Mulheres divididas entre o trabalho e os filhos

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Mulheres divididas entre o trabalho e os filhos

Conquista de espaço no mercado de trabalho requer versatilidade e adaptação das mães

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Vale do Taquari – Pela casa, sapatinhos espalhados, a máquina de lavar cheia de roupas infantis. Os brinquedos espalhados pelos cômodos. Nos corredores, a mulher junta, tenta arrumar e coloca as vestes para secar. Tudo isso, poucos minutos depois de sair do trabalho. Em casa, a terceira jornada começa.

Ser mãe no contexto atual depende de uma seleção de prioridades e de planejamento da rotina. Atender os filhos é como “correr uma maratona por dia.”

2Uma das preocupações das mulheres é como ficará a vida profissional após virarem mães. Algumas optam pela redução da carga horária, ou mantêm o trabalho de forma integral, se dividindo entre as tarefas, ou mesmo decidem se dedicar só à família.

Qualquer escolha, seja ficar com os filhos ou dividir a atenção com o trabalho, envolve renúncia, acredita a psicóloga e professora da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) Roselaine Berenice Ferreira da Silva.

A atitude de conciliar diversos afazeres, diz Roselaine, trata de um fenômeno histórico já incutido, mesmo que de forma inconsciente, na conduta feminina. Para ela, a mulher deve evitar assumir todas as responsabilidades sozinha, como uma maneira de demonstrar que só ela consegue resolver as situações do dia a dia. “Ser mãe é estar presente no universo familiar, mas não ser o centro.”

Para ela, o segredo está em dividir as tarefas. “É nisso que está a beleza de tudo. Homens e mulheres trabalhando juntos em casa. Ouso dizer que a mulher que procura atender a tudo e, com isso, se tornar uma super mulher, acaba por adoecer.”

Também psicóloga, a doutora em educação e professora da Univates, Suzana Feldens Schwertner, constata que as crianças desde cedo percebem essa multitarefa desempenhada pelas mães. A opinião dela se assemelha à de Roselaine sobre a divisão das tarefas. “A mulher contemporânea precisa aprender a hora certa de compartilhar tarefas.”

Para Suzana, os pais devem guardar momentos para atenção incondicional aos filhos. Desligar celular, computador, televisão. “Dedicar um tempo para entrar no jogo das crianças, brincar, ler histórias, desenhar, ou mesmo ficar quietinha ao lado dos filhos. Largar a função de ‘mulher-polvo’.”

Mudança histórica

Ao longo dos anos, o papel social da mulher se expandiu junto com os desafios da vida moderna, ressalta a psicóloga especialista em Gestão de Pessoas, Denise Andréia de Carvalho Cyrne. A partir disso, cada uma elege prioridades e adota um jeito próprio e coerente para a realidade pessoal, familiar e profissional, frisa.

Em pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos, a economista Sylvia Hewlett verificou de que 1,2 mil mulheres em cargos de chefia, mais da metade não tinha filhos. Na opinião de Denise, esse estudo demonstra um quadro atual das mulheres de classe média. Cada vez mais elas optam por adiar a maternidade, por questões de cunho profissional, econômico e/ou cultural.

De acordo com a psicóloga, as prioridades se concentram na realização profissional, em ter uma formação acadêmica, uma profissão e uma carreira consolidada.

A interferência no trabalho

Para Denise, a escolha por ser mãe interfere. “Novas prioridades se estabelecem e é preciso escolher algumas em detrimento s outras.” No campo profissional, relata, algumas rotinas precisam de uma readequação, em especial durante os primeiros anos do bebê.

A psicóloga reforça o princípio de que todas as escolhas têm ônus e bônus. “Penso que definir o que se caracteriza em um ou outro novamente dependerá do contexto e do momento da vida de cada mãe.”

Caso a escolha seja ficar casa, em uma rotina determinada pelas atividades domésticas e no cuidado dos filhos, traga prazer e satisfação, a decisão de sair do trabalho não tem tanta representatividade à família, diz.

Por outro lado, se essa condição é imposta, argumenta Denise, o sentimento pode não ser tão prazeroso assim. “Hoje, diferente do passado quando a maternidade era uma obrigação social, algumas, o ser mulher-mãe e/ou mulher-profissional, pode ser uma opção.”

Para a psicóloga e professora da Unisc, Roselaine, as mudanças na rotina depois da maternidade podem atrasar os projetos profissionais, mas não os inviabilizam. Na opinião dela, essa função requer dedicação constante. No futuro, a medida que o filho cresce, a mãe deve proporcionar mais autonomia.

