Vale do TaquariA temperatura alcançou 40,6ºC em Lajeado ontem, a maior em uma década. O registro foi do Centro de Informações Hidrometeorológicas (CIH) da Univates. No Estado, o calorão seguiu batendo recordes. Atingiu 44ºC na estação meteorológica de Taquara. Nesta semana, Porto Alegre teve a maior máxima em 56 anos.
Conforme a MetSul Meteorologia, ontem, a massa de ar quente que cobre o Estado provocou novas altas nos termômetros, superando 40ºC, como o registrado na região. As altas temperatura devem permanecer por todo o mês até a primeira quinzena de março. As frentes frias encontram bloqueio devido à pressão atmosférica e não avançam sobre o Estado.
O diretor da instituição, Eugênio Hackbart, aposta em poucas chuvas no período. Segundo ele, há uma “bolha” gigante de ar quente sobre o Estado. Um quadro incomum, pois desvia as correntes de vento para o oceano Atlântico. Sem frente fria, não surgem condições para chuvas, mantendo o calor.
Para hoje, a tendência é a mesma. Clima quente e abafado. No Vale podem acontecer chuvas esparsas e os termômetros permanecem beirando os 40°C.
Sem estoques no comércio
Ventiladores e condicionadores de ar estão na lista dos itens mais procurados nas lojas. Em alguns estabelecimentos, não há mais produtos no estoque desde a metade de janeiro. Como é o caso da loja onde trabalha Maria Helena Dick Zanatta.
Gerente de um estabelecimento no centro, conta que todos os dias aparecem pessoas procurando splites. “Não temos nem previsão de quando vão chegar mais produtos.” De acordo com ela, em comparação com o ano passado, houve um aumento considerável na venda dos itens. “Não temos tabulados, mas ampliamos o estoque e já vendemos tudo.”
Gerente de uma loja no centro de Lajeado, Jaqueline Sangalli, atesta a grande procura pelos itens. Na rede em que atua, houve uma remessa ampla de condicionadores de ar. Ontem, haviam três ainda para venda. “Nas últimas semanas, foram mais de 70 produtos vendidos.”
Segundo ela, como há falta no mercado, os clientes aceitam aquele que estiver disponível. “Chegam com uma ideia de marca, potência e de consumo de energia, mas no fim levam o que tiver”, relata.
Para a instalação dos aparelhos, outra dificuldade. Prestadores de serviço chegam a marcar o trabalho para até 20 dias depois da compra do aparelho.
Outro item que lidera a busca dos consumidores são as piscinas plásticas. Jacira Vergutz e o filho Ismael procuravam uma dessas na tarde de ontem. Na quarta tentativa encontraram uma. Menor do que queriam. Na casa, conta ela, o split de 9 mil BPUs não dá mais conta. “Fica ligado o dia inteiro e ainda assim passamos calor.”
Parte alta do Vale sem luz
Durante 2 horas e 40minutos, Roca Sales, Encantado, Muçum e Nova Bréscia ficaram sem energia elétrica. Segundo a concessionária AES Sul, o motivo se deve a problemas na linha de transmissão de Lajeado 1 – Encantado. Cerca de 20 mil clientes foram atingidos.
O defeito provocou o desligamento das subestações Roca Sales e Encantado às 14h01min. O incidente aconteceu devido à dilatação de um cabo da linha, provocada pelo calor. Em nota, a empresa afirmou que isso não tem relação com sobrecarga do sistema, pois a linha operava com 80% da capacidade.
Proprietário de um sorveteria, Aldemir Baldissera, de Encantado, deixou de produzir mais de dez mil picolés e pelo menos seis mil litros de sorvete. Neste ano, é a segunda vez que a falta de luz prejudica a produção. Na primeira, cita poucos prejuízos, por ser no fim de semana. “A gente nunca sabe o que fazer quando isso acontece.”
Mais de 20 mil frangos mortos
A falta de energia provocou perdas em aviários de Roca Sales. Na localidade de Fazenda Lohlmann, na propriedade de Arno Kautzmann, mais de 15 mil frangos morreram em decorrência do calor. O total corresponde a mais de 50% do lote.
Os animais estavam com 45 dias. No domingo, o lote seria entregue à empresa fazer o abate. O cenário entristeceu a família. “Triste em ter de enterrar dinheiro”, lamenta a mulher de Kautzmann, Edel.
A família trabalha com aviários há 25 anos. Segundo ela, nunca havia acontecido algo assim. Para tentar salvar os frangos, ligaram mangueiras na água como forma de refrescar o aviário.
Outras propriedades rurais também tiveram o mesmo problema. Conforme o secretário de Agricultura, Evaristo Bronca, há 80 produtores de frango no município. Ele contabiliza perdas médias de 30% da produção em Roca Sales.
O agricultor Volnei Magedanz voltava da Delegacia de Polícia onde havia registrado a morte de 1.050 frangos devido a falta de luz no fim de semana. Quando chegou em casa, mais animais estavam agonizando. Ontem, contou mais duas mil perdas do lote. “Agora vou ter de voltar na polícia para registrar outra vez.”
As seguidas quedas no abastecimento de energia elétrica causa insatisfação na comunidade regional. Na terça-feira, líderes sindicais da região se reuniram em Barros Cassal. Eles formularam uma carta de repúdio à AES Sul. Os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) do Vale do Taquari e Serra, exigem mais qualidade no fornecimento de energia.
O documento será enviado à empresa, também para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e governo do Estado.
Riscos de apagão
Os reservatórios das hidroelétricas abaixo no normal, aliados ao aumento no consumo de energia, prejudicam o abastecimento. O corte dessa terça-feira, atingindo 14 estados, pode ser resultado dessa combinação.
As causas só serão conhecidas na próxima semana. O fato reacende a discussão sobre a matriz energética do país. Hoje, as hidroelétricas correspondem a cerca de 65% da energia. Com a demanda crescente, e um gasto de água por pessoa superando cem litros por dia, os recursos hídricos, em especial do centro do país, enfrentam dificuldade para se normalizarem.
Em entrevista para o canal GloboNews na terça-feira, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Edmilson Moutinho dos Santos defendeu o uso de gás natural para os sistemas térmicos. Em 2002 ele lançou um livro sobre o tema.
Na publicação, compara o nível de eficiência do uso do gás. Como exemplo, cita o banho. Com o uso de chuveiro elétrico, necessitaria de 1,5 Kwh térmicos para gerar energia. Usando o gás para produzir a energia, a eficiência passaria de 35% para 84%. Isso também ocasionaria menos gastos na conta de luz.
No Estado, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Cdes-RS) se reúne na próxima terça-feira, em Pelotas, para debater a qualidade do fornecimento de energia elétrica. Em várias regiões, foram constatados problemas, como: baixa tensão (gerando dificuldades de ligar equipamentos e eletrodomésticos), queimas de equipamentos, prejuízos ao setor primário.