Teutônia – “Tão forte quanto a separação é o reencontro.” Com estas palavras, o pesquisador Lothar Schaefer, 83, resumiu um trabalho de quase 30 anos. As mais de mil páginas da árvore genealógica feita por ele ganharão outras mais depois da ida à Alemanha.
O reencontro da família separada na imigração ocorre na região de Hunsrück, sudoeste do país germânico, neste fim de semana. Nove pessoas deixaram o solo brasileiro nessa terça-feira. Em Teutônia, parte do grupo foi a Porto Alegre, onde estava o restante dos familiares. Um cineasta da capital foi contratado para fazer um documentário desta história.
Esta é a segunda vez que o aposentado Hilário Schaefer, 70, vai à Alemanha. A última foi há 30 anos. “Quando fui da outra vez ainda tinha o muro em Berlim”. Também embarcaram as filhas Edith Janeth e Vivian Christini. Por lá, pretende mostrar alguns números de mágica. Os truques que faz em aniversários são um hobby que pensa em compartilhar no solo germânico, com a família.
Na cidade de Mengerschied, a outra família deu entrevista para imprensa local e a notícia se espalhou pela região. Separados a quatro gerações, voltam a se ver depois de 160 anos. Desta vez com festividade e fartura. A ideia é organizar um encontro também no Brasil.
Documentário inspirado em filme
A inspiração vem do filme Die andere Heimat, que participará do Festival do Rio (24 de setembro a 8 de outubro no Rio de Janeiro). A Outra Pátria, de Edgar Reitz, conta as tramas de uma vida difícil, onde havia pouca comida e trabalho, e muitos estavam em dúvida para abandonar a terra natal.
O documentário que será feito será acompanhado pelo genro Paulo Ricardo Wolf. Aficionado para descobrir as origens, fez um filme sobre esta imigração. A possibilidade de presenciar esse encontro emociona. “Meu filho terá esta ligação direta com seu passado. O que tem por trás destas datas? São histórias ricas em detalhes que não podemos perder.”
Wolf foi junto para testemunhar o encontro. Havia tentado o mesmo com a própria família. Mas naquela vez, a ida à Alemanha trouxe poucos resultados históricos. “Temos indícios que ligam nossa família, mas faltam dados e principalmente contato com familiares”. O vídeo documentário será lançado em breve. Virá para fortalecer uma pesquisa levantada ao mesmo tempo nos dois lados do Atlântico.
Coincidências familiares
Se de um lado Lothar dedicou 30 anos em busca de esclarecimentos, do outro, Hilde fazia o mesmo. Na cidade de Mengerschied, tem um livro que conta a história da imigração desde 1784. A forma como muitos habitantes deixaram a cidade e se espalharam pela Inglaterra, EUA, África do Sul e Brasil está escrita nos detalhes. Inclusive a dificuldade enfrentada para voltar a falar com familiares que vieram para o continente americano.
Quem ficou do outro lado do oceano, ou mesmo foi morar com os norte-americanos, voltou a se comunicar. Aos que colonizaram o Brasil, restaram as lembranças. Perderam completamente o contato. A partida era de lágrimas. Sabiam estar se vendo pela última vez e a despedida de pais e filhos, irmãos e amigos era um feito emocionante.
Hilde descobriu que dos 50 vindos da pequena cidade dois vieram ao Brasil e um era Schaefer. Tratava-se do irmão de seu bisavô, que deixou o país em 1854.
Conforme Lothar, pesquisador da família teutoniense, esse momento de separação era feito com a melhor roupa. Ao chegar, logo procuraram exercer a profissão como sapateiros, alfaiates, missionários, professores. Christoph Schaefer veio como costureiro, mas logo assumiu como pastor e professor. Este era, segundo consta, um sonho de infância que não pode realizar no país de origem.
Lothar reuniu mais de mil páginas em uma pesquisa genealógica que parou no bisavô Christoph Schaefer. Naquela época, a Europa estava tomada pela fome e pobreza, motivos decisivos para que o bisavô viesse ao Brasil.
O histórico compilado em um calhamaço de folhas de ofício nem fora numerado. Sugere, porém, mais de mil folhas. Trata-se de registros de nascimento e óbitos, enfim, documentos enumerados. “Talvez o mais precioso documento vou conseguir na Alemanha. Com a foto do meu bisavô, quero colocar uma cópia da carta escrita por ele.”
Carta salvou-os do esquecimento
O mais rico material histórico que comprove a ligação entre as famílias seja a carta escrita pelo pastor Christoph Schaefer. Ela foi a única prova que permaneceu intacta, mesmo tendo atravessado o Atlântico. Quando foi embora, ele não conseguiu mais contato com a família. Inexistia um sistema de correios no Brasil. O primeiro selo conhecido como Olho de Boi foi impresso por determinação do governo imperial só em 1843. Além disto, não havia endereço fixo para os imigrantes. A família que ficou, sabia apenas que o jovem havia partido para o sul da América.
Nessa carta, Christoph, que virou pastor, descreveu a sua missão, incompreendida na Europa. Conta sobre os desígnios de Deus e sobre a caridade em esclarecer a Bíblia aos incultos. Da pequena cidade de Mengerschied, que hoje tem cerca de 700 habitantes, 50 pessoas emigraram para várias regiões da Europa e América em cem anos.
Em tom profético, consta na carta os detalhes de como estava a vida no Brasil, na Comunidade Gabriel. Trata-se da reprodução de um discurso dele como pastor. Em determinado trecho cita: “O que, querida comunidade, devo anunciar a vocês depois que me tornei pastor? Será que me torno um falso que faz do preto o branco e do branco o preto? Vosso amor foi grande comigo. Isto me dá coragem e confiança, de plantar hoje a bandeira do crucificado neste lugar sagrado{…}”
Jornal alemão destaca o encontro
No fim do mês de maio, uma reportagem no jornal Lokales, periódico da cidade alemã de Mengerschied, divulgou a história do encontro inusitado. “Zufall brachte Hunsrücker und Brasilianer zusammen”. Em uma tradução simples a frase significa: “Coincidência que reuniu os Hunsrücker e os brasileiros”. A região de Hunsrück ficou conhecida naquele país porque dela milhares partiram rumo ao Brasil.
A matéria dá conta do breve encontro ocorrido no Rio Grande do Sul. Hilde Wittig estava em Igrejinha, procurando por descendentes do irmão do bisavô. Ela chegou até o pesquisador da família, Lothar Schafer. Após o rápido encontro, continuaram a se comunicar por telefone e redes sociais.
Quando voltou à Alemanha, Hilde contatou Erni Engelmann, especialista na história dos Hunsrück, e ficou sabendo mais sobre a vida de Christoph Schaefer, que virou pastor Schubert no Brasil.