“As empresas  pequenas são as que mais têm  condições de inovar”

Entrevista

“As empresas pequenas são as que mais têm condições de inovar”

Empresária à frente de projetos de destaque nacional, Thais Reali se tornou referência nas tendências do mercado corporativo

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“As empresas  pequenas são as que mais têm  condições de inovar”

Personalidade à frente de uma das empresas de maior destaque em consultoria de comportamento e inovação, Thais Reali se dedicou desde o início da carreira a desvendar conceitos e tendências que hoje fazem parte do vocabulário do mundo corporativo.

Aos 16 anos, ingressou na primeira turma do curso de administração da UFRGS e logo passou a integrar estágios e trabalhos voluntários para aliar o aperfeiçoamento teórico e prático. Aos 25, criou a Reali Hub For Innovation, aspirando projetos capazes de modificar o mercado.

Hoje, aos 39 anos, acumula mais de duas décadas de experiência no setor. Em seu portfólio, estão trabalhos para empresas como Grendene, Hering, Grupo Brinox, AGCO do Brasil, Avon, Cyrela, Melnick Even, Nex Group e Bebidas Fruki.

Liderou o projeto que resultou na construção do primeiro prédio baseado em conceitos de economia compartilhada e co-habitação do país, para a incorporadora Wikihaus. O trabalho resultou no prêmio Top of Marketing ADVBRS 2016, na categoria Construção de Relacionamentos.

Professora na ESPM, na PUCRS e na Descola, escola de inovação online. Também é reconhecida por inovar na forma como conduz as atividades em sala de aula. Thais afirma manter forte relação com Lajeado, cidade onde nasceu.

Negócios em Pauta – Quais as influências que fizeram você escolher trabalhar com a gestão de empresas?

Thais Reali – Sempre admirei muito meu pai que, foi por anos executivo da SUR Elevadores, hoje Thyssen Krupp. Ele era um inquieto, um cara para quem o não de hoje representava o início de um sim amanhã. Sempre foi muito otimista e batalhou para ver a empresa crescer, por isso me espelhei nele. Fui para a faculdade muito cedo. Na época, fiquei em dúvida entre psicologia e publicidade. Acabei optando pela administração porque poderia escolher mais adiante no curso entre a especialidade de marketing ou RH. Passei na federal em administração em 1995, com 16 anos.

Você nasceu em Lajeado mas sempre morou em Porto Alegre. Qual a sua relação com o Vale do Taquari?

Thais – Meu pai e minha mãe se conheceram em Lajeado. Uma família é originária de São Gabriel e a outra de Bento Gonçalves. Mas as duas acabaram em Lajeado, que foi onde eu nasci. Na época, meus pais moravam em Porto Alegre e minha mãe fez questão que eu nascesse em Lajeado, no Hospital Bruno Born. Sempre passei minhas férias de inverno e verão no Vale do Taquari. A família Reali seguiu em Lajeado.

Você começou a trabalhar muito jovem e iniciou a própria empresa com apenas 25 anos. Como o período de faculdade influenciou nessa trajetória?

Thais – Sempre fui muito certinha, estudiosa e ao mesmo tempo inquieta na faculdade. Então, logo entrei na empresa júnior, que é uma empresa formada por estudantes para prestar serviços de consultoria e pesquisa de mercado. No segundo semestre comecei a trabalhar como consultora, depois assumi a diretora e conselho da empresa júnior. Era um trabalho voluntário, onde tive oportunidade de aprender na prática, e nos primeiros semestres, coisas que meus colegas aprenderam no fim da faculdade. O nosso trabalho na PS Júnior foi destaque, pois duplicamos o faturamento e criamos novos métodos de trabalho. Na época, acabamos saindo na contracapa do caderno Empregos, da Zero Hora.

Que outras experiências profissionais você buscou ainda na universidade?

