O condutor sem habilitação do veículo envolvido no atropelamento de Vinícius Rodrigues Abella, em setembro do ano passado, não foi considerado responsável pelo óbito na avaliação do Ministério Público (MP). A interpretação é do promotor Ederson Luciano Maia Vieira, que pediu o arquivamento do inquérito da Polícia Civil contra Robson Cristiano Primaz.
A investigação do MP demonstra que Primaz não assumiu o risco de matar a vítima. Segundo Vieira, o condutor trafegava dentro da velocidade permitida e não existem provas de que estaria embriagado no momento do acidente.
O comportamento da vítima, afirma o promotor, resultou na fatalidade. Baseou a interpretação em um conjunto de provas coletados pela perícia durante a investigação. Entre elas estão imagens de câmeras, diálogos em aplicativos de celulares da vítima de dois amigos que estavam com Abella e Primaz.
Velocidade compatível
O promotor também contraria a versão apontada por pessoas vinculadas a vítima e por parte da própria Polícia Civil (PC), de que o veículo estava em velocidade acima do limite permitido na via, de 50 km/h. Segundo ele, o laudo pericial é categórico ao apontar que Primaz conduzia o carro a uma velocidade entre 43 Km/h e 49 Km/h.
“De forma temerária e irresponsável, falou-se que o carro estava a mais de 80Km/h”, aponta. Na manhã após o acidente, o condutor do veículo admitiu que havia ingerido cerveja com amigos. Entretanto, ao analisar imagens de Primaz saindo da festa onde estava, o depoimento de uma mulher que o acompanhava e de policiais com os quais manteve contato, o promotor concluiu que o condutor não apresentava a capacidade psicomotora afetada para dirigir.
“Apesar de não ter carteira de habilitação e conduzir após ingerir álcool, fazia sem expor risco a segurança alheia”, alega. Desta forma, o promotor conclui que, se a condução de veículo se deu de acordo com as regras de trânsito, o fato é incapaz de gerar responsabilização criminal.
Comportamento de risco
Vieira diz que a vítima e os dois amigos consumiram grandes quantidades de bebida alcoólica no dia do acidente. A câmera de segurança da casa noturna onde eles estavam evidenciam as dificuldades motoras dos três. Um deles, inclusive, fica desacordado por seis minutos em frente à boate.
A quebra de sigilo de dados do aparelho celular dos envolvidos revela conversas do WhatsApp onde Vinícius combina a compra e a ingestão de vodka antes de festas. Vídeos da casa noturna confirma que os rapazes ingeriram bebidas também durante a festa.
Em depoimentos aos policiais, os dois rapazes que acompanhavam Abella afirmaram que não perceberam a aproximação do veículo conduzido por Primaz. “Por esses motivos, inegável que o grupo integrado pela vítima de forma imprudente, caminhava sobre a via sem preocupação quanto à segurança própria e viária.”
Para o promotor, esta conclusão fica ainda mais evidente nas imagens gravadas do fato. Segundo ele, o registro em vídeo mostra Abella caminhando pela rua sem parar mesmo após quase ser atingido por um primeiro veículo.
“Demonstra a indiferença quanto ao fluxo, quando lhe era exigível condições de avistar a aproximação do HB 20 transitando na via correta e em velocidade permitida”, ressalta. Conforme Vieira, a vítima não agiu conforme lhe era exigível devido a redução voluntária da precisão dos movimentos.
“São ações cujo resultado não deve ser imputado a outrem.” Para o promotor, Abella colocou-se em situação de risco ao descumprir o artigo 69 do Código de Trânsito (CTB), segundo o qual para cruzamento da pista deveria ter tomado as precauções de segurança, levando em conta, principalmente, a visibilidade, distância e velocidade dos veículos.
A vítima e os amigos também teriam descumprido o artigo 254 do CTB, que estabelece ser proibido ao pedestre permanecer ou andar nas pistas de rolamento, exceto para cruzá-las onde for permitido.
Fuga do local do acidente
Outro apontamento do inquérito refutado pelo MP é em relação a ausência de socorro da vítima por parte de Primaz. Na interpretação de Viera, o inquérito não levou em consideração que o indiciado se encontrava sozinho, que a colisão ocorreu no final da madrugada e em local ermo.
“Junto ao atingido havia dois elementos em condições de prestar e pedir socorro, cujas intenções eram desconhecidas”, aponta. Vieira afirma que o motorista pode ser enquadrado no artigo 305 do CTB, por não ter informado ocorrido para as autoridades policiais. Porém, ressalta que a constitucionalidade deste artigo é questionada na justiça.
O veículo conduzido por Primaz foi emprestado por um amigo, que responderá por entregar a direção à uma pessoa sem habilitação.
Entenda o caso
1. Vinícius Rodrigues da Silva Abella, 21, foi atropelado na avenida Senador Alberto Pasqualini, no bairro São Cristóvão, por volta das 5h15min do dia 7 de setembro de 2017, quando voltava de uma festa acompanhado de dois amigos.
2. O condutor do veículo, Robson Cristiano Primaz, 24, não tinha carteira de habilitação e não parou para prestar socorro à vítima. Em depoimento, ele admitiu ter consumido bebida alcoólica na mesma noite.
3. Primaz foi preso preventivamente no dia 11 de setembro. Dois dias depois, a prisão foi revogada.
4. No dia 16 de setembro, um grupo de amigos de Abella organizou uma manifestação no local onde aconteceu o atropelamento e estendeu uma faixa com pedidos de justiça.
Thiago Maurique: thiagomaurique@jornalahora.inf.br