Eu sou mulher. Ou eu sou homem. Mãe. Filha. Qual o seu gênero? Afinal, quem define isso? Se fosse só a morfologia do corpo humano, as respostas seriam tão simples que provavelmente não se precisaria de um dia que marcasse a luta feminina ao redor do mundo.
O que se sabe é que existe um universo inteiro de diferenças entre uma mulher e outra, mesmo que sejam parecidas. Como disse a filósofa francesa Simone de Bevoir, “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. As premissas que marcam a luta de cada uma sofrem interferência direta da sociedade em que vivem.
Minha profissão é ser mãe
Ser mãe é uma ocupação de tempo integral e todo mundo já sabe. Mas essas mulheres de quem contaremos as histórias são, de fato, mães profissionais. Eva da Chaga França, 52, Leoni Käfer, 55, Bianca Cristina Souza, 27, Maria Rosane de Abreu, 50, e Nardete de Fátima da Motta, 50.
Todas dedicam a rotina para tomar conta, educar e amar crianças acolhidas na Associação de Assistência à Infância e à Adolescência Lajeado, a Saidan. Cheias de ternura nos olhos, elas contaram o quão desafiador pode ser o dia a dia de uma mãe social.
Amparadas por uma regulamentação própria, as mães sociais são peça importante para o amparo de crianças e adolescentes que se encontram vulneráveis onde vivem. Um dos objetivos dessas mulheres é oferecer um ambiente seguro e acolhedor a esses jovens, com quem é feito um intenso trabalho para que, se possível, voltem à familia.
Acompanham e apoiam o desenvolvimento dos jovens para que se tornem adultos independentes e responsáveis. Estão presentes no dia a dia de cada um, levam para a escola, ao médico, ajudam no dever de casa, cuidam do lar, dão conselhos, escutam suas histórias. Mães profissinais.
Ao falar sobre os seus filhos, Leoni aborda a bagagem emocional que cada um traz consigo e conta que o processo de aproximação sempre é feito na base da confiança e do amor.
“No geral, esses jovens têm muita carência de segurança e afeto. Então, quando você dá isso de maneira sincera, eles se abrem e tornam a relação muito mais forte e próxima”, diz.
Conviver com as adversidades já enfrentadas pelos acolhidos mexe com o coração das mães, mas elas garantem que ser forte, ter pulso firme e um coração aberto vale muito a pena. “Quase todos os dias, algum deles me chama para conversar. Me conta sobre a vida e desabafa. Já teve vezes que tudo o que me restou fazer foi abraçar a criança e chorar junto com ela. Isso toca profundamente”, recorda Leoni.
[bloco 1]
Ao falar dos bebês, Eva diz que o sentimento materno fica ainda mais aflorado. “Nós recebemos neste ano um bebê com 20 dias de vida, por exemplo. E acompanhar essas crianças, dando segurança e muito amor acaba por nos beneficiar também. Eu recebo de volta todo o amor que dou”, se emociona.
Já Bianca cita sua ligação com os adolescentes. “Adoro estar com eles. A relação de confiança é muito grande e ao mesmo tempo que dou colo eu também recebo. O vínculo afetivo é grande. Se sabemos que alguém está doente pensamos muito na criança. Inclusive esses dias a Eva me ligou da folga dela perguntando sobre a saúde de uma delas. É um sentimento muito forte”, revela.
Os pequenos hábitos de família também são mantidos na entidade. “O beijo de bom-dia, o carinho na hora de dormir são muito importantes. Quando vou para casa no dia da minha folga, sempre tem um que diz um ‘Vai com Deus, tia’. E isso me deixa muito emocionada”, diz Leoni.
A mudança de cuidadoras para mães sociais têm levado à Saidan uma nova perspectiva de serviço social às crianças e adolescentes. O novo modelo implantado nos últimos oito meses na instituição trouxe mais humanidade a quem tanto precisa. “Nós amamos a nossa profissão”, finalizam as três.
Eu sou a Dandara
Manicure faz oito anos, Dandara Lima, 36, conta que sua formação como mulher foi muito especial e desafiadora. Cheia de histórias e experiências para contar, ela afirma que o orgulho em ser vista, lembrada e reconhecida como mulher é uma das principais alegrias em sua rotina.
