As diferentes visões sobre a Páscoa

Salvador ou profeta

As diferentes visões sobre a Páscoa

A celebração mais importante do ano litúrgico para o cristianismo relembra a crucificação e o renascimento do filho de Deus. Mas os eventos narrados pela fé Cristã têm outras interpretações. No Islamismo, Jesus é profeta. Já o Judaísmo descarta a adoração de uma pessoa como unidade divina

Por

As diferentes visões sobre a Páscoa
Vale do Taquari

A palavra Páscoa vem do hebraico, do termo “Pessach”, e significa passagem. Trata-se de um evento religioso cristão, em celebração à ressurreição de Jesus Cristo depois da morte na cruz. Para a Igreja Católica, a celebração é a mais importante do ano litúrgico.

Conforme o padre Roque Hammes, a paixão de Cristo representa o alicerce da fé católica. “Começamos a existir como cristãos a partir da crença da ressurreição. Jesus foi morto, sepultado, mas ele vive, ele renasceu. É a vitória da vida sobre a morte.”

Os fatos narrados pela Bíblia, diz o religioso, determinam o eixo da fé católica. A celebração é conhecida como Tríduo Pascal. Começa na noite da quinta-feira, com a missa da ceia e a instituição da eucaristia.

“Lembramos Cristo, quando lava os pés dos discípulos e divide o pão e diz: tomai e comer, pois este é meu corpo. Serve o vinho e diz: tomai e bebei que este é meu sangue”. Nesta passagem, frisa o padre, está a identidade do Cristianismo, do servir e amar o próximo.

“Para nós, é o momento em que renovamos a nossa fé, o nosso batismo e nos alimentamos da sagrada eucaristia”, resume. Já a Sexta-feira Santa representa a Paixão e Morte de Jesus Cristo’. Já no Sábado Santo (também chamado de Sábado de Aleluia), ocorre a missa em que os católicos fazem a Vigília Pascal, uma preparação para o Domingo da Ressurreição.

“É a vida que vence”

As tradicionais procissões, a Via Sacra, as missas, estão suspensas devido a pandemia. “A doença limita nossas celebrações. Mas ainda assim, o importante é participarmos da Paixão e do sofrimento de Jesus Cristo por meio dos nossos atos, da nossa reflexão e dos seus ensinamentos”, destaca o padre Hammes.

Em mensagem oficial nesta semana, o Papa Francisco enalteceu o tempo de renovar a fé, a esperança e a caridade. Para o padre Hammes, as palavras do Santo Padre é carregada de simbolismo. “Nossa vida não acaba com a morte. Não podemos nos deixar abater pelo desespero, pela desesperança. Sempre vamos dizer, que mesmo neste tempo difícil, ao fim de tudo, é a vida que vence”, enaltece o religioso.

“A Páscoa é Deus agindo em favor da vida”

A celebração entre os fiéis da Igreja Luterana é muito próxima da visão do cristianismo tradicional. De acordo com o pastor sinodal, Gilciney Tetzner, pelos relatos bíblicos, nesta semana se cumpre o plano de Deus em Jesus Cristo.

“A páscoa é o que há de mais central na fé em Cristo. Na crucificação e na ressurreição. Em que se concretiza o amor de Deus pelo mundo, com a reconciliação e a vida. Esse é o fundamento da nossa fé.”

Segundo o pastor, luteranos e católicos têm o mesmo entendimento sobre a Páscoa. “O que pode variar um pouco é a forma de celebrar, ou seja, a liturgia, ou algum enfoque temático. As duas igrejas, através do lecionário ecumênico, leem as mesmas passagens do evangelho ao longo do ano e também na Páscoa.”

Os ensinamentos bíblicos, enaltece o religioso, pregam que a Páscoa é “Deus em favor da vida e de tudo que a promove. “É o criador e restaurador. Contra a morte e tudo que a provoca. A Páscoa é Deus agindo agindo em favor da vida”, diz.

NO ALCORÃO, JESUS É PROFETA

No Alcorão, Jesus Cristo é um dos cinco principais profetas, diz Imad Khodr (Foto: arquivo pessoal)

Para o Islamismo, Jesus Cristo está entre os cinco principais profetas do livro sagrado, o Alcorão. “Para a nossa religião, todos os profetas são iguais. Eles têm algumas histórias parecidas com o que a Bíblia católica traz. Uma delas é sobre o nascimento de Jesus. Para nós, ele também não teve pai. Foi um milagre”, diz Imad Khodr.

De acordo com ele, a visão do Islã é que os profetas são condutores dos povos para o caminho do bem. “São líderes dos povos, indiferente das suas diferenças étnicas e de linguagem.”

Nascido no Líbano, Khodr morou no Rio Grande do Sul por mais de 20 anos. Hoje voltou para o país natal, onde trabalha como produtor cultural. Da experiência no Brasil, conheceu algumas tradições católicas. “Nestes anos, aprendi que não devemos interferir na fé dos outros. O princípio de tudo é o respeito.”

