou, caso acabe, que os sócios consigam salvar o patrimônio.

“Nunca ouvi falar em uma crise que tenha destruído uma empresa. O que acaba com uma empresa são as brigas de sócios”, ressalta. Segundo ele, é preciso sempre observar a diferença entre mandar e liderar, em especial no caso de filhos dos donos.

“Você pode ter nascido herdeiro daquele patrimônio, mas isso não te faz um gestor”, alerta. É frequente, afirma, a pessoa querer se impor por ser filho do dono do negócio e acabar fracassando enquanto líder.

Para Kappler, a falta de experiência externa é um dos fatores que contribuem para atitudes equivocadas. Para o professor, o ideal é que desde pequeno o herdeiro conviva com a empresa, mas passe por estágios em que precise cumprir ordem sem a segurança de um pai ou uma mãe como superior. Dessa forma, acredita, o filho aprende a receber ordens e ser avaliado, de forma a se tornar um profissional competente.

Outro ponto fundamental para que o processo de sucessão não tenha problemas é o cercamento dos instrumentos jurídicos. De acordo com Kappler, todas as sociedades deveriam pensar nessa questão para evitar conflitos societários.

Seguindo ele, é preciso estabelecer muito bem o tipo de contrato social, se desde logo serão criadas holdings, se haverá acionistas e como será composto todo esse aparato jurídico. “Isso evita que aconteça o pior, que é quando os interesses do sócio se sobrepõem aos da empresa.”

Outra dica de Kappler é não permitir que genros e noras façam parte da empresa. Conforme o professor, as regras que estabelecem o grau de parentesco permitido no negócio devem estar estruturadas por meio de cláusulas contratuais e estatutárias.

Perguntas e respostas para a palestrantes

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Lucas Bonfadini – A preparação para a sucessão pode ser realizada internamente na empresa ou a experiência externa é imperativa?

Kappler – A preparação externa não é uma camisa de força. Você também vive uma experiência interessante quando traz a experiência externa para dentro de casa. Um bom profissional que faça esse trabalho ajuda a trazer a vivência de fora para dentro de casa. Na minha opinião, tem a mesma validade. Sempre é melhor trabalhar fora, em outra cidade, como São Paulo, onde você não aprende apenas a trabalhar e cumprir meta, mas também a se virar em uma cidade como essa. Mas se não dá para sair e buscar essa vivência, que se traga essa vivência para dentro de casa.

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Ervino Scherer – Qual seria o rumo da Fruki se os filhos não tivessem aceitado trabalhar na empresa?

Eggers – Não saberia dizer. Quando chegamos em 2002, fazia oito anos que estava implementando o PGQP, programa de qualidade em gestão. Fiz a adesão em 1994 e a Aline chegou em 2002. Foram oito anos para começarmos a praticar a gestão de qualidade na prática, porque eu sozinho não conseguia. A Aline, trabalhando com a diretoria da Ipiranga, aprendeu muita coisa. Começamos a ganhar as medalhas do PGQP e hoje estou satisfeito com a gestão. Quando começamos um programa novo, estou na frente, a Aline junto, e mostramos para os profissionais que estamos apoiando para que dê certo. Então, acho que se ela e a Fabíola não participassem minha gestão estaria mal.

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Cesar Antoniazzi – Como a Fruki enxerga a sucessão para a geração que está por vir?

