Pais diferentes, amor igual

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Pais diferentes, amor igual

Não importa se de sangue ou coração, a figura paterna tem papel de estar presente, ensinar e ser referência para o filho, além de participar do cuidado e dos momentos de diversão

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Atualizado segunda-feira,
16 de Agosto de 2021 às 08:46

Pais diferentes, amor igual
Éder já era pai de Ezequiel (e) quando adotou Aira Fernanda, Tadia Helena e Taila Izadora (fotos: Bibiana Faleiro)
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

“Quando a Aira nos viu, veio correndo, nos deu um abraço muito apertado e perguntou ‘vocês vão ser a nossa nova família?’”. Foi na entrada de um shopping no Mato Grosso do Sul, que Éder Eduardo Muller Ciceri, 42, pegou as filhas no colo pela primeira vez. Criadas na cidade de Aquidauana, em uma família de 10 filhos, foi no Vale do Taquari que as irmãs Aira Fernanda, 8, Taila Izadora, 4, e Tadia Helena, 2, encontraram um lar.

Elas foram adotadas pelo casal Éder e a esposa Beatriz da Rosa Ciceri, 40, moradores de Bom Retiro do Sul, em abril do ano passado. A adaptação foi difícil, porque as meninas viviam há sete meses na unidade de acolhimento, depois de serem retiradas da casa da mãe por negligência. Mas, em poucos dias, já chamavam Éder e Beatriz de pai e mãe.

Ele já era pai de Ezequiel dos Santos Ciceri, 18, quando conheceu Beatriz, que também tinha vontade de ser mãe. Depois de duas tentativas de fertilização, o casal decidiu entrar na fila da adoção. Eles se cadastraram no Instituto Amigos de Lucas, que incentiva a adoção tardia. A ideia era adotar uma criança de 0 a 5 anos.

“Um dia, eu estava no trabalho e Beatriz me ligou dizendo que nossas filhas estavam no grupo de adoção e viviam no Mato Grosso. Eram três irmãs”, conta Éder. Com a documentação organizada, saíram de carro do Rio Grande do Sul e em dois dias estavam em Aquidauana.

“Nossa, esse primeiro encontro foi fora de série. O amor não se explica, parece que elas sempre estiveram aqui”, diz o pai. Como Aira Fernanda era a irmã mais velha, com 6 anos no período, tinha que aceitar a família por ela e pelas irmãs.

“No início eu não sabia que eles seriam nossos pais, mas depois que eu vi eles, tive certeza”, conta. Já na nova casa, as meninas ganharam uma cama, um quarto, brinquedos, um irmão mais velho e uma nova família.

“Foi muito bom quando elas chegaram. Eu já tinha uma irmã mais velha, mas a família ficou completa”, ressalta Ezequiel, que sempre viu no pai um amigo. Ele ainda era criança quando Éder sofreu um acidente na estrada. “Meu pai sempre foi meu conselheiro, temos uma relação muito boa e ele sempre está por perto”, conta o filho.

Éder já não gostava de estar fora, hoje em dia, no fim da tarde, só quer chegar em casa para ver os filhos e gosta de planejar atividades em família. “Meu maior orgulho é ser escolhido pelas meninas para ser pai delas, e também ser pai do Ezequiel. Minha família é minha vida”, conta.

“Ser pai solo é um desafio”

No dia do aniversário de 35 anos, Davi Aloisio Becker, ficou sabendo que seria pai. Ao lado da esposa Elisiane, conhecida como Litia, fazia um ano que o casal de Arroio do Meio tentava engravidar.

A gestação foi conturbada porque Litia apresentava um mioma, mas o filho nasceu bem e saudável. O nome escolhido foi Lucas, para homenagear um antigo vizinho de Davi.

Depois do nascimento, a mãe relatava sentir muito cansaço. Mesmo com tratamento médico, ela não melhorou e em agosto de 2015, depois de uma colonoscopia, Litia foi diagnosticada com um tumor no reto.
“Lembro que estava retornando de viagem quando recebi a notícia da minha cunhada. O Lucas estava prestes a completar um ano de idade”, conta Davi. O tratamento foi difícil e os dias eram vividos um de cada vez naquela casa. Mesmo assim, Litia foi uma mãe presente e a família aprendeu a conviver com a doença.

Lucas e Davi

Litia morreu quando o filho tinha 4 anos e 2 meses. “Foi uma barra pra mim. Eu estava ali com o nosso filho e sozinho. Mas com o passar dos meses fui me dando conta de que minha esposa tinha me preparado para isso”, conta Davi. Durante o tratamento, delegava e cobrava tarefas que antes ela era a responsável.

Após a morte da esposa, Davi passou a criar o filho Lucas com a ajuda da família

“Litia foi se afastando de Lucas para que ele tivesse mais a minha atenção. Mas tudo foi bastante dolorido, principalmente em datas especiais, quando a saudade e a ausência ficavam mais evidentes”, conta Davi, que trabalha como gerente da Sicredi na agência de Canudos do Vale/Sério.

A família, amigos e vizinhos ajudaram na criação de Lucas, hoje com 6 anos, e sempre tinha um tio, primo ou avó para visitar o menino. Uma cuidadora ainda hoje faz parte da rotina de Lucas. No período, o pai também passou a ter acompanhamento psicológico depois da morte de Litia. “Ser pai solo é um desafio. Uma criança demanda tempo e atenção, e cabe somente a mim esta dedicação. Mas ao mesmo tempo é maravilhoso, porque eu amo o meu filho e todo dia aprendo algo novo com ele”.

Pai e filho gostam de pedalar, andar de caiaque, acampar e tomar banho de rio. Também são apaixonados por futebol e, além de assistirem aos jogos juntos, também praticam o esporte. “Meu filho é meu parceiro, e meu maior desafio é fazer com que ele seja uma pessoa do bem e feliz, do jeito que conseguir”.

Davi não se preocupa em ser um pai tradicional e tem Lucas como um amigo. “Nós temos um carinho muito grande. Me sinto realizado quando coloco ele para dormir e escuto um: ‘te amo, pai’, isso me renova, me motiva e me dá mais forças”.


“Um dos maiores desafios é a compreensão da responsabilidade”

De acordo com o psicólogo Luís Fernando da Veiga, a constituição familiar mudou ao longo do tempo. Se antes a tarefa de cuidar dos filhos era da mãe, hoje ela é compartilhada. Ele diz ser importante dividir as tarefas no ambiente familiar para que o pai possa participar da rotina dos filhos, desde a troca de fraldas, banho, refeições e na hora de colocar a criança para dormir, para também desenvolver uma ligação de afeto com a criança.

“A figura paterna será aliada na maneira como o filho interpretará o mundo à sua volta. O estilo de paternidade dá muitos tons na maneira de pensar, no humor e nos comportamentos do filho”, destaca o profissional.

Entre os benefícios da paternidade Veiga destaca a possibilidade de pais e filhos serem grandes parceiros. “O pai pode ser uma referência positiva para a tomada de decisões e para os enfrentamentos existenciais. Um dos maiores desafios é a compreensão da responsabilidade e o acolhimento do filho real, e não o idealizado”, diz o psicólogo.

De acordo com ele, é necessário o cuidado com as comparações injustas entre gerações e entre filhos diferentes, além de garantir uma relação de educação e generosidade entre os dois.

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