Khodr morou por 20 anos no RS. Hoje está no Líbano. “A pandemia é o menor dos problemas aqui, pois vivemos uma política conturbada.” (foto: arquivo pessoal)

Sobre o preconceito nascido do comportamento de grupos radicais do Islã, afirma: “Deus nos ensina a amar e respeitar. Assim como os católicos defendem. Os terroristas não respondem pelos árabes e nem pela religião do Islamismo. Da mesma forma em que há radicais católicos que também fazem ações ruins e não correspondem a maioria dos seus fieis.”

O nome de Jesus Cristo aparece 19 vezes no Alcorão. Sobre a morte na cruz e a ressurreição, Khodr conta que há uma interpretação diferente. “Para nós, Jesus não morreu na cruz. Ele subiu aos céus e vai voltar.”

 

UM LÍDER, NÃO O FILHO DE DEUS

Na visão do judaísmo, a chegada do messias na terra ainda não aconteceu. Conforme o rabino Guershon Kwasnieski, Jesus Cristo foi um líder do seu tempo. “Temos de dizer, antes de tudo, Jesus era judeu. Seguia as tradições do nosso povo. A última ceia foi um ritual judaico”, diz o rabino, que complementa: “para a nossa teoria, se trata de uma pessoa carismática, mas não um messias”

Rabino Kwasnieski explica que Jesus foi um grande líder do seu povo (foto: arquivo pessoal)

Como alguém que seguia as práticas judaicas, o rabino acredita que a cisão ocorre após a morte de Jesus. “Os apóstolos mudaram parte dos conceitos defendidos por Jesus.”

Para o judaísmo, ainda não houve a chegada do “filho de Deus”. “Essa é uma grande diferença dentro da nossa teoria para com os nossos irmãos católicos.” De acordo com Kwasnieski, há rabinos que acreditam que a chegada do messias está condicionada a tempos de grandes catástrofes, guerras, e de muita dor sofrida pela humanidade.

Sobre a ideia de ressurreição, o judaísmo não acredita em vida após a morte. “Interpretamos que os humanos são seres finitos. Nascem, crescem e morrem. Não há como provar se existe algo depois desse ciclo.”

Neste período de Páscoa dos católicos, os judeus comemoram o “Pessach”. “Relembramos o tempo no qual os judeus saíram da escravidão à liberdade. Este trecho faz parte também da crença católica, quando Moisés, escolhido por Deus, recebe os dez mandamentos.”

Indiferente das interpretações, o rabino destaca: “a fé é muito importante. Ela nos fortalece seja em momentos bons ou ruins. Por mais que tenhamos diferentes crenças, este período que vivemos, de muita dificuldade, reforça a necessidade de buscar um mundo melhor. Por isso, desejo a todos os nossos irmãos católicos uma Feliz Páscoa.”

 

ENTREVISTA

Cesar Goes, doutor em sociologia e professor

“Na história, a religião se apropria de culturas diferentes”

Os símbolos, como o coelho e os ovos, são mantidos até hoje e se sustentam em tradições da Idade Média. Remontam a história de popularização do cristianismo entre os povos europeus considerados pagãos. Para o doutor, se trata de um processo de resistência e que se perpetuam, trazendo novos significados.

A Hora – Como símbolos como coelhos e ovos se tornaram parte da Páscoa?

Cesar Goes – São símbolos nórdicos e do leste europeu. Foram agregados à Páscoa na Idade Média pelo processo de expansão religiosa. No encontro de contextos culturais diferentes, há novas releituras.

Foi assim com o Natal e é assim com a Páscoa. A Última Ceia é uma marca religiosa, assim como o presépio, mas o Papai Noel, ou o Coelhinho da Páscoa não são símbolos religiosos oficiais. Estão presentes nos povos tradicionais como parte da identidade cultural e foi associado ao catolicismo.

– Esse processo de apropriação foi uma forma de ganhar a simpatia dos povos? Como uma propaganda do catolicismo?

Goes – Não vejo desta forma. Chamamos isso de Sincretismo, em que a tradição religiosa vai se ressignificando. Muito dessas concessões, destas imagens inclusive, vão contra a religião. São as lógicas culturais, de longas tradições que se adaptam a um novo contexto.

O que houve na questão da Páscoa é uma nova releitura. O ovo ganha um significado, de nascimento, de transformação. Esses símbolos dizem respeito a expansão da Igreja Católica.

Temos exemplos no Brasil, com as religiões afro. Elas sincretizaram a tradição católica, trouxeram para o panteon de deuses as imagens católicas. Por isso Nossa Senhora dos Navegantes e Iemanjá. Isso surgiu da necessidade dos escravos em manter suas tradições religiosas, apesar da repressão. No começo, fingiam devoção. Depois isso ganhou significado.

Acompanhe
nossas
redes sociais