O Vale e mais cinco não elegem deputados

28 coredes do rs

O Vale e mais cinco não elegem deputados

A região já foi representada por mais de 20 deputados estaduais e federais desde a década de 1930. Nos últimos anos, perde expressão política. O RS é dividido em 28 conselhos de desenvolvimento regionais, os Coredes. Desses, 22 elegeram ao menos um representante político para atuar na Assembleia ou no Congresso Nacional. O Vale do Taquari está entre os seis órfãos e adotou Edson Brum para ser o expoente. Com mais de 280 mil eleitores, a região amarga a ausência de líderes locais nas principais cadeiras legislativas do país

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O Vale e mais cinco não elegem deputados
Vale do Taquari
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Reeleito no domingo, o deputado estadual Edson Brum (MDB) mora em Encantado, tem vínculos com a região, mas sempre teve domicílio eleitoral no Vale do Rio Pardo. Lá, o Corede vibra com a eleição dele e de outros quatro representantes: Adolfo Brito (PP), Kelly Moraes (PTB)e Luiz Fernando Mainardi (PT) garantiram vaga na Assembleia gaúcha. Marcelo Moraes e Heitor Schuch (PSB) foi reeleito à Câmara federal.

O Vale do Rio Pardo tem 330 mil eleitores, 50 mil a mais que o Vale do Taquari. “Mas o segredo do nosso sucesso no pleito eu não posso contar. Assim, vocês vão descobrir e fazer igual e nós vamos sair prejudicados”, brinca o presidente do Corede/VRP e vice do Fórum de Coredes do Rio Grande do Sul, Heitor Álvaro Petry.

Para ele, a opção de votar em candidatos locais virou cultural. “Focamos muito em nossos representantes. Realizamos ações no sentido de deixá-los informados sobre as demandas e projetos para os nossos municípios, sobre nosso planejamento estratégico. Fizemos um encontro com todos os candidatos, tanto para ouvi-los como para apresentar uma síntese de todas as nossas propostas”, relata.

Heitor Álvaro Petry

Ainda de acordo com Petry, as campanhas capitaneadas pelos partidos e pelos correligionários também abordaram o tema das candidaturas locais e regionais. “Fica mais fácil porque já existe uma consciência muito forte por parte do eleitor e do próprio conselho, que desde o início tinha essa preocupação de seguir com representantes, independente de questões ideológicas”, ressalta.

O presidente do Corede VRP aproveita para provocar os gestores do Vale do Taquari. Para ele, razões, geográficas e históricas, bem como as estruturas fundiárias semelhantes aproximam cada vez mais as duas regiões. “Penso que deveríamos trabalhar uma integração maior entre os nossos vales, principalmente no campo político. Temos tudo para nos reforçarmos. Outras regiões, a serrana, por exemplo, faz isto muito bem. São muito mais articulados politicamente”, aponta.

“Prevalece a visão individual”

A presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Cíntia Agostini, lamenta a falta de representatividade política, tanto em Porto Alegre como em Brasília. Mas faz um alerta. “Não temos representantes com domicílio eleitoral aqui, Mas isso não quer dizer que outros deputados não tragam melhorias à região, ou que não trabalham pelo Vale”, observa.

Ela também fala sobre a quantidade de concorrentes locais. “Isso fez com que se diluíssem os votos, e não conseguimos eleger ninguém. Na eleição passada, foi assim. Todos os deputados de fora e que foram eleitos fizeram votos no Vale. Alguns mais, outros menos.”

Cíntia critica a escolha por candidatos sem vínculo com os municípios do Vale. “Votar em quem não nos conhece, para mim, é um prejuízo social muito grande.”

A presidente do Codevat também avalia a falta de senso coletivo entre correligionários, eleitores e siglas. “Está saliente a visão individual. A visão particular das coisas, prevalecendo sobre o coletivo. Partidos com mais de um candidato são a prova disso”, lamenta.

“O Vale é mais importante do que os partidos”

A Câmara da Indústria e Comércio do Vale do Taquari (CIC-VT) trabalhou na conscientização dos associados e da comunidade regional durante esse pleito, avalia o presidente da organização, Pedro Barth.

Segundo ele, outros organismos do Vale também foram consultados para contribuir nessa divulgação dos políticos com ligação local. “O problema foi o número de candidatos”, resigna-se.

Para Barth, o número elevado de postulantes dividiu os votos. “Falhamos nessa questão. Deveriam ser menos nomes. Esse foi um exemplo que não podemos mais seguir essa fórmula.”

Na avaliação do presidente da CIC-VT, o sistema político-partidário é colocado acima dos interesses da região. “O Vale é mais importante do que os partidos.”

Conscientização coletiva

Como cada partido coloca seus próprios candidatos, os votos do eleitorado regional ficam dispersos. “O motivo central é a falta de união. Nossas cidades estão perto uma das outras, mas não conversam entre si.”