Thais – Ainda na faculdade, eu permaneci como conselheira na empresa júnior, mas passei a buscar outros estágios. Primeiro trabalhei na Guerdau, na área de pregos e produtos agropecuários. Tinha o sonho de trabalhar no prédio da Ipiranga, que era o prédio mais tecnológico de Porto Alegre na época. Então, consegui uma oportunidade na área de relacionamento com os postos de gasolina, em uma central de atendimentos. Também morei na Inglaterra, onde estudei inglês e em Madrid onde fiz estágio na ThyssenKrupp. Depois conquistei nova vaga na Gerdau, dessa vez como trainee na área de Estratégia. Fui efetivada na empresa no ano 2000, quando me formei. Fiquei mais um tempo até receber uma proposta para o Grupo RBS, para atuar na área de pesquisa de mercado.

Porque trocar de emprego após conseguir uma posição em uma das empresas mais respeitadas do Estado? De que forma esse nova oportunidade contribuiu para a sua formação como empreendedora?

Thaís – Na época todo mundo me desaconselhou a sair, ainda mais que estava ingressando um negócio novo da RBS. Achei que valia a pena porque a RBS criou um braço para trabalhar com marketing de relacionamento. A empresa tinha produtos segmentados e produtos de massa, e passara a atuar no marketing direto. Seria interessante conhecer. Foram dois anos muito importantes onde trabalhei e me dediquei muito, me aprofundando nessa área de pesquisa de comportamento. Fui crescendo, trabalhando em projetos nacionais e acabei em São Paulo, pela RBS. Depois, ainda em São Paulo, trabalhei um ano como consultora em estratégia na Symnetics.

Porque a decisão de sair do principal centro econômico do país e como a decisão de voltar para Porto Alegre culminou na abertura da Reali?

Thais – Na época eu não estava muito feliz em São Paulo e decidi voltar. Recém havia conhecido meu namorado, hoje marido, e ele estava em Porto Alegre. Quando voltei, comecei a fazer trabalhos de freelancer de pesquisa de mercado para a RBS. Logo começaram a surgir clientes e acabei criando a Reali Marketing, que depois virou Reali Hub For Innovation. Eu tinha 25 anos, em uma época em que fomos treinados para sair da faculdade como executivos, e era uma guria ambiciosa, que não queria ser pequena. Sempre tive vontade de poder criar projetos de impacto não apenas para empresas, mas também para o mercado, que mudassem a forma de consumir a partir desse produto ou serviço.

Hoje, a Reali se tornou destaque nacional devido aos projetos em inovação. Como a empresa alcançou esse reconhecimento? 

Thais – Uma boa parte da trajetória da empresa foi pautada na realização de análise e pesquisa de mercado. Mas, no início entregávamos as pesquisas e percebíamos que as empresas engavetavam, não aproveitavam a informação de qualidade que haviam contratado. Inquieta, comecei a qualificar os relatórios e a trabalhar em uma entrega diferenciada. Em um dos casos, usamos uma história em quadrinhos para que as pessoas pudessem entender mais fácil o que tentávamos explicar. Criamos infográfico e outros formatos mais visuais e fáceis de ser entendidos. Também estabelecemos métodos mais profundos, de etnografia, para ficar um tempo maior de imersão com o consumidor.

Como são realizadas essas imersões?

Thais – Vou dar o exemplo de um trabalho que fizemos para a empresa de alimentos Orquídea. Passamos um dia nas casas de consumidores acompanhando suas rotinas: supermercado, preparo e realização das refeições. A intenção foi desvendar o dia a dia daquela consumidora e a relação com a família para conseguir chegar ao insight base para o direcionamento de caminhos para a marca. Precisávamos mergulhar além da informação inicial e superficial, então fomos estabelecendo métodos para identificar as diferenças entre fala e ação. Mas só isso ainda era pouco perto do impacto que queremos gerar. Então, começamos a incentivar o envolvimento das pessoas das empresas que nos contratavam no campo e no processo de construção dos insights.

[bloco 1]

Como a cultura da colaboração se insere nesse cenário?

