AS LIÇÕES DE UMA CALAMIDADE

Previsão, alerta e a resposta

AS LIÇÕES DE UMA CALAMIDADE

Na próxima quinta-feira, 8 de julho, completa um ano de uma das maiores enchentes da história da região. Como resultado de duas grandes tempestades, o Rio Taquari passou dos 27,3 metros no Porto de Estrela. A inundação causou uma morte, deixou milhares de desabrigados e trouxe prejuízos econômicos para empresas e à infraestrutura das cidades

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AS LIÇÕES DE UMA CALAMIDADE
Crédito: Arquivo A Hora
Vale do Taquari

O lapso de duas horas sem leitura nos níveis do Rio Taquari interferiu sobre toda a estratégia de atuação das Defesas Civis. A informação chegou imprecisa. Faltou previsibilidade para que as empresas nas áreas alagadiças pudessem retirar bens e produtos, fez com que a resposta no deslocamento das famílias ribeirinhas atrasasse e, acima de tudo, comprovou a carência no monitoramento, no alerta e na comunicação entre as cidades atingidas.

Na próxima quinta-feira, 8 de julho, completa-se um ano de uma das maiores enchentes da história da região. Ao longo daquelas horas, choveu mais de 160 milímetros, com alta concentração sobre a bacia hidrográfica Taquari/Antas.

“Foi uma noite caótica. Ao chegar para retirar as famílias, muitas ainda tinham esperança de que a água não subiria tanto. Quando fomos encher os caminhões, todos queriam ajuda ao mesmo tempo”, relembra um dos servidores de Lajeado que atuou junto com a Defesa Civil.

A enxurrada foi a segunda em uma semana. No dia 1º daquele mês, o RS foi atingido por um ciclone bomba. A conjunção de duas anomalias climáticas elevou o nível do principal rio da região. No pós 8 de julho de 2020, a cobrança sobre os poderes públicos foi incisiva. Os prejuízos econômicos alcançaram R$ 500 milhões, mais expressivos nas cidades cortadas pelo Rio Taquari.


Morte na enxurrada

Voltar ao lugar onde o marido, Nestor Mazzarollo, morreu é difícil para Iris Liane. O morador de Estrela estava indo para Colinas, para visitar uma propriedade da família. Queria ver os estragos da chuva.

Ele estava em deslocamento, pela ERS-129 quando perdeu o controle da caminhonete Saveiro. “Ao cair na vala, ele me ligou. Não conseguia abrir a janela elétrica. Nesse momento, ele já antecipava o pior.” Passado quase um ano da morte do companheiro, lamenta o que aconteceu, mas sem buscar responsáveis. “As pessoas que moram lá nunca viram uma coisa dessas. Foi uma fatalidade. Não dá para culpar alguém por isso.”

Por outro lado, pensa ser necessário melhorar a fiscalização na estrada. Avisar os condutores que há risco de alagamento, inclusive com a instalação de um guard rail perto da vala onde o carro de Nestor foi levado.

 

Nestor Mazzarollo morreu durante a enchente. Ele estava em uma Saveiro que foi levada pela força da água. Esposa, Iris Liane, procura se conformar após a perda: “Foi uma fatalidade. Não dá para culpar alguém por isso.” / Crédito: Renata Lohmann


Nascimento em meio à enchente

O casal Rosane, 29, e Isaque Silveira, 34, estava entre as famílias ribeirinhas de Lajeado levadas para o Parque do Imigrante naquele julho. Ela estava grávida em meio à situação de calamidade e também de pandemia. “Foi muito traumático para nós. Lembro da chuvarada, de estarmos em casa. Da minha esposa ter pedido para esperar, na esperança de que a água baixasse”, conta Silveira.

Já acostumados com cheias, quando havia o alerta, levavam a mobília e os eletrodomésticos para o segundo piso da casa. “Perdemos tudo. Quando vimos que não haveria mais como ficar, chamei a Defesa Civil e fomos para o parque. Quando voltamos, só conseguimos salvar algumas peças de roupa.”

Rosane entrou em trabalho de parto as 4h da madrugada do dia 10 de julho. A Assistência Social chamou a ambulância e Kaleb nasceu assim que chegaram ao Hospital Bruno Born. Com toda essa experiência, a família hoje teme novos episódios. “É só começar a chover que já nos preocupamos.”

Rosane deu a luz a Kaleb. A família estava entre os abrigados no Parque do Imigrante, em Lajeado. “ Foi traumático”, relembra o marido, Isaque / Crédito: Acervo Pessoal

O casal tem outros dois filhos, uma menina de 12 anos e um menino de 7. “Sobrevivemos a enchente e também a pandemia. Hoje, quando olhamos para trás, comemoramos isso.” De tudo o que aconteceu naquela semana, ainda não conseguiram recuperar tudo o que foi perdido.


Prejuízos às empresas

A Vidraçaria Lajeadense foi uma das atingidas. A empresa está desde 2003 na rua Bento Rosa. Conforme o diretor, Régis Lopes Arenhart, já haviam enfrentado cheias. Nunca com a proporção do ano passado. “Fomos pegos de surpresa. A água entrou 15 centímetros, atingindo maquinários e estoque. Ficamos dois dias e meio sem conseguir entrar no prédio.”

Na avaliação dele, existe uma maior mobilização por parte dos órgão competentes para dar mais condições de previsibilidade. “Houve diversas reuniões desde a enchente, estão sendo buscadas alternativas para amenizar os riscos.” No entanto, considera que não há nada concreto em andamento.

Para Arenhart, existe a chance de acontecer de novo. Para o empresário, é fundamental que recebam as informações de forma mais eficiente para que possam se planejar e evitar prejuízos.

A cobrança do setor empresarial, por meio da Associação Comercial e Industrial (Acil) aponta para mais controle sobre as cheias, com melhor previsibilidade sobre o tempo de aumento do nível e uma comunicação eficaz sobre esses dados à população.

Na Vidraçaria Lajeadense, água entrou na sede da empresa. Erro de previsão sobre elevação do rio gerou críticas aos gestores públicos / Crédito: Divulgação

 

Clarice Pereira Lopes, 52, mora na Francisco Oscar Karnal. A enchente deixou marcas. “Foi muito triste, perdemos muitas coisas.” / Crédito: Renata Lohmann


Onde ocorreram os erros?

Prevenção
Frente ao saldo da enchente, ficou a certeza da necessidade de melhorar a prevenção, a previsibilidade do comportamento do nível dos mananciais hídricos e da comunicação inter-regional. Dentro disso, a análise do comportamento da água e a comunicação se mostram fundamentais, apontam integrantes das Defesas Civis.

Monitoramento
O sistema de réguas no Rio Taquari se comprovou insuficiente para dotar os municípios de informações precisas. Na ocasião, havia medições em Muçum, Encantado, Estrela e Bom Retiro do Sul. Pelo tamanho da inundação, muitos aparelhos ficaram embaixo da água, o que inclusive dificulta o conhecimento de quanto foi o real pico da enchente. Esse acompanhamento parte do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). A organização reconheceu erros na transmissão dos dados em função de problemas em equipamentos eletrônicos. De lá para cá, houve a instalação de uma régua, em Lajeado.

Crédito: Mateus Souza


Falta de integração

Cada Defesa Civil dos municípios teve uma atuação individual. Sem comunicação entre as organizações, os dados sobre o comportamento do rio ficaram restritos. Quando se tem chuva em grande quantidade ao Norte do Estado, no Rio das Antas e no Carreiro, sobe a partir da parte alta do Vale, em Muçum e Encantado. Em média, esse comportamento impacta sobre o Porto de Estrela, após duas horas. Quando os equipamentos de medição falharam, não houve troca de informações entre os municípios, relembra o secretário de Segurança Pública de Lajeado, Paulo Locatelli. Ele foi subchefe da Defesa Civil estadual. Na avaliação dele, a enchente passada reforçou a necessidade de conhecimento técnico e de atuação conjunta entre os representantes das cidades. “Estávamos trabalhando em ilhas. O rio já alcançando as casas aqui e não sabíamos como estava em Encantado.”

Crédito: Arquivo A Hora


O que mudou?

Olhar mais atento
Algumas iniciativas já foram adotadas para evitar episódios como o de julho passado. Entre as quais, está a incorporação do Vale do Taquari como área prioritária de análise da Sala de Controle do Centro de Operações da Defesa Civil do Estado do RS (CODEC-RS). A partir do acompanhamento dos técnicos do Estado, são feitos alertas periódicos diretos à Defesa Civil da região. No episódio do ano passado, os laudos fazem parte de um comunicado oficial, feito apenas por e-mail.
Essa inclusão faz com que se tenha acesso ao banco de dados, a aplicação de modelos numéricos, elaboração de boletins e emissão de avisos de tempo severo. Além da análise de imagens de satélite são avanços que, mediante a interlocução entre Estado, o que permite alertas às coordenadorias regionais direto para o Vale do Taquari, por meio da Defesa Civil de Lajeado.
Ao mesmo tempo, também o CRPM também disponibilizou o quadro técnico para emissão de projeções de elevação.

Gestão próxima
Foi instituído um grupo com a integração de 13 municípios da região. Estão todos os responsáveis pela gestão de atendimento às catástrofes. “Temos de melhorar os alertas, os alarmes. Criamos essa microrregião de Defesa Civil”, conta Locatelli.
O intuito de ver as dificuldades e treinar os responsáveis. “Tivemos falha na nossa prevenção, no monitoramento. Já a resposta, no atendimento às famílias vulneráveis, foi um ponto positivo.” As cidades preencheram um relatório da situação de alerta e os maiores riscos em caso de uma nova pane no sistema de monitoramento.

Comunicação via internet, telefone e rádio
A comunicação entre os diferentes órgãos de fiscalização e alerta também não está mais suscetível a panes na internet ou na telefonia. Foi incorporado o uso da comunicação por rádio amador. “Em caso de colapso, temos de ter alternativas para o repasse de informações”, realça o ex-coordenador Regional da Defesa Civil e atual diretor de Trânsito de Lajeado, Vinícius Renner.

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