Para reverter esse quadro de afastamento entre as cidades, Barth sugere uma aliança intrapartidária e a busca de nomes de consenso junto com os prefeitos e vereadores. “O Vale do Rio Pardo nos deu um laço. Colocaram cinco deputados.”

Dos 28 Coredes, apenas seis não elegerem deputado. Entre eles, o Vale do Taquari

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“O Vale não perde. Deixou de ganhar.”

Ao contrário dos demais integrantes de instituições de classe, a presidente da Associação Comercial e Industrial de Encantado (Aci-E), Renata Galiotto, está otimista com a representação do Vale.

Como a dissonância partidária é uma realidade e a eleição comprovou a dificuldade do Vale em colocar políticos locais nas cadeiras dos parlamentos, a região precisa fortalecer os líderes que participaram do pleito. “O Vale não perde. Deixou de ganhar.”

Para ela, já não havia uma representação política significativa antes. “Neste ano, houve muitas candidaturas. Se formos ver no geral, os políticos locais tiveram uma votação expressiva, mas insuficiente para se elegerem.”

Políticos da região saíram do anonimato e se apresentam como possíveis dirigentes de instituições públicas para os próximos governos, avalia a presidente da Aci-E. “Temos um candidato na Assembleia (Edson Brum). Reclamávamos que os políticos da região não emplacavam. Então surgem vários nomes na eleição e com uma votação expressiva. Eles levaram o Vale, divulgaram nossa região com dignidade e humildade. Hoje estão aptos para exercer cargos de liderança.”

Queda histórica

Há 20 anos as notícias eram bem mais animadoras nas páginas de política dos principais jornais do Vale do Taquari. Em 1998, a mesma região que hoje padece de representantes políticos comemorava a eleição de três candidatos à Assembleia Legislativa e à Câmara dos Deputados.

No dia 7 de outubro daquele ano, Luís Fernando Schmidt, do PT, e Elmar Schneider, do PMDB, garantiram vagas diretas como deputados estaduais. O primeiro, representante de Lajeado, com 25 mil votos. Já o estrelense garantiu uma cadeira com 25,2 mil votos. No âmbito federal, Enio Bacci (PDT) confirmou o segundo mandato no Congresso, com apoio de quase 50 mil eleitores.

Vinte anos antes, em outubro de 1978, as capas dos jornais eram ainda mais empolgantes. O ainda denominado “Alto Taquari” elegia cinco deputados – quatro para o parlamento gaúcho, e um para atuar em Brasília. Respectivamente, foram eleitos Guido Moesch e Antonino Fornari pela Arena, e Gabriel Mallmann e Élio Corbellini pelo MDB. José Fregapani, também do MDB, foi reeleito para o Congresso.

Em outubro de 2018, apenas Edson Brum (MDB), morador de Encantado, mas com domicílio eleitoral no Vale do Rio Pardo foi eleito. Eram 27 postulantes com vínculos com o Vale do Taquari. Dois deles foram eleitos em 1998. Bacci e Schmidt buscavam novas vagas na Assembleia. Ambos fracassaram.

Bacci, em entrevista concedida à emissora de rádio local, logo após o anúncio da derrota, culpou os partidos pela expressiva derrota do Vale do Taquari perante os outrosCoredes. Para ele, houve exagero no número de candidatos.

O pedetista era o único concorrente do partido nas principais cidades do Vale. Já o petista teve que disputar uma vaga na Assembleia contra outro candidato do PT, Sérgio Kniphoff, também de Lajeado. Assim como Schmidt, o pediatra buscou votos dos militantes do partido no maior colégio eleitoral da região.

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“Situação complicada do PT”

Presidente do PT lajeadense, Carlos André Nunes admite o equívoco do partido. “A democracia interna permite mais de um candidato por cidade. Mas, talvez tenha sido um dos equívocos, não optarmos por um candidato apenas por região, em Lajeado.” Segundo ele, o momento é de reavaliação de estratégias. “Deveríamos ter conversado mais.”

“Divergências de posicionamento”

A ex-vereadora de Teutônia, Mareli Vogel (PP), foi uma das postulante à Assembleia. Aplicou mais de R$ 400 mil na campanha. Ela reclama a falta de comprometimento partidário. “Às vésperas da convenção, tudo mudou. Não tivemos mais candidato a governo, tivemos muitas divergências de posicionamento internas, e os líderes partidários se dividiram em diferentes opiniões e apoios, não seguindo mais uma orientação do partido”, resume.

Ainda de acordo com Mareli, tais problemas envolveram diversos outros partidos. “A maioria das candidaturas locais foi solo”, resigna-se. “Precisamos da reforma política, e reduzir o número de partidos e implantar o voto distrital. Acredito que o Vale do Taquari só terá êxito quando houver voto distrital”, atesta.

Maioria para fora

A região tem representantes de instituições sociais e públicas que cumprem um papel estratégico e de defesa dos interesses regionais. Por outro lado, a representação política perde espaço.

