Orgânicos ganham mais espaço na mesa

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Orgânicos ganham mais espaço na mesa

Pesquisa em doze capitais brasileiras aponta um crescimento médio de 20% no consumo de produtos livres de agrotóxicos

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Orgânicos ganham mais espaço na mesa
Marcelo Eckhardt, do Orgânicos Florescer, tem expectativa em um mercado crescente aos alimentos livres de agrotóxicos
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

O consumo de produtos orgânicos cresceu 20% no Brasil em 2021 comparado ao levantamento anterior, de 2019. A pesquisa “Panorama do consumo de orgânicos no Brasil 2021” foi realizada pela Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis) em parceria com a consultoria Brain e com a iniciativa UnirOrgânicos.

Na coleta de dados foram ouvidos consumidores em 12 capitais das cinco regiões brasileiras. A Sudeste apresentou o maior índice de elevação do consumo, 35%. A Norte, o menor, 9%. A região Sul ficou um pouco abaixo da média nacional, com crescimento de 17%.

A saúde é a razão pela qual os consumidores passaram a adquirir maior quantidade de orgânicos, diz a pesquisa. O motivo é o mesmo para mais pessoas passarem a comprar este tipo de produto.

Embora o Vale do Taquari não integre a pesquisa, a tendência de dar mais espaço aos orgânicos na mesa é uma realidade local. “Cresceu e vai crescer ainda mais”, constata o produtor Marcelo Eckhardt, 43,de Santa Clara do Sul. Ele concorda que o cuidado com a saúde e com o meio ambiente são motivadores à mudança de hábito alimentar. “A pandemia fez as pessoas cozinharem em casa”, diz.

Preparar a refeição e comparar um produto orgânico com um convencional, levou novos clientes a incluírem nas compras os itens sem agrotóxicos. “O consumidor que experimenta, não consome mais o produto convencional.” A produção da Orgânicos Florescer é comercializada nas feiras de Lajeado e Santa Clara e também é revendida em supermercados.

O proprietário do Sítio do Danni, Daniel Purper, 36, tem banca de orgânicos certificados na Feira do Produtor de Lajeado. Ele conta que tem clientela fixa e também consumidores eventuais.

O corretor de imóveis Sebastião Brito é um dos que prioriza os orgânicos. “Justamente pela qualidade, por ser mais saudável.” Brito mora no bairro Florestal e cultiva alguns temperos. O gosto pela culinária e a busca por uma alimentação mais saudável o motiva a avançar. Proprietário de um sítio de lazer na linha Santo Antônio, em Colinas, ele começou a fazer os primeiros experimentos na agricultura. “Vou fazer concorrência para o Dani”, brinca.

Desafios da produção limpa

Entre as características da produção orgânica na agricultura familiar é cultivar em pequena escala e em áreas menores de terra. Geralmente, a família é quem semeia, cultiva, colhe e vende a produção.

Marcelo Eckhardt, do Orgânicos Florescer, calcula um dia e meio de trabalho na agricultura orgânica equivalha a 1 hora de trabalho em um grande propriedade de cultura convencional. Cada pé de tomate é verificado dia a dia.

Purper concorda que demanda mais tempo de trabalho. Além disso, ambos destacam que o risco de perdas também é maior, porque as plantas não estão protegidas por defensivos químicos. Mesmo com algumas dificuldades inerentes à cultura, destacam a importância de produzir alimentos saudáveis e veem um grande mercado a ser desbravado.

Conforme o último levantamento da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), de 2019, os orgânicos representavam somente 1,5% da venda dos supermercados gaúchos. Ainda conforme a Agas, os orgânicos têm um preço de venda até 40% mais alto, em média, do que os similares não orgânicos.

Para o engenheiro agrônomo da Emater/RS-Ascar, Marcos Schäfer, aumentar a procura pelos orgânicos passa pelo incentivo às pessoas a pensarem naquilo que estão consumindo. “Escolhendo os orgânicos, incentivam a agricultura familiar ligada às questões ambientais. Quem está comprando precisa lembrar que não é um produto apenas, ele está carregado de atitude, de sentimento e de saúde.”

Entenda as certificações

• A certificação por meio do Organismo de Controle Social (OCS) permite a venda direta ao consumidor e a programas do governo. O OCS atende os consumidores nas feiras de produtores, por meio de delivery e na venda direta na propriedade. O OCS não tem o selo, mas está registrado no Ministério dagricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e tem uma declaração do Mapa como produto orgânico. As propriedades passam por auditoria anual e estão sujeitas à fiscalização do Ministério da Agricultura.

• A Certificação Participativa e a Certificação por Auditoria permitem que o produtor venda ao consumidor e também para terceiros revenderam, como supermercados. O produtor recebe o selo Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (Sisorg Brasil). Este modelo também está sujeito as fiscalizações e auditorias, é garantia de produto orgânico e de rastreabilidade.

• Na feira, procure a declaração do Ministério da Agricultura.

• No supermercado, procure no produto o selo Sisorg-Brasil.

Outros indicadores apontados na pesquisa

Para 47% dos entrevistados, os orgânicos são importantes para melhorar a saúde e 26% os consideram mais saudáveis.

O fato de os orgânicos serem produzidos sem agrotóxicos é a principal motivação para 13% dos consumidores, e para 24% deles esses produtos têm melhor qualidade.

Os produtos orgânicos mais consumidos são os hortifrútis (75%), seguidos por grãos (12%), cereais (10%), açúcar (8%) e biscoitos (6%).

