“Consistência é a palavra-chave para obter resultados em educação”

AO MESTRE COM CARINHO

“Consistência é a palavra-chave para obter resultados em educação”

Federico Malpica é diretor e fundador do Instituto Escalae e doutor em Ciências da Educação (UAB). Desde 1998, trabalha no acompanhamento e formação nas áreas da qualidade e inovação da educação, direção estratégica, desenvolvimento organizacional, liderança e gestão de mudanças, bem como na transformação da prática docente. Coordenou intervenções educacionais, nas esferas públicas e privada em vários países ibero-americanos

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“Consistência é a palavra-chave para obter resultados em educação”
Vale do Taquari
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Nos estudos de Malpica, ele reforça a necessidade de ampliar o trabalho colaborativo entre os docentes e com a liderança de diretores com foco estratégico. A inovação pedagógica sustentável baseada nesses dois preceitos é uma das chaves para a transformação educativa defendida pelo Instituto Escalae.

Malpica foi um dos palestrantes no Fórum Internacional da Educação, que ocorreu em julho em Estrela. O professor e pesquisador, natural do México, é doutor pela Universidade Autônoma de Barcelona.

A base dos estudos de Malpica defende a ideia de que o conhecimento é construído. Para que isso ocorra, a educação deve criar métodos que estimulem esse processo. Em suma, ensinar o aluno a aprender.

Essa linha pedagógica entende que o aprendizado se dá em conjunto entre professor e estudantes. O mestre como um mediador do conhecimento que o aluno já tem e um facilitador para busca de novas informações, criando condições para que o estudante vivencie situações e atividades interativas nas quais ele mesmo constrói o seu saber.

Essa filosofia é inspirada na obra do biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980).

No meio acadêmico, se defende a formação do docente construtivista, mas quando chega à sala de aula ele se depara com uma prática tradicional. Como é possível romper essa barreira da teoria com a prática?

Federico Malpica • Cada professor desenvolveu sua prática educacional mais ou menos da mesma maneira: por meio da observação sistemática das práticas educativas (enquanto ele era um estudante) e depois, praticando para si mesmo (já como professor).

No entanto, a maioria da formação tradicional de professores não contém nenhuma das duas atividades. As formações não oferecem demonstrações de observação nas salas de aula ou prática suficiente com ajuda para desenvolver as competências necessárias. Portanto, é necessário repensar a formação de professores para que seja realmente construtivista.

Para isso, os professores devem ter espaço, tempo e apoio suficientes em sua própria escola, observar as práticas que eles querem desenvolver em sala de aula e praticar com feedback construtivo até que sejam capazes de fazê-lo de forma autônoma.

Os cursos tradicionais de formação de professores podem servir como uma parte inicial do processo, mas a transferência para a prática não está no curso, mas na prática de colegas em sua própria escola.

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Quais práticas podem contribuir para a implantação de uma escola mais colaborativa?

Malpica • Não podemos fingir que temos uma escola colaborativa se o corpo docente não for capaz de colaborar. Como pretendemos que nossos alunos aprendam uns com os outros se os professores não conseguirem aprender com o professor que está na próxima sala de aula.

Existem duas estruturas básicas que cada escola deveria incentivar para desenvolver a competência colaborativa entre os professores. Por um lado, sessões periódicas, sistemáticas e específicas onde os professores podem concordar com protocolos metodológicos sobre como ensinar em sala de aula. Além disso, os professores precisam de tempo para poder observar outros mestres em sua prática e ser observados por seus colegas.

Essas duas estruturas não são apenas educativas. Qualquer profissão moderna no século 21 tem essas duas maneiras de trabalhar. Médicos, engenheiros, cientistas da computação, advogados, arquitetos, enfim, a maioria das profissões liberais tem espaços para treinar entre iguais e gerar sua própria comunidade de aprendizagem profissional.

Para Malpica, uma das formas de desenvolver a educação colaborativa é promover reuniões periódicas e ser expectador dos colegas nas aulas

Para Malpica, uma das formas de desenvolver a educação colaborativa é promover reuniões periódicas e ser expectador dos colegas nas aulas

Qual o papel do professor nesse processo?

Malpica • Em um ambiente escolar colaborativo, onde uma comunidade de aprendizagem profissional se desenvolve, o papel do professor deve mudar.

O professor, que historicamente tem sido um aplicador profissional de receitas que vêm de cima (da equipe de gestão, da administração educacional), ou receitas que vêm de fora (de editores, de pressões sociais, de testes padronizados internacionais), ele tem que se tornar um profissional estratégico, capaz de refletir sobre sua própria prática de uma maneira bem fundamentada (explicando por que ele faz o que faz em sua aula) e um profissional capaz de compartilhar sua prática com outros colegas, aprender com os outros, ensinar os outros e desenvolver uma prática cada vez mais coletiva.

Por que é tão importante esse trabalho colaborativo entre os professores?

Malpica • Existem muitas razões, mas eu gostaria de destacar uma, que é mais contundente, e está relacionado com às dez competências básicas encontradas na Base Nacional de Currículo Comum do Brasil. Não há professor neste país que possa garantir que ele ou ela possa ensinar sozinho, e que seus alunos aprendam essas dez habilidades básicas. A razão é a falta de tempo.

A grande maioria dos professores no Brasil tem os mesmos alunos apenas por um ano letivo. Nenhuma das dez competências essenciais do BNCC pode ser desenvolvida em um ano. Os alunos levarão anos para desenvolvê-los. Possivelmente, eles precisarão dos 13, 14 ou 15 anos que estarão no ensino pré-universitário.

Tendo isso em mente, a única maneira de garantir os alunos é desenvolver verdadeiramente as competências básicas, é que os professores podem colaborar para desenvolver formas de ensino coletivo que se alinham e se formam ao longo de sua formação.

A abordagem baseada em competências requer necessariamente uma prática de ensino colaborativa. Ou dito de outra forma, ensinar (e avaliar) por competências individualmente é tecnicamente impossível.

Quais os possíveis resultados dessa inovação?

Malpica • Se numa escola somos capazes de concordar sobre o que é certo e necessário para garantir que nossos alunos possam desenvolver as dez habilidades básicas, nós teremos dado uma volta completa na educação tradicional. Teremos conseguido dar consistência ao processo de ensino-aprendizagem. Consistência é a palavra-chave para obter resultados em educação, a imagem da gota que pouco a pouco está perfurando a rocha.

Este é o grande segredo dos sistemas educacionais mais avançados do mundo, como o finlandês. Simplesmente, eles são sistemas altamente consistentes.

Malpica defende a ideia da construção do conhecimento, seria como ensinar o aluno a aprender

Malpica defende a ideia da construção do conhecimento, seria como ensinar o aluno a aprender

Correntes de pensamento sobre a docência reforçam o empoderamento dos professores. O que isso significa?

Malpica • Historicamente, as decisões sobre o que deve ser ensinado e como deve ser ensinado e avaliado foram tomadas por instâncias superiores aos professores. Eles não foram considerados nesse processo. Nem mesmo para decidir o que eles têm que fazer. Os diagnósticos e tratamentos (isso é, catálogos de cursos, programas de treinamento, etc.) foram desenvolvidos fora da sala de aula e, muitas vezes, fora das escolas, por agentes externos.

