Cabelo preso e bola no pé

Caderno VocÊ

Cabelo preso e bola no pé

O recém criado Esporte Clube Semente do Futuro, em Lajeado, treina meninas de todo o estado com a expectativa de disputar o próximo Campeonato Gaúcho. As 40 atletas que integram o grupo buscam, além de espaço, garantir igualdade e respeito na modalidade

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Atualizado segunda-feira,
16 de Agosto de 2021 às 08:45

Cabelo preso e bola no pé
Foto: Bibiana Faleiro
Lajeado

Thais Maffacioli, 15, ganhou a primeira chuteira de futsal do pai quando ainda era criança. Com tênis nos pés ou mesmo descalça, ela gostava de se reunir com a criançada do bairro Moinhos D’Água para jogar futebol. Única menina do grupo, era sempre a última a ser escolhida para os times, mas surpreendia na hora de entrar em campo.

Ela tinha talento e, aos poucos, a brincadeira deu lugar ao sonho de ser atleta profissional. Thais disputou a primeira Copa Piá aos 9 anos, ainda com um time masculino. Ela era a única guria na competição e, em um dos jogos, recebeu medalha de destaque como melhor jogadora em campo.

A atleta teve que lutar para conquistar seu espaço nos gramados, mas diz nunca ter faltado amor pelo esporte e motivação. “Quando se tem um sonho e muita vontade de alcançá-lo, não medimos esfoço para isso”, ressalta.

Ela também disputou o Campeonato Gaúcho pelo Clube Guarani, de Lajeado, “Eu nunca tinha jogado em campo 11, e por isso ficava muito apreensiva. Naquele ano não levamos nenhum título para casa, mas tive uma das melhores experiências com o futebol”, acredita.

Hoje ela é uma das 40 atletas que integram o Esporte Clube Semente do Futuro, que voltou às atividades no município em julho deste ano.

Cerca de um mês após o início dos treinos no bairro Alto Conventos, a equipe se prepara para a possibilidade de disputar o Campeonato Gaúcho nas categorias sub-16 e sub-18 no fim do ano. A classificação deve ser divulgada em setembro.

De olho no Gauchão

Quem treina as meninas é Jonathan Júnior Bomm, também presidente do clube. “Não consegui realizar o sonho de ser jogador, mas com o tempo apareceu outro, que era ser treinador”, conta.

Com 21 anos, ele abriu a primeira escolinha de futebol. Depois de passar algumas temporadas na Associação Estrela Futebol e futsal (AEF), retornou com o projeto em Lajeado e hoje treina meninas de cidades do Vale do Taquari e fora dele, como São Sebastião do Caí, Rio Pardo, Bom Retiro do Sul, Rio Grande, e Porto Alegre, onde mora a atleta Andreina Macedo Cardoso, 17.

Com exemplos do esporte dentro de casa, ela começou os treinos ainda criança. O pai e a irmã também jogavam futebol e com o incentivo da família, ela entrou para a AEF para disputar importantes campeonatos estaduais. Inclusive, já participou de três Campeonatos Gaúchos e foi campeã pela AEF. Além de conquistar o título de campeã da Taça Tricolor pelo Grêmio e pela Escola Vinícius de Morais, de Porto Alegre.

Durante as competições, ela diz que as “piadinhas” e o preconceito sempre estiveram presentes. Mas nem por isso ela desistiu de jogar.

O Gaúchão sub-16 e sub-18 ainda não tem data mas está previsto para ocorrer entre outubro e novembro. Serão entre seis a oito equipes selecionadas. A competição ocorre em apenas uma cidade.

Além do Gauchão, a equipe também vai se filiar à Federação Gaúcha de Futebol para participar de outras competições. “Participar do campeonato é abrir vitrine para o futebol feminino e mais ainda para as atletas. Nossa expectativa é fazer uma boa competição e brigar entre as primeiras colocações”, ressalta Jonathan. O grupo também busca patrocínio para seguir com o trabalho no clube.

Para driblar os desafios

Ao lado de Thais, está a lajeadense Kethlyn Michelle Schmitz, 17, que tinha apenas 4 anos quando começou a jogar bola com os irmãos. Mais tarde, aos 11, já treinava no Clube Guarani e participou de três Campeonatos Gaúchos pelas categorias sub-16 e adulto.

Este ano, ela se prepara para mais um Gauchão, desta vez com o Esporte Clube Semente do Futuro. “Minhas expectativas são boas para o início do Gauchão, estamos treinando bastante para isso”, diz.

Esta é também uma oportunidade para Kethlyn fazer do futebol uma carreira profissional. “Minha família sempre me apoiou muito no esporte. O apoio deles e o amor que tenho pelo futebol me motivam a continuar”, ressalta.

Mas ela sabe que o caminho não é fácil. “Um dos desafios do esporte feminino é a desigualdade e a desvalorização. Quero levar o futebol como profissão e mostrar que as mulheres também podem estar no campo”, afirma.


“O futebol de mulheres não é gasto, é investimento”

Professora aposentada da UFRGS, pesquisadora e ativista do futebol de mulheres, Silvana Goellner, diz que ainda existe uma resistência cultural na modalidade, além da desigualdade de gênero na questão de salários e oportunidades.

Como você vê o cenário do futebol de mulheres hoje?

Estamos começando a ter uma visibilidade na modalidade, com mais estrutura. O futebol de mulheres parece ser recente mas não é. Ele existe desde que o futebol se instituiu no país. Mas foi proibido no Brasil por quase 40 anos e só foi regulamentado no nosso país em 1983. O cenário começa a mudar a partir de 2019, quando a Conmebol decretou que os clubes poderiam participar da Copa Libertadores da América na categoria feminina. O que vem se modificando ao longo do tempo se dá pela luta das próprias mulheres.

Você percebe que ainda existe desigualdade entre o futebol feminino e masculino?

Existe uma desigualdade abissal entre homens e mulheres no futebol, porque ele é representado como um esporte que integra a nação, e não se pensa nelas como integrantes dessa representação. O futebol dos homens também não pode ser comparado a nenhum outro esporte em termos de capital, investimento, público e patrocínio. Além disso, também há desigualdade em termos de oportunidades, número de campeonatos e oportunidades para as mulheres exercerem cargos técnicos e de gestão dentro do futebol. É necessário um plano estratégico de desenvolvimento do futebol de mulheres a curto, médio e longo prazo, não dá para pensar nisso só quando chega a Copa do Mundo ou os Jogos Olímpicos. O futebol de mulheres não é gasto, é investimento.

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