História e sabor nos antigos casarões

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História e sabor nos antigos casarões

Por meio da restauração, edificações do século XIX e início do século XX permanecem abertas à comunidade, agora como restaurantes e espaços para eventos, sem perder as suas características originais

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História e sabor nos antigos casarões
A Porsche Haus está sendo restaurada em Imigrante, e abrirá para eventos a partir de abril. FOTOS: DIVULGAÇÃO
Vale do Taquari
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Os barqueiros que vinham ao Vale pelo Rio Taquari encontravam em antigos casarões, hospedarias, ou casas de comércio para descarregar as mercadorias. No final do século XIX e início do século XX, eram essas edificações construídas em pedra de areia ou barro, que serviam como ponto de referência das cidades, e também convidavam a comunidade para bailes nos grandes salões. Com mais de 100 anos de história, muitos desses prédios ainda estão de pé e, por meio de restaurantes ou espaços para eventos, voltam a abrir suas portas.

Um dos mais antigos é o Casarão 1894, em Teutônia, que abriga uma história de gerações. A edificação foi construída por João Gerhardt, com o dinheiro que ganhou em uma loteria federal. Em 1940, Carlos Paaschen comprou o imóvel, que permanece na família até hoje. Um dos proprietários é Gilmar Titton, ao lado dos cunhados.

Ele conta que o casarão feito de tijolos e barro foi local de moradia por muitos anos, até se tornar uma loja de departamentos chamada, na época, de “secos e molhados”. Mais tarde, abrigou um correio e uma cervejaria, até voltar a ser ocupada como residência.

Na época, Seu Osvaldo, sogro de Gilmar, morou na casa, onde também mantinha uma marcenaria no porão, para reformar antiguidades. Depois de sua morte, o antigo casarão ficou abandonado por 8 anos, até surgir a ideia de manter a história do prédio, mas uni-la à modernidade, em um espaço próprio para eventos, aberto desde 2018.

“Mantivemos toda a estrutura, a fachada antiga. Apenas trocamos o piso e o forro que era de madeira, modificamos o porão. Mas o que deu, mantivemos igual”, destaca Gilmar.

Hotel, boteco e bolão

Quem passava por Colinas, há mais de 90 anos, ouviu falar do Hotel Corbellini. A casa foi construída por Antônio Corbellini em 1930 e, além de hospedaria, era o ponto de encontro mais famoso da então comunidade de Corvo, na época, distrito de Estrela. No local, Corbellini engarrafava vinho e mantinha um boteco, uma cancha de bocha e uma pista de bolão, conhecido hoje como boliche.

Os viajantes chegavam pelo rio e subiam até o hotel, onde pernoitavam. Às vezes, o movimento era tanto, que os hóspedes ocupavam também o sótão. Nas madrugadas, a esposa de Corbellini, Otília Brentano, cozinhava para os peregrinos. A casa funcionou como hospedaria até os anos 1960. Depois, diferentes locatários assumiram o prédio que ficou conhecido como o “antigo bolão”.

Em 2001, a família Gattermann comprou a estrutura, mas foi só em 2017 que a histórica casa passou a receber um novo empreendimento. Chamado, hoje, de Casamare, o espaço abriga um café e bistrô repleto de histórias. Administrada por Adriana Kerber, o espaço ainda guarda as peças originais do bolão, móveis e utensílios antigos.

Casa Celeste carrega homenagem ao falecido Celeste Kunrath, um dos sócios do antigo Salão Kunrath, em Arroio do Meio. Crédito: Divulgação

Salão Kunrath

Já no interior de Arroio do Meio, o antigo Salão Kunrath sediou festas de casamento, bailes de Kerb e eventos da comunidade de Forqueta. Quem conhece bem o lugar é Régis Kunrath. Quando criança, a família morava em uma casa nos fundos do salão.

O pai de Régis, Celeste Kunrath, era um dos sócios do espaço. No início, por volta dos anos 1950, o salão era de madeira. Mais tarde, foi construída uma base de tijolos. Em 1988, o salão encerrou as atividades e o prédio abrigou empresas calçadistas e de metalurgia.

Foi só em 2017 que o espaço voltou às origens, quando iniciaram as reformas da Casa Celeste. O nome é uma homenagem ao falecido Celeste, conta o neto, Rafael Kunrath, filho de Régis. A logo da casa de festas também é inspirado na assinatura do avô.

Hoje, Adriana administra um café e bistrô no local. A casa em Colinas, original dos anos 1930, ainda estampa as iniciais de seu fundador, “AC”, de Antônio Corbellini.

Retrofit em alta

Essa técnica arquitetônica de restauro de edificações antigas se chama “retrofit”, e tem como objetivo modernizar espaços, corrigir problemas de infraestrutura e tornar o prédio mais seguro, sem retirar seus elementos históricos. O estilo passou a ser mais comum a partir do anos 2000 e, até hoje, é uma tendência que une história e negócios.

Em Imigrante, um casarão construído por imigrantes alemães em 1901 passa pelo processo e deve abrir para eventos em abril. A edificação foi projetada por Robert Franken e a esposa Ema, tataravós de Rafael Porsche, atual proprietário, e servia como salão de bailes.

“Naquela época, não existia energia elétrica e todas as ferramentas utilizadas na obra eram manuais”, destaca Rafael. A antiga Casa Porsche foi feita de pedra de areia, carregada em carretas de bois. As madeiras utilizadas para o telhado eram cortadas à mão e os antigos moradores receberam a ajuda dos vizinhos para a construção.

Ao longo dos anos, a casa recebeu ampliações e também foi utilizada como moradia e bar. Depois de passar por gerações mais novas da família, o prédio foi ocupado pelo tio de Rafael até 2006, quando vendeu o imóvel. “Em 2018, apareceu a oportunidade de comprá-lo de volta e eu comprei”, conta o proprietário. Na restauração, toda a história do prédio de 122 anos foi mantida e, agora, volta a exercer a função original do casarão.

Em Teutônia, o Casarão 1894 já serviu de residência, abrigou um correio e uma cervejaria

Memória viva

Restaurador de igrejas na empresa Buganti Pinturas e Restaurações, Genesir Buganti, 59, diz que o primeiro desafio na hora de resgatar uma edificação antiga é convencer as pessoas que vale a pena o investimento, e que cada detalhe deve ser preservada para que a história permaneça viva no patrimônio.

Por isso, também destaca a importância de um projeto arquitetônico que preserve os traços das edificações. “Priorizo materiais que encaixem com a época e estilo da construção. Mas também procuro deixar a obra atrativa aos olhos de quem passa pelo lugar”, destaca.

Buganti ressalta ainda que a cada restauro, a comunidade ou família envolvida recupera a história da edificação e mantém viva a memória de quem passou pelo lugar.

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