Essa tendência foi confirmada no resultado das urnas no dia 7. Por conveniência, afinidade partidária ou apoio pontual com destinação de emenda, cada microrregião, prefeito ou mesmo vereador, confirma apoio para candidatos diferentes. Sem unidade na hora do voto, perdem-se oportunidades de colocar o Vale do Taquari na discussão diária dentro dos parlamentos gaúcho ou nacional.

Dos 241.224 eleitores que compareceram às urnas, menos de 65 mil votaram em pessoas do Vale do Taquari a uma vaga na Assembleia Legislativa. Para postulantes com origem em outras regiões, foram quase 140 mil votos.


Quase 80% dos 852 candidatos a deputado estadual fizeram voto na região

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O Vale do Taquari continua sendo terra fértil para os candidatos de todo estado buscarem votos. No domingo, 7, dos 852 concorrentes à Assembleia Legislativa, 682 receberam votos em uma das 38 cidades da região (contando os 17 da região). A descrença com os candidatos locais está traduzida em outro dado. Votos brancos, nulos e abstenções somaram mais do que o total de votos recebidos pelos concorrentes da região, seja para federal ou estadual.


Formação cultural

Para o doutor em sociologia e professor da Univates, Renato de Oliveira, a história da formação do Vale do Taquari indica uma tendência para esse comportamento. “A nossa região é heterogênea. Há microrregiões dentro do Vale. Pela ocupação histórica, há uma herança cultural agregada.”

A imigração européia, de lusitanos, alemães e italianos, diz Oliveira, divide as preferências políticas na hora do voto. “Isso é muito relevante, pois nenhum candidato pode reivindicar uma identidade regional. Diferente da região da Serra, em que há uma predominância italiana. Mesmo as outras etnias foram integradas na dinâmica desencadeada por essa identidade.”

Como exemplo cita o ex-senador Pedro Simon. “Ele começou a carreira política na Serra, mesmo não tendo descendência italiana.”

Fragilidade das instituições

Para o pesquisador, há também a dificuldade das organizações civis serem reconhecidas pela sociedade local. “As entidades têm pouca força política. Elas representam setores localizados, mas não estão presentes em mais esferas da sociedade.”

Na avaliação dele, a Univates é a instituição mais próxima de cumprir esse papel. “Ainda assim, a universidade é muito recente em termos históricos. Mas pode assumir a representação social.”Segundo ele, isso não significa ser político partidário, mas estar presente na relação direta com a sociedade, sendo o fórum de debate dos problemas e soluções regionais.

Renato de Oliveira

Entrevista

“Não adianta defender a região só no discurso”

Renato de Oliveira avalia o resultado dos políticos regionais. Para ele, há uma conjunção de fatores para a dificuldade em eleger políticos locais.

A Hora – O que faz uma comunidade apostar em candidaturas locais?

Oliveira – Terem propostas que valorizem a localidade. Com base em dados da realidade local.
Não adianta defender a região só no discurso. É preciso mostrar algo novo para os eleitores. Algo que eles não percebam. Um exemplo é o projeto ambicioso da Univates na área de saúde. Se concretizado, vai mudar o perfil do Vale. Os candidatos não falaram sobre isso. Não se interessam, muitos sequer sabem desse movimento. Então não tem como valorizar os candidatos daqui se eles não valorizam os problemas e as soluções locais.

A maioria dos eleitores da região preferem votar em candidatos de fora. A que se deve essa escolha?

Oliveira – Votam em candidatos com maior capacidade de penetração dentro dos moldes da política. Às vezes o voto para fora pode ser um recado. O eleitor pode estar dizendo que a região precisa se projetar para fora. Expandir seus limites. Ser maior e mais importante.

Faz anos o Vale do Taquari discute sobre a baixa representatividade política. Ainda assim, não consegue mudar esta realidade. Qual sua opinião sobre isso?

Oliveira – Acredito que o vale deveria cria uma espécie de movimento. Um fórum de discussão dos problemas locais. Nesse ambiente, é preciso ficar explícito o propósito para formar novos líderes.

Não ficar só ao sabor de conveniência e iniciativas pessoais. Tem de ser algo orgânico, respeitando as diversas correntes políticas e ideológicas. Não seria no sentido do que há hoje, em que empresários começam a formar indivíduos para defenderem sua agenda.

Mas um fórum para troca de ideias, multisetorial, que coloque os temas mais importantes para todo o Vale.
A falta de representatividade política é um sintoma da fragilidade das instituições que atuam na região.

Teve partido colocando até dois candidatos aqui na região. Isso ajuda a explicar a dificuldade de emplacar um ou outro nome?

Oliveira – Dissonância partidária não ajuda a explicar esse fraco desempenho. Nesse ponto de vista, os partidos políticos estão de costas à sociedade. As siglas estão mais preocupadas com suas conveniências do que com a comunidade.

Essa é uma das causas para toda essa crise política, econômica e de credibilidade das instituições nacionais.

Rodrigo Martini: rodrigomartini@jornalahora.inf.br | Filipe Faleiro: filipe@jornalahora.inf.br

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