Vale tem mais de 4,8 mil pessoas na fila por cirurgias

SAÚDE

Vale tem mais de 4,8 mil pessoas na fila por cirurgias

Maioria dos procedimentos eletivos são para oftalmologia. RS é o segundo no país com mais pacientes em espera

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Atualizado terça-feira,
16 de Maio de 2023 às 13:40

Vale tem mais de 4,8 mil pessoas na fila por cirurgias
Centro Oftalmológico de Encantado foi a única instituição de saúde da região que se credenciou no Programa Nacional de Redução das Filas. Nesta especialidade, são mais de 2 mil pessoas na espera. Crédito: Matheus Laste
Vale do Taquari
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O medo de ficar cega acompanha a diarista Salete Ferreira faz pelo menos nove meses. Diagnosticada com um buraco macular, causado pela toxoplasmose, ela perdeu a visão do olho esquerdo e o direito começa a ser atingido.

Enquanto isso, aguarda ser chamada pelo governo do Estado para a vitrectomia, procedimento que pode corrigir o trauma. As dores são fortes e recorrentes. “Não posso mais dirigir, o sol me incomoda, queima meus olhos. Tenho fortes dores na cabeça e sangramento no nariz devido a pressão no olho”.

As primeiras consultas ocorreram no posto de saúde do bairro Campestre, em Lajeado. Exames para constatar o dano foram feitos em Encantado. “Não tem o que fazer por mim. Me deram até um laudos dizendo que a cirurgia que eu preciso é só em Porto Alegre”, conta.

Toda a semana, Salete procura a Secretaria de Saúde do Estado em busca de novidades, sem sucesso. “O doutor do posto me disse que me colocou no sistema como prioridade máxima”, comenta. Frente a gravidade, pretende recorrer à Justiça.

A aposentada e agricultora de Estrela, Rosane Fiegbaum, 70, precisa fazer uma cirurgia de catarata. “Já faz mais de dois anos que estou na espera. Enxergo mal, principalmente de noite. Não posso mais dirigir, não consigo ler. É uma situação muito ruim”. Tem consulta com o especialista marcada para 1º de julho. “Espero que já saia de lá com a data à cirurgia”.

As duas pacientes estão na lista das mais de 4,8 mil pessoas que aguardam por cirurgias na região. Devido ao represamento neste tipo de atendimento, foi anunciado em janeiro o Programa Nacional de Redução de Filas.

O Rio Grande do Sul encaminhou a documentação e está credenciado para receber os recursos. Serão cerca de R$ 33 milhões para ajudar no custeio dos procedimentos. A única instituição do Vale que se inscreveu foi o Centro Regional de Oftalmologia de Encantado.

Maior demanda

A oftalmologia tem a maior fila entre todas as especialidades na região. Com 2.045 procedimentos, representa 42,3% das cirurgias cadastradas pela 16ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS). Procedimentos de pequena e média complexidade tem como referência o Hospital Beneficente Santa Terezinha (HBST), de Encantado.

Na casa de saúde funciona o Centro Regional de Oftalmologia, responsável por atender 37 municípios da região. Pelo contrato, a unidade deve fazer 1.326 consultas, 5.626 exames e 101 cirurgias oftalmológicas por mês.

O centro é gerenciado pelo Consórcio Intermunicipal de Saúde (Consisa). De acordo com o secretário-executivo da instituição, Nilton Rolante, nos últimos três anos houve um aumento considerável de pacientes em espera.

Na análise dele, a situação é grave, em especial para o procedimento de correção da catarata. Para zerar a lista, seriam necessários no mínimo cinco anos, estima. “Pelo contrato, podemos fazer 48 cirurgias de catarata por mês. Ao mesmo tempo, há uma demanda crescente médio de 50 a 60 novos atendimentos.”

Custeio insuficiente

Cada cirurgia de catarata custa cerca de R$ 1,3 mil. A tabela SUS repassa R$ 771. O restante depende de reforço do governo do Estado, por meio do Cirurgia+. Por vezes, são feitos mutirões a partir de convênios com os próprios municípios.

Segundo o diretor-administrativo do Centro Regional, Amarildo Dallago, seria possível fazer até 120 cirurgias de catarata por mês. “Nosso desejo é garantir mais atendimento. Não queremos ver pacientes perdendo a visão, tendo dificuldades. No entanto, é preciso haver uma fonte garantida de custeio, para pelo menos empatar as despesas.”