Thais – Fiz um curso chamado “A Arte de Anfitriar Conversas Significativas” que mudou muito minha forma de pensar. Foi ai que comecei a trabalhar com a colaboração. A partir disso, comecei a colocar a participação da equipe do cliente no meio das minhas metodologias. Porque eles tem um conhecimento e um olhar tão importante quanto o conhecimento de mercado que eu levo para a empresa. Então a Reali faz esse trabalho de entender o que o cliente já conhece previamente e a somar a visão do cliente dentro do campo de pesquisa de mercado. São visões diferentes que somadas aumentam a capacidade de entregar resultado ao objetivo traçado. Dessa forma, entramos de vez na área da inovação, misturando a pesquisa de mercado com projetos inovadores.

Para a empresária, a gestão moderna aponta para valores como a colaboração e a transparência

Para a empresária, a gestão moderna aponta para valores como a colaboração e a transparência

Como uma empresa pode avaliar a eficiência de um serviço de consultoria externa?

Thais – Importante estabelecer uma relação de eterno namoro, não de um casamento, de uma rotina. É preciso também estabelecer uma proposta muito bem alinhada, detalhada e com objetivos claros em todas as etapas. Quanto mais clareza e entendimento entre as partes, mais fácil de realizar o trabalho. Muitas vezes as empresas acreditam que o consultor vai chegar e fazer milagres sozinho, mas ele também precisa do apoio de uma pessoa dentro que seja responsável pelo projeto e possa fazer a interlocução. Às vezes é necessário uma equipe disponível para realizar junto esse processo. Acredito que um trabalho eficiente precisa ser construído em conjunto, e isso demanda horas da equipe e dos diretores da empresa.

O mercado de gestão e inovação é bastante visado pela chamada “geração millenial”. De que forma esse jovem precisa se qualificar para esse mercado?

Thais – O jovem de hoje é diferente da Thais jovem e do meu pai jovem. A tecnologia para o milenial é algo totalmente dominada. Esse mundo em que você está aqui, amanhã pega um avião e vai pra Europa, para os EUA, é muito mais natural para esse jovem. Mas vejo que ele precisa de prática. Sinto que o jovem idealiza algo, mas algumas vezes não se dá conta que tem um trabalho importante para ser feito, tem que estar disponível e se entregar. De qualquer forma, Mas tem muita gente boa, com vontade de trabalhar e apreender.

[bloco 2]

As empresas também enfrentam um problema de rotatividade com esses jovens. Porque isso ocorre?

Thais – Ele roda muito porque quer diferentes experiências e porque não está sabe pelas dificuldades e maturar em uma empresa. Agora, com o mercado mais difícil, está mudando. Por outro lado, as empresas precisam entender o perfil desse jovem. É preciso buscar novas fórmulas para segurar talentos. Uma delas é estar aberto a transformar a voz das pessoas em inovação. Por mais que não não tenham tanta vivencia prática, são abertos colaborar, pois entendem mais a lógica do compartilhamento, do efêmero e do digital. Temos que criar espaços para ouvir essas pessoas. As empresas precisam pensar em como acolher esse novo perfil e, por outro lado, o jovem precisa se preparar para vivenciar relações mais duradouras de trabalho.

Como a forma de pensar dessa nova geração interfere na forma de fazer negócios. Como a cooperação se insere nesse cenário?

Thais – Tenho estudado um fenômeno muito interessante nesse sentido, sobre o futuro do trabalho e o conceito de microworkers. É a concepção de que cada pessoa é uma marca, independente de trabalhar para empresa ou ter o seu próprio negócio. Nesse sentido, não se enxerga mais os outros como concorrentes, e sim pessoas da mesma área que podem somar competências para executar trabalhos para um mesmo cliente. Uma premissa básica é que essas relações estejam pautadas pela confiança, mas acredito cada vez mais na colaboração e em juntar as habilidades corretas para cada projeto. Eu integro projetos com outras empresas de consultoria e convido pessoas de outras firmas para projetos da minha empresa. Acredito cada vez mais em uma grande rede de colaboração, onde as pessoas boas, com valores e propostas claras, vão se conectando em um grupo de trabalho cuja soma de habilidades resulta na geração de resultados ao cliente e ao mercado.

