Os primeiros bailes do Vale

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Os primeiros bailes do Vale

Com o sobrenome dos fundadores, salões estiveram entre os principais pontos de encontro boêmio nas décadas de 50 até os anos 2000. Em mais uma matéria sobre baladas que marcaram época, A Hora resgata a história dos salões Reis, Sabke e Nied

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Os primeiros bailes do Vale
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

O Salão Sabke foi construído em uma época que Forquetinha era conhecida como Santa Cecília e ainda pertencia a Lajeado. Otávio Sabke (in memoriam) iniciou a obra em 1960. Quatro anos depois, em outubro de 1964, o imenso pavilhão de madeira abria as portas para o primeiro baile dos 38 anos em funcionamento.

Com dois andares, a salão possuía a pista de dança na parte superior. O piso de madeira tinha calços embaixo que permitiam a fricção da madeira. “Sensação era que chacoalhava tudo quando tinha muita gente”, conta um dos filhos de Otávio, Ronésio Sabke, 43.

Outra peculiaridade era uma tela instalada em meio ao salão na década de 80, época em que uma lei proibiu a venda de álcool para menores de idade. A cerca separava o local para consumo de bebidas e a pista de dança. “O pessoal chamava de ‘galinheiro do Sabke’”, recorda outra filha, Clarice Sabke Bergmann, 57.

No auge, o estabelecimento realizava um a dois bailes por mês com temas estabelecidos como o kerb de janeiro, carnaval em fevereiro e Dia dos Namorados em junho. Para atrair o público, Otávio contratava ônibus para recolher os festeiros em diversas localidades da região. O motorista que juntava mais gente ganhava brindes.

Otávio e Nelci Sabke: toda a organização dos bailes era feita pela própria família, com a ajuda de parentes e vizinhos / Crédito: Arquivo Pessoal

Toda a organização era feita pela própria família (casal Otávio e Nelci com os filhos Ronésio, Rogério e Clarice) com ajuda de parentes e vizinhos. As festas costumavam iniciar às 22h30min com janta e seguiam até as 4h com as bandas.

Para Clarice, uma das festas marcantes foi o aniversário de 1983. O salão já era lembrado por oferecer carreteiro de graça para celebrar mais um ano de atividade em outubro. Naquela oportunidade também contrataram um Papai-Noel para descer de paraquedas. “Assim juntava mais de mil pessoas. Naquele ano, veio gente de tudo que era perau”, reforça.

Ronésio relembra a época em que começou a colocar som mecânico no intervalo das apresentações das bandas. No começo, o pai relutou. Mas uma noite em que o equipamento dos músicos não funcionou, foi Ronésio quem garantiu a diversão do público. “Assim surgiu o Supera Som. Depois toquei em vários outros lugares”, relembra o DJ Nésio, como se tornou conhecido nas festas.

O Salão Sabke parou de funcionar em dezembro de 2001 pela falta de alvará do governo municipal. Por volta de 2010, parte da estrutura incendiou e os irmãos decidiram demolir o restante. Hoje, o terreno é ocupado pelo neto de Otávio, Leonel Augusto.

Mesmo passada quase duas décadas do último baile, o Sabke segue na memória afetiva da população. “Quando escutam meu sobrenome, as pessoas dizem que conheceram o companheiro lá e se casaram. Meus pais eram convidados de honra na cerimônia”, conta Ronésio. “Quem foi afirma que nunca mais haverá um baile como o do meu pai”, complementa Clarice.

Clarice guarda recordações do salão como o prato comemorativo aos 35 anos e foto de apresentação das Loirinhas de Ouro / Crédito: Fábio Kuhn

Reis: salão tradicional de Cruzeiro do Sul

Quando Ricardo Reis, 57, nasceu, o salão que leva o nome da família já era popular em Picada Aurora, interior de Cruzeiro do Sul. Apaixonado por música e bailes, o pai Ivo Francisco Reis (in memoriam) construiu o prédio para complementar a renda como agricultor.

A data da primeira festa no Salão Reis é desconhecida por Ricardo, entretanto estima ter ocorrido ainda na década de 50. Os eventos iniciavam pontualmente às 23h e seguiam até às 4h da madrugada, reunindo uma média de 500 pessoas.