Aline – Em 2005 saiu uma entrevista com a revista Exame sobre a Gerdau e outras famílias sobre sucessão. Conversamos sobre a importância de preparar a governança corporativa e familiar na empresa. Em seguida, naquela semana, veio o convite para o lançamento de um livro de um consultor nessa área. Fomos ao evento e depois ele passou a trabalhar conosco. Desde aquela época, passamos a reunir todos os acionistas para definir um acordo de acionistas. Passamos por um Conselho Consultivo que depois se tornou Conselho de Administração. Esses órgãos de governança definem todas as regras dos acionistas. Esse é um assunto que nunca termina. Organizamos a empresa em holdings, então, para um problema familiar afetar a empresa é muito difícil. Por isso, a importância de estabelecer um Conselho de Sócios, um Conselho Administrativo e um Conselho Familiar. Quanto antes a empresa fizer isso, melhor. Para uma empresa seguir, desde o início, é preciso fazer um acordo de acionistas e nesse acordo decidir quem entra e quem não entra. Na Fruki, os cônjuges e primos não entram, assim como ninguém que eu teria constrangimento se precisar demitir. Nós definimos muitas coisas do acordo, inclusive coisas básicas. Por exemplo, ninguém pode levar produtos Fruki para casa sem pagar, nem levar cadeiras e mesas da empresa para um evento particular. Tudo isso está escrito no acordo. Outra coisa importante é que os sócios que trabalham na empresa, quando estão na fábrica, são funcionários, não sócios. No momento em que estão em uma assembleia, aí são sócios. Essa organização toda fortalecerá a estrutura do negócio e dará mais chance de ter uma vida longa.

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Adair Weiss – Em uma empresa de menor proporção, como não misturar o lado familiar com o profissional?

Vera – Acredito que isso não está relacionado ao tamanho da empresa, pois a essência é a mesma. Precisamos de regras de relacionamento dentro de casa para uma boa convivência familiar, dentro de uma empresa mais ainda. Nossa empresa é pequena, estamos em oito pessoas, e precisamos de regras de convivência muito bem explicadas para que dê certo. Tem que ter organização, metas, objetivos, planejamento como em qualquer empresa maior. Não é fácil, mas sempre digo que não sou insubstituível e que posso faltar a qualquer momento. Por isso, a importância de termos sempre pessoas ao nosso lado que são competentes e fazem bem o seu trabalho. Mas, mesmo sendo poucas pessoas, as dificuldades também existem e exigem muita conversa. Todos os dias aparecem ajustes a serem feitos e coisas para resolver

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Ito Lanius – Como se define a remuneração de salários e pró-labore?

Vera – Quando abrimos a agência, eu tinha uma sócia e passamos dois anos investindo, sem tirar pró-labore. Precisávamos primeiro capitalizar a empresa. Depois, nós mesmas decidimos como funcionaria. Deixávamos 50% dos valores para reinvestir e 50% dividíamos entre os sócios, mas só depois de dois anos. Em primeiro lugar, temos que pensar na saúde financeira da empresa. No caso de uma agência, se não fizermos isso, vamos quebrar, pois nós dependemos de tudo, da cotação do dólar, de pacote econômico, de conflitos e ataques terroristas, entre outras questões. Se não tivéssemos sempre uma reserva financeira, já teríamos fechado. O principal problema das empresas é não pensar em guardar dinheiro. Então, a retirada do pró-labore precisa de pés no chão.

Eggers – Já estou na empresa faz 58 anos. Cheguei com a empresa já com cinco sócios gerentes. Todos tinham salário e sempre houve um entendimento de quanto cada um vai ganhar. Nestes últimos anos, desde que somos SA, a assembleia que decide o quanto receberão os diretores. A nossa empresa nunca distribui dinheiro para os seus sócios no século passado, pois não sobrava, tudo era reinvestido e vivíamos de salário. A partir de 2010 e 2011, começamos a fazer regularmente a distribuição de lucro para os sócios, 25% para os acionistas e 75% é capitalizado pela empresa. Nossa empresa é pujante porque temos uma disciplina muito grande nesse sentido.

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Jorge Faccioni – Qual é o ensinamento para as empresas que não organizaram o acordo de acionistas?

Aline – Nunca é tarde para fazer os acordos e discutir o futuro, de preferência, com o auxílio de um consultor. Nessa consultoria, necessariamente, precisa ter uma pessoa com formação em Psicologia, não pode ter apenas advogados e contadores, pois as questões emocionais são mais complicadas do que criar as formalidades legais. A questão salarial também é importante. Se uma empresa cujo pai tem três filhos e coloca os três na empresa com o mesmo salário sem avaliar as diferentes competências, temos problemas. Dentro da empresa, eles não são filhos e, sim, profissionais e assim devem ser tratados. Nunca é tarde para solucionar isso, mas a família tem que sentar e conversar.

 

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