Quando se fala em inovação em negócios, a transparência aparece como um valor importante. Como ela se insere em um contexto de forte concorrência?

Thais – Esse é um novo jeito de pensar e algumas empresas, especialmente industrias, tem dificuldades nesse sentido. Cada vez mais acredito que a competência está mais ligada aos valores do que aos métodos. Se a empresa divulga seu case e o concorrente tentar fazer igual, será com pessoas diferentes e terá resultados diferentes. E quanto mais aberta a empresa for, mais ela fomenta o aprimoramento contínuo. Ao mesmo tempo, se com esta postura estão estimulando o mercado, mais ele vai se modificando e criando espaço continuo para inovação, de forma que a transparência não se torna problema. Claro que, quando falamos em cooperação e co-criação, o lado jurídico e burocrático que deve ser muito bem amarrado. Torna-se importante as empresas se resguardarem. Ao mesmo tempo, cada vez mais as empresas de código aberto estão obtendo sucesso.

Thais apresentou na Acil trabalho vencedor do prêmio ADVBRS

Thais apresentou na Acil trabalho vencedor do prêmio ADVBRS

A Reali se tornou referência nacional em projetos inovadores, obtendo grande destaque ao participar da criação do primeiro projeto de co-habitação do país. Em quais outras iniciativas a empresa conseguiu romper com os padrões estabelecidos de negócios?

Thais – O case da Wikihaus foi o de maior repercussão, justamente por reinventar um mercado tradicional como o da construção civil. Um projeto importante, que posso detalhar, foi na área da educação, com o colégio Farroupilha de Porto Alegre. Eles queriam usar o espaço que fica ocioso à noite e aos fins de semana e também qualificar seus professores no novo modelo de educação. Passamos a pesquisar a possibilidade de abrir uma escola para educadores, em um processo que teve participação de profissionais da rede pública e privada, das mais diversas faixas de ensino. Trocamos a pesquisa tradicional qualitativa por um  evento com workshop envolvendo 140 professores. Neste, novos conceitos de educação foram abordados. Com base na troca e na informação gerada, foi criada a Escola de Professores Inquietos, que deu certo e tem ajudado a transformar o conceito de educação no nosso estado há mais de 2 anos.

[bloco 3]

Quando mercados tradicionais como da educação e construção civil partem para conceitos de inovação e cocriação, é uma tendência definitiva? Como aplicar esses conceitos também nas pequenas empresas?

Thais – Esta nova cultura veio para ficar. O mercado mais tradicional e conservador precisa enxergar resultados nos outros mercados antes de fazer sua aposta. Hoje, as empresas sentem que precisam fazer algo diferente. Há poucos anos, o mercado crescia muito, era mais fácil não perceber a necessidade de mudança. No momento que o mercado fica complicado, a pessoa precisa acertar onde investir seu capital. Neste sentido, as empresas pequenas são as que mais tem condições de inovar, apesar delas acharem que não. Porque é onde se tem mais flexibilidade e pode-se criar uma cultura de inovação de um jeito mais rápido e fácil do que numa empresa grande com suas hierarquias rígidas.

Como alcançar o sucesso profissional em um mundo corporativo cada vez mais exigente e manter o equilíbrio pessoal e familiar?

Thais – Por muito tempo eu não fui exemplo de equilíbrio, porque me entrego ao que faço e dou tudo de mim para o trabalho. Mas é fundamental tentar equilibrar, fazer um exercício físico e ficar um pouco com a família. Meus pais e meu marido sempre me puxaram para não trabalhar tanto, em especial nos fins de semana. Então, fui me estruturando para ser mais produtiva dentro dos limites que tenho. Tem uma coisa que vem com a maturidade, que é a consciência pessoal. No inicio de uma carreira você faz muitas coisas sem se questionar. Hoje, a ginástica e o pilates fazem parte da minha vida, assim como viajar e ficar com a família de noite e nos fins de semana. Não existe uma formula, mas eu fui lendo meu corpo. Estou aprendendo muita coisa nesse momento que virei mãe

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