Pelo local passaram bandas tradicionais como Os Atuais, Barbarella, Maringá e Siderais. Em uma época de poucos veículos próprios, Ivo contratava ônibus para atrair o público aos eventos realizados cerca de uma vez por mês.

Outra estratégia para fazer o salão lotar era combinar datas com outros estabelecimentos próximos e evitar concorrência de festas. “Eram tempos diferentes. Se chovia, não vinha muita gente e já não dava lucro”, relembra Ricardo.

 

Salão Reis, em Cruzeiro do Sul, ainda preserva as características da estrutura dos tempos áureos / Crédito: Fábio Kuhn

Entre as festas marcantes, se recorda dos bailes da mandioca e da soja com o concurso do maior pé das plantas. “Os colonos colhiam só para esses bailes. A gente pendurava pelo salão”, recorda Ricardo ao destacar que todo trabalho era feito pelos pais e os outros 11 irmãos.

Com a diminuição no número de frequentadores e avanço da idade de Ito, o espaço passou por uma transformação total nos anos 80. Foi quando o irmão de Ricardo, Antenor Reis fez adaptações para inaugurar a Dance Aurora. “Ele diminuiu o ambiente e deixou mais jovem e mais escuro”, resume Ricardo.

A danceteria funcionou por aproximadamente 10 anos e também fez sucesso com a juventude da época. Festas eram todas as sextas-feiras com lotação de aproximadamente 400 pessoas. “Os eventos só acabaram depois de uma morte que aconteceu nas proximidades. Como a danceteria ficava próxima, também foi envolvida no processo”, relata.

Mesmo passados décadas do fim das atividades, a parte externa segue parecida com o que os boêmios do passado recordam. A pintura foi refeita por Ricardo com o uso de cores como o branco e marrom. “Gosto de manter essas lembranças. Foram bons momentos que passamos aqui”, afirma.

A estrutura interna sofre com a ação dos cupins, conta. A casa onde a família morava fica em anexo com o salão de festas e segue igual a época em que Ivo Francisco ainda era vivo. “Usamos algumas vezes a parte de fora para encontros da família”, conta. Os irmãos realizaram um inventário e a estrutura deverá ser adquirida por um deles: Moacir Reis.

 

Nied: quase 40 anos de sucesso em Travesseiro

Foi Arno Benjamim Nied (in memoriam) que iniciou, em janeiro de 1959, a construção de um dos primeiros salões de festas na região. A estrutura em Picada Felipe Essig, interior de Travesseiro, levava o seu sobrenome: Nied.

Contava com banheiros, duas copas, cozinha e uma ampla pista de dança. O local servia até de escola. Ali Ereno Jommertz lecionava para mais de 50 alunos da comunidade.

Ao lado direito, Nied também construiu o lar da família. Ali mora atualmente o filho Sérgio Odilo Nied, 60, que tem boas histórias do local. Somente na primeira parte do espaço foram gastos mais de 96 mil tijolos. O mestre da obra foi o tio Arno José Noé (in memoriam).

A inauguração ocorreu em 21 de novembro de 1959. Festas se tornaram rotineiras, a cada dois meses.

O principal atrativo era a pista de dança, que era em um nível mais baixo e separada das mesas que ficavam na parte lateral. Média de público era de 800 pessoas vindas da região de Pouso Novo, bairro Conventos (Lajeado), Canudos do Vale, Coqueiro Baixo, Nova Bréscia e Linha 32, interior de Arroio do Meio.

“As bandas adoravam vir aqui”, conta Sérgio Nied sobre o antigo salão da família / Crédito: Gabriel Santos

Sérgio cuidou do salão por sete anos. Era ele quem organizava as equipes com 30 pessoas para trabalhar nos dias de festa. No entorno da pista, mais de 70 mesas eram reservadas aos casais e amigos. Para Sérgio, até a acústica do espaço ajudava. “As bandas adoravam vir aqui”. Em noites mais cheias, quatro ônibus vinham até o local e muitos casais vinham a pé.

Na década de 90, a queda no movimento dos bailes no Salão Nied culminou com o fim de fechamento de muitos grupos em Picada Felipe Essig.

Os últimos eventos foram em 1996, entretanto Sérgio não recorda precisamente as datas. Para ele, a construção do novo salão de esportes da Sociedade Esportiva Cultural que sedia bailes tradicionais como o Kerb, até hoje, acabou auxiliando para o término dos eventos no Salão Nied.

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