Em meio às lágrimas emocionadas com a nova identidade social, Dandara relembra como foi a transição até transformar seu corpo e identidade de um homem para uma mulher. “Uma vez eu atendi uma cliente no meu salão e fiz piada sobre o meu gênero de transexual e ela rapidamente me chamou a atenção dizendo que me enxerga e reconhece como mulher e não como uma travesti. Esse episódio me emocionou a tal ponto que comecei a chorar. Minha luta tinha realmente valido a pena”, compartilha.
Feliz com o visual feminino, ela comenta sobre as divisões de gênero e sexualidade feitas pela sociedade. “Há uma necessidade tão grande de nomear e rotular as pessoas, mas eu vou te dizer que a nomenclatura não me importa. Assim como quem nasceu com órgãos genitais femininos é chamada de mulher, eu me intitulo como trans, uma mulher possível”, esclarece.
O orgulho de Dandara de ser transgênero foi tatuado em um dos dedos, na forma do símbolo que representa esse grupo. “Gosto de dizer a todo mundo que sou trans porque é uma forma de esclarecer que eu existo e ao mesmo tempo evitar certos constrangimentos por parte daqueles que ainda não têm a mente muito aberta”, diz.
Falar sobre transexualidade sem mencionar o preconceito é uma situação quase impossível, mas, apesar dos episódios de fetichismo por parte de alguns homens da região, ou até mesmo de discriminação de mulheres, Dandara quase não comenta as más experiências. “Chegar até aqui já foi uma vitória. São sete anos de tratamento hormonal e provação psicológica. Eu tenho muito orgulho das minhas conquistas e prefiro deixar de lado a falta de entendimento dos outros”, enfatiza.
O espírito acolhedor da mulher sempre a encantou. “Minha mãe me inspira muito. O acalento materno, a vaidade e o capricho fazem dessas características das mulheres uma inspiração para tornarmos a nossa sociedade mais compreensiva e menos julgadora. Cada um tem a sua verdade dentro de si e deve assumi-la”, diz.
O sonho de ser mãe também permeia os pensamentos da manicure. “Um dia desses, a minha mãe perguntou se eu lhe daria netos. Fiquei radiante. Claro, eu pretendo!”, se emociona. A nova identidade tornou Dandara mais feliz. “Hoje eu me olho no espelho e me identifico. Eu sou a Dandara”, finaliza.
Sou ativa, sou Teresinha
Cheia de disposição, a educadora física Teresinha Darde Pretto, 60, exclama: “Para mim, exercício físico é como comer e dormir. Uma necessidade”. Mãe, esposa, avó, atleta e personal trainer nas horas vagas, ela acredita que a mulher de hoje deve ser polivalente.
Engajada com a família na nova fase de ser avó, Teresinha ainda assim se dedica ao exercício físico treinando muay thai duas vezes na semana, caminhando todos os diascom o marido e acompanhando alunos nos treinos. “Trabalho com esporte desde os meus 20 anos e acredito que as pessoas deveriam enxergá-lo como uma ferramenta para a saúde e não apenas estética”, diz.
Com artrose nas mãos e um problema na lombar, Teresinha afirma que não pretende parar de se exercitar. “O movimento do corpo é uma terapia. Um momento só para ti que você usa para cuidar do corpo e desestressar a mente. Está sem vontade? Vai sem vontade mesmo”, insiste.
De acordo com ela, as desculpas são muitas na hora de escolher um exercício. “Tem gente que diz que é muito rápido, entendiante ou que o tempo não colabora. Eu sugiro que cada um teste aquilo que gosta e encontre na sua personalidade o esporte que mais combine consigo”, indica. Ser ativa faz parte de uma rotina agitada e cheia de amor de Teresinha. “Eu quero aproveitar a minha aposentadoria e curtir os meus netos, mas nada de ficar parada”, brinca.
[bloco 1]
Os planos futuros dela são muitos. Entre eles, a concretização de um projeto social em Lajeado que envolva as crianças, a educação e o esporte. “Sei que posso fazer muito mais pelas nossas crianças. Mesmo que tudo exija muita burocracia, pretendo começar um projeto de qualquer forma, pois tenho certeza que isso valerá a pena”, finaliza.