A inscrição no programa nacional vai garantir o repasse de R$ 47 mil. Pelo convênio, seria 221 procedimentos cirúrgicos. “Ainda não temos os detalhes, se for para catarata, não será suficiente para fazer todas.”

Sem previsão

A busca por consulta no posto de saúde foi a primeira atitude do motorista Felipe José Zvirtes, de Lajeado, quando começou a sentir dores na virilha. A avaliação de um clínico geral veio com a solicitação de uma tomografia. Em agosto de 2022, foi constatada uma hérnia inguinal.

O passo seguinte seria uma consulta com um especialista. O encaminhamento deveria ter sido feito pelo clínico e demoraria cerca de seis meses para ser efetivado. Mas nada disso ocorreu até agora.

O motorista Felipe Zvirtes espera análise de um especialista para conseguir autorização e fazer a cirurgia de hérnia. Crédito: Filipe Faleiro

“Na semana passada fui no posto para ver porque ainda não tinha sido chamado para consulta e descobri que o encaminhamento ainda nem foi feito”, conta Zvirtes. Foi informado que a espera deve se prolongar por mais meio ano.

Só depois disso poderá ser marcada a cirurgia. “Enquanto isso, sinto dores e inchaço na região. Isso não para. Pelo menos no meu trabalho não preciso fazer força”. Ainda assim, relata que movimentos repetitivos com as pernas intensificam a sensação de desconforto.

Em termos de consulta com especialistas, um levantamento preliminar feito em fevereiro apontava pelo menos 10 mil pessoas na lista de espera na região. Só em Lajeado, seriam cerca de 8 mil pacientes na fila por avaliação médica antes da cirurgia.

Conforme a Secretaria de Saúde de Lajeado, em março, mês de referência, foram feitas 113 cirurgias pelo SUS e mais 40 cirurgias pelo mutirão custeado com verbas próprias.

O agendamento dos procedimentos ocorre via SUS, pelo sistema Gercon. O processo tem primeiro a consulta no hospital de referência, depois com o especialista, que vai decidir se o caso é de cirurgia ou não. Caso precise de intervenção, o profissional solicita os exames pré-operatório e programa a cirurgia conforme necessidade do paciente e disponibilidade do hospital.

Quadro no RS

Conforme dados do Ministério da Saúde, há 108.066 cirurgias eletivas represadas no RS. Para reduzir esses números, o governo federal lançou em janeiro o Programa Nacional de Redução de Filas.

Entre 19 estados cadastrados, o RS é o segundo com maior demanda. Representa 15,8% do total de 679.688 (confira o gráfico). A medida prevê um incremento no repasse de verbas. Além da tabela SUS, a União encaminha aos entes federados recursos de custeio de cirurgias, transferidos de forma regular pela Saúde.

Conforme a diretora do Departamento de Gestão e Atenção Especializada, da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Lisiane Fagundes, o RS receberá R$ 32,2 milhões de verbas federais para a redução das filas por cirurgia. A adesão iniciou em fevereiro e 334 instituições credenciadas pelo SUS encaminharam o termo.


ENTREVISTA – Fernando da Gama • presidente do Sindicato dos Hospitais Filantrópicos do Vale do Taquari

“Se dependêssemos só do SUS, seria muito difícil”

A Hora – Quais as condições dos hospitais da região em relação às cirurgias eletivas?

Fernando da Gama – Alguns hospitais da região aderiram ao programa estadual chamado “Assistir” e também o “Cirurgia+”. Com isso, as cirurgias eletivas estão em andamento e funcionando, pois o Executivo gaúcho paga um valor adicional, que somado a tabela SUS, evita prejuízo. Se dependêssemos só do SUS, seria muito difícil. Os hospitais não podem se comprometer com todas essas cirurgias, recebendo menos da metade do custo.

– Como a defasagem da tabela SUS interfere sobre os atendimentos?

Gama – Estamos atualizando essas informações. Neste mês, as casas de saúde estão reavaliando esse cenário, fazendo um trabalho para contabilizar o impacto financeiro. No levantamento mais recente, tínhamos uma situação em que o SUS pagava cerca de 40% do custo de uma cirurgia. Então, o estado e até os municípios fazem complementações para garantir os procedimentos.

– Entre as especialidades, qual é a maior dificuldade?

Gama – A oftalmologia é um problema sério. Existem mais de 80 mil cirurgias de catarata represadas no estado. As instituições que realizam essas cirurgias são poucas, o que agrava a situação. No entanto, as outras especialidades estão avançando, embora não na velocidade necessária.

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