Do diagnóstico ao acompanhamento: a rotina de famílias  de crianças autistas

Abril Azul

Do diagnóstico ao acompanhamento: a rotina de famílias de crianças autistas

No Mês da Conscientização sobre o Autismo, A Hora relata casos de duas servidoras de Lajeado que buscaram na Justiça a redução da carga horária para acompanhar de perto desenvolvimento dos filhos. Em meio a avanços, município prepara lei semelhante às existentes no RS e no país

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Atualizado sexta-feira,
15 de Abril de 2022 às 13:38

Do diagnóstico ao acompanhamento: a rotina de famílias  de crianças autistas
Hoje, Patrícia tem poucas horas do dia dedicadas de forma integral ao filho. Com redução, poderá reestrururar rotina do filho

As primeiras desconfianças de que o pequeno Arthur (hoje com 3 anos) era autista surgiram meses depois de completar o primeiro ano de vida. A mãe, Patrícia Drescher, chamava o filho pelo nome, mas ele não respondia. De início, achou que fosse algum problema de audição. Mas, após consultas com profissionais, veio a confirmação do transtorno.

O rápido diagnóstico, somado à busca imediata por terapia e serviços especializados, auxiliaram no desenvolvimento de Arthur. Contudo, a rotina desestruturada preocupava Patrícia. Por isso, ela e outras três mães de crianças autistas, todas servidoras municipais em Lajeado, buscaram na Justiça a redução da carga horária de trabalho sem afetar a remuneração, para dedicar mais tempo aos filhos.

Lajeado ainda possui legislação específica para o tema, enquanto municípios próximos, como Arroio do Meio, Estrela e Taquari, regulamentaram a redução das jornadas. Estas leis foram inspiradas em matérias de nível federal e estadual, que garantem este direito aos servidores públicos.

Discussões como esta são recentes, segundo o advogado Daniel Fontana. E geralmente ocorrem primeiro a nível nacional, depois nos estados e, por fim, desce para o município. “A criança autista precisa muito de atenção, de ter a presença de um familiar o acompanhando. Nosso embasamento para a ação foi que o município não apresenta uma legislação e ele só pode fazer o que está na lei”, comenta.

A liminar favorável à Patrícia foi concedida semana passada pelo juiz Rodrigo de Azevedo Bortoli. “O prejuízo na demora é evidenciado pela necessidade de garantia do desenvolvimento adequado do infante, o que é promovido mediante engajamento da família (…) Caso permaneça sem assistência materna nesse período de desenvolvimento, pode vir a ter prejuízos irrecuperáveis”, cita o despacho.

Estrutura familiar

Conforme Patrícia, toda a estrutura familiar é fundamental para o desenvolvimento de Arthur. Por isso, ela sempre o acompanha nas terapias para verificar o andamento. Com a redução, terá ainda mais tempo para reorganizar a rotina do filho.

“Hoje o dia é muito corrido para nós, pois ele passa as manhãs em terapia. As vezes chegamos em casa ao meio dia e eu começo a trabalhar 12h30min. Mal consigo dar um almoço decente a ele. É uma rotina desestruturada, e uma criança autista precisa de rotina estruturada”, comenta.

O fato de residir e trabalhar no mesmo bairro onde Arthur frequenta a creche, no Olarias, ajuda no melhor acompanhamento. O auxílio do marido, Jaime Erthal, e do filho mais velho William também são fundamentais. “Fomos à Justiça em busca de um direito correto. Não estamos infringindo nada, pois ainda nem tem lei”.

Carmen e o filho Nathan: monitora tem hoje as manhãs livres para acompanhar o menino de 8 anos

“Foi a única saída”

Monitora de educação infantil, Carmen Lúcia Santos Vargas é mãe de Nathan, 8. O diagnóstico de autismo do filho veio quando ele tinha pouco mais de 2 anos. Desde então, precisou adequar sua rotina para acompanhar o desenvolvimento dele. Mas precisava de mais tempo. Cansada de esperar por um retorno do município, entrou na Justiça para obter a redução da jornada de trabalho.

A liminar, favorável a Carmen, saiu esta semana, e estabelece redução de 20% da carga horária Hoje, ela cumpre 30 horas semanais em uma creche no bairro Conventos. “Protocolamos o pedido em janeiro, já que ainda não existe lei. Mas não tivemos retorno. Então a opção foi entrar na Justiça”, lembra.