Dividir o trabalho e cuidar de trigêmeos

Professora e advogada, Sandra, 38, e o marido Fabrício Ely, 37, se desdobram para atender João Pedro, Ana Carolina e Carlos Eduardo, 4. Durante a semana, acordam às 6h para arrumar os filhos. Levam as crianças para a escola e vão para o trabalho.

Quando encerra as atividades, às 17h30min, é hora de buscar os trigêmeos. Ao chegar em casa, os afazeres começam com o banho nos pequenos. Enquanto isso, o marido prepara o jantar. “Depois disso, a gente brinca.”

Quando teve os filhos, Sandra tentou manter a jornada de trabalho como estava antes. “Estava sobrecarregada. Tive de alterar.” Para ela, os trigêmeos vieram para mostrar que era capaz de cuidar dos filhos, criá-los, impor limites e educá-los.

O Dia das Mães na casa da família sempre é alegre. Agora que as crianças estão mais crescidas e já são capazes de expressar sentimentos, esse dia fica cada vez mais especial. Para Sandra, a maior dádiva que pode ganhar nesse dia é o abraço logo cedo e as declarações no decorrer do dia. “Na verdade, ser mãe já é um presente”.

Com os filhos em horário integral

A lajeadense Ivani Kober, 55, deixou o trabalho de comerciária para criar os dois filhos Bruna, 22, e Guilherme, 23. Trabalhou durante 12 anos, e se casou aos 28. Quando completou 30 anos, teve seu primeiro filho.

O marido era o provedor e trabalhava em turno integral. Se algum problema acontecesse aos filhos, Ivani era quem os socorria. Além disso, cuidava da casa e ficava encarregada de fazer o pagamento das contas.

Conta que seu sonho sempre foi ser mãe. Por conta de problemas de saúde, decidiu deixar o emprego para não comprometer a gravidez. O processo foi simples e gradual. Primeiro decidiu parar de trabalhar apenas durante a gravidez.

Em seguida, engravidou de seu segundo filho, e foi quando decidiu ficar apenas em casa. Na época não tinham muitas creches. Também pesou a cultura da família. “Nossa educação repassava conceitos de que as mulheres deveriam ficar em casa para cuidar dos filhos, assim como minha mãe e minhã avó.”

Também começou a faculdade, mas parou depois que casou. “Naquela época era uma coisa para homens”, conta. Para Ivani, estar presente ou precisar trabalhar não interfere na função de cuidar das crianças. “Mas é necessário deixar um pouco do trabalho para se dedicar aos filhos.”

Mais qualidade de vida no interior

Natural de Rosário do Sul, a médica Fabiana, 43, deixou Porto Alegre para dar mais atenção à família. Quando engravidou de Mariana, replanejou a carreira. O ritmo de trabalho na capital era estafante.

Durante nove anos, se dividia no atendimento em duas clínicas durante o dia e fazia plantões periódicos nas segundas, quartas e fins de semana. “Se continuasse assim, eu não teria tempo para minha filha. Então optei por vir para o interior.”

Um colega de faculdade a alertou sobre uma vaga aberta em Estrela, e foi quando resolveu se mudar. A filha já tinha três anos e meio quando vieram para o Vale do Taquari. Depois de dois anos, conheceu o atual marido, Werne Hartmann. Decidiram ter mais um filho e nasceu o Matheus, 4. Os outros dois, Manoela, 3, e Gabriel, sete meses, não foram planejados.

O trabalho na casa começa às 6h da manhã. Acorda, se arruma e dá de mamar ao mais novo. Depois de tomar café, lava as crianças e em torno de 7h45min saem de casa. Os menores ficam na creche e Fabiana vai para Santa Clara do Sul. Werne também é servidor público, mas em Estrela.

Quando voltam depois das aulas e do trabalho, por volta das 18h30min, fazem um pequeno lanche. “É a hora que dá fome”, diz. Esse também é o momento da conversa, onde os pais se inteiram da rotina das crianças. Momento para dar atenção e educar.

Das 20h às 21h, dá banho nos filhos, mamadeira e os coloca para dormir. Durante as tarefas, Hartmann ajuda. Depois disso, o tempo é para o casal. Procuram manter o hábito de conversar e contar sobre o dia.

Certas coisas o casal teve de abrir mão. Como não têm nenhum parente próximo para cuidar das crianças, as saídas do casal foram extintas. “Jantar romântico em família não dá”, brinca Fabiana. Apesar de ser uma rotina pesada, as recompensas são os sorrisos e as palavras carinhosas vindas dos filhos. “Compensa qualquer esforço. Ver eles felizes, brincando e sorrindo é nossa maior recompensa.”

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