No Vale

Três grupos têm Certificação Participativa, selo Sisorg-Brasil e envolve mais de 30 famílias.

Quatro grupos são habilitados pelo Organismo de Controle.

Social (OCS) e envolvem cerca de 30 famílias

Dois grupos estão em fase de organização.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ENTREVISTA – Marcos José Schäfer

Engenheiro agrônomo da Emater/RS-Ascar, dá apoio técnico na área de manejo de recursos naturais.

A Hora – Quando começou o cultivo orgânico no Rio Grande do Sul?
Marcos José Schäfer – A discussão sobre os rumos da agricultura e o uso da agroecologia iniciou na região nos anos 1980/1990. Na época foram dados os primeiros passos para o processo de organização e ao apelo por produção mais limpa. Isso bem antes da legislação de orgânicos (LEI 10.831 de 23/12/2003 e regulamentada somente em 06/10/11 pela IN46 e pela IN 17/2014/MAPA). Os movimentos sociais, dentro da agricultura familiar, trabalharam a questão da produção de base ecológica e a busca de uma alimentação com menos agrotóxicos ou livre de agroquímicos o que contribuiu na pressão para a criação da legislação de orgânicos.

No Vale do Taquari, qual foi a primeira iniciativa?
Schäfer – O primeiro a ser reconhecido na região foi o Grupo dos Agricultores Ecologistas de Forqueta, Arroio do Meio, em 1999. Após a regulamentação da lei dos Orgânicos, em 2007, seus integrantes se vincularam à Rede Ecovida para a certificação de seus produtos.

Por que os produtores optam pela migração para o orgânico?
Schäfer – A maioria dos que conhecemos a história tem casos de adoecimento na família ou na vizinhança em função de contaminação pelo uso de produtos químicos. E acabam fazendo esta conversão. O primeiro passo, geralmente, é fazer o cultivo sem o uso de agroquímicos, o que ainda não é considerado orgânico perante a legislação. Muitos agricultores estão neste meio caminho, já produzem utilizando técnicas da agroecologia, sem o uso de agrotóxicos ou fertilizantes químicos, mas não têm a certificação oficial ou a dispensa de certificação.

Como a Emater/RS-Ascar trabalha com a agricultura familiar?
Schäfer – Nós trabalhamos, na Emater, com agricultura de base ecológica. O trabalho do técnico e do agrônomo é buscar a melhor alternativa para resolução de um problema ou para o desenvolvimento de uma atividade na agropecuária. O melhor para o agricultor é um procedimento mais limpo. Primeiro usa-se práticas de manejo, depois pensa-se em produtos, mesmo que sejam biológicos. No final da ponta, se for o caso de uma produção não orgânica, vai se utilizar um produto de impacto mais intenso.

E especificamente com a agricultura familiar orgânica?
Schäfer – A Emater trabalha na organização dos grupos para que se fortaleçam, consigam produzir de forma orgânica e se apoiem mutuamente.
Na parte técnica, trabalhamos sempre antecipando os problemas. Utilizam-se práticas para que o problema não apareça, e a praga não exista. Ela é um desequilíbrio do sistema. Um inseto não é uma praga quando ele está controlado em uma população baixa. Ele só passa a ser praga quando ocorre um desequilíbrio muito grande e ele consegue se desenvolver muito fortemente naquela área, causar prejuízos.

Nos supermercados, a área de vendas dos orgânicos é bem menor que a agricultura convencional. E a variedade de produtos também é mais restrita. O que é preciso para mudar este panorama?
Schäfer – As duas pontas têm que se encontrar, o consumidor e a possibilidade de produção naquela região. Tem muitos produtos que não são possíveis de produzir aqui, em função do clima. Buscar de outras regiões é um problema em determinados itens, porque são mais perecíveis se comparados com os que têm proteção química. Na agroecologia se diz: consuma produtos da sua região e que sejam da época. Tu tens uma nutrição melhor quando é desta forma, porque quanto mais distante viaja um produto, mais precisa de cuidado e mais adição produtos.

O que o consumidor precisa saber, além de ver o selo orgânico na embalagem?
Schäfer – Isso é uma mudança geral da sociedade de enxergar a importância da produção orgânica, assim como enxergar a importância da agricultura familiar no processo de produção de alimentos. A escolha do consumidor faz toda a diferença. Quando eu compro um produto orgânico, eu estou comprando também o trabalho da agricultura familiar, o trabalho daquele grupo orgânico, a permanência daquela família no meio rural produzindo alimentos e conseguindo o seu sustento para ter uma vida digna dentro de uma realidade diferente do que se viesse para o meio urbano, que muitas vezes é excludente.

Aliar o turismo de experiência à agroecologia, como o colhe e pague, contribui para impulsionar a agricultura familiar agroecológica?
Schäfer – Com certeza. O experimentar passa do conceito de só racionalizar, de pensar sobre aquilo. Porque se passa a experimentar, a viver aquilo. Quando se vive, se tem conhecimento racional e sentimental. A afetividade está envolvida. E percebe-se também as dificuldades. O chapéu, por exemplo, é uma proteção indispensável, afinal o trabalho é feito sob o sol. Claro que as visitas nas propriedades são feitas no sentido de levar uma experiência boa, de se criar uma memória positiva, mas devemos escolher também pelas dificuldades que passam para produzir de forma limpa e respeitando a natureza.


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