Carmen diz que Nathan teve um bom desenvolvimento graças ao diagnóstico precoce. Mas algumas questões relacionadas ao autismo começam a aparecer. “Ele é extremamente comportamental, e nessa fase de escola a gente percebe muita coisa. Exige uma maior interação social”.

Carmen tem as manhãs livres para ficar com o filho e o acompanhar nas terapias e aulas de violão, e trabalha à tarde. Agora, terá duas horas a mais por dia para auxiliar Nathan. “A logística de levar e deixar na escola é difícil, as vezes pedimos para vizinhos. E complica se um dia dá errado”.

“Porto seguro da família”

Nos últimos anos, surgiram organizações não-governamentais (ONGs) na região, que buscam unir pais de crianças autistas e amigos. Uma delas é a Azul Como o Céu. Fundada em 2019, atende cerca de 60 famílias em Lajeado. Segundo a presidente Ana Emília Carminatti Messer, o trabalho principal da ONG é orientar as famílias e potencializar o tempo da criança.

“A estimulação tem que ser precoce. O quanto antes qualquer sinal de autismo for detectado, mais rápido é o desenvolvimento dela”, explica. A criação da ONG, lembra Ana Emília, ocorreu também porque muitos pais não sabiam a quem recorrer. Com isso, ela dá um suporte a essas famílias, com encaminhamento a um profissional habilitado.

“A associação é um porto seguro da família. E é sempre importante lembrar que a criança, em primeiro lugar, é da família. Enquanto mãe, preciso me responsabilizar pelo meu filho e buscar conhecimento. Muitos ainda pensam que atendimento 45 minutos por semana vai funcionar. Isso não existe”.

No começo do mês, município de Lajeado inaugurou espaço no Centro para atendimento a pessoas com transtornos de neurodesenvolvimento

Avanços

Ao mesmo tempo em que servidoras conquistam a redução na Justiça, ações do Poder Executivo de Lajeado garantem avanços no atendimento às crianças autistas. A criação da Casa Verde – Centro Municipal de Atendimento dos Transtornos do Neurodesenvolvimento – é um exemplo.

Aberto oficialmente no último dia 7, o espaço atenderá crianças e adolescentes de 3 a 18 anos incompletos, que não são atendidos por serviços já existentes na rede municipal. A criação do projeto se deu após o município perceber número crescente de crianças com dificuldades no processo de desenvolvimento.

“No dia da inauguração falei que era um momento histórico. A Casa Verde é uma conquista para nós. Fruto de vários encontros que tivemos com o prefeito. Ele sabia da nossa demanda. Isso é muito positivo e estamos muito felizes, graças ao Executivo e ao Legislativo”, comenta Ana Emília. Além disso, lembra que o Centro atenderá mas também com outros transtornos relacionados ao neurodesenvolvimento.

Encantado é outro município cujo avanço é notório. No ano passado, a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) do município foi selecionada para sediar o Centro Regional de Referência em Transtorno do Espectro Autista, programa do governo do Estado. A conquista ocorreu no ano em que a entidade completava 50 anos de existência.

Elaboração de lei municipal

Procurador do município de Lajeado, Henrique Reali explica que a lei que possibilita a redução da carga horária a pais de crianças autistas está em fase final de elaboração. Segundo ele, nos próximos idas, projeto de lei deve ser enviado à câmara de vereadores para apreciação.

Quanto às servidoras municipais que conseguiram a redução da jornada de trabalho por meio de liminar, Reali diz que o município aguarda notificação da Justiça. “Há esta necessidade de disciplinar a matéria. E temos uma grande preocupação no desfalque do quadro de servidores, o que também deve ser considerado”.

O AUTISMO

– O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é dividido em três níveis: leve, moderado e grave;

– A patologia pode ser identificada já nos primeiros meses de contato do bebê, e o diagnóstico prévio é fundamental;

– O autismo é caracterizado pelo atraso no desenvolvimento das habilidades sociais, comunicativas e cognitivas;

– O especto pode ser associado com deficiência intelectual, dificuldades de coordenação motora e de atenção e, às vezes, ter problemas de saúde física;

– Na adolescência, pode-se desenvolver ansiedade e depressão.


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