Crueldade sólida em tempos líquidos

Opinião

Gilberto Soares

Gilberto Soares

Coluna aborda temas do cotidiano, política e economia. Escreve duas vezes por mês, sempre aos sábados.

Crueldade sólida em tempos líquidos

Por

Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

“O nada pode ser excepcionalmente tudo na internet.”
De O Sujeito da Frase, livro que escrevi e ainda não publiquei

Defino inconstâncias e incertezas atuais como elementos característicos de tempos líquidos – paráfrase de “Modernidade Líquida”, criada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Pois nada mais é sólido e feito para durar, inclua-se aí a amizade, o respeito e o relacionamento. Refleti ainda mais sobre esse conceito ao receber a tentativa de linchamento virtual contra a vereadora Marielle Franco, assassinada quase três semanas atrás. A mensagem chegou via WhatsApp. Eu a li e espantei-me. Impossível que tantos jornais respeitáveis desconhecessem o passado nebuloso alegado no texto. Enviei a “fake news” para o lixo e recomendei o mesmo para o emissor. Mesmo contida ali e, certamente, em milhares de outros lugares, a maledicência vicejou nas redes sociais. Pior: ganhou aval de um deputado federal e de uma desembargadora.

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POLÍTICO. Sectários da política lixam-se para símbolos da democracia. Movido apenas pelo ódio à comoção gerada pelo assassinato, Alberto Fraga, representante da “Bancada da Bala”, espalhou a falsidade sobre Marielle. Ante a iminência de um processo, recuou. Disse à TV Globo: “Errei ao não checar a veracidade dos fatos. O arrependimento, talvez é um ter colocado algo que eu não tenha checado, que não tenha uma informação. Por eu ser um policial, um coronel da polícia (do DF), eu deveria ter tido uma informação mais consistente, de uma fonte idônea”. Desculpa esfarrapada de quem ignorou deliberadamente o fato de as manifestações fixarem-se no atentado à instituição, e não à pessoa. Episódio gerador da reação de uma sociedade embretada pela eliminação de um símbolo dos princípios republicanos, paralisia do Estado e atrevimento do crime organizado.

Vingou a realidade à esquerda e à direita: balas zunem em nossas ruas e levam o melhor de cada um de nós.

AUTORIDADE. Marília Castro Neves é desembargadora do TJ do Rio de Janeiro, função pública regrada pela ponderação. Também revelou-se autoridade em difamação com esta crueldade no Facebook: “Apuro os ouvidos e ouço a pérola: o Brasil é o primeiro país a ter uma professora portadora da síndrome de Dawn!!! poxa, pensei, legal, são os programas de inclusão social… Aí me pergunto, o que será que essa professora ensina a quem???? Esperem um momento que fui ali me matar e já volto, tá?” Uma sordidez contra Débora Seabra, primeira brasileira vítima da síndrome a tornar-se professora.
PENSE. Professores são essenciais e, muitas vezes tratados como Débora Seabra, vilipendiada por uma de nossas incontáveis “otoridades”. Nesta segunda-feira, inicia-se uma história diferente na região. Pela manhã, no Centro Cultural Univates, o A Hora lança PENSE – Programa de Educação e Ensino. Em tempos líquidos, surge uma iniciativa para valorizar os mestres, com carinho.
“Fake news”: distribuição deliberada de desinformação nas mídias sociais.

“Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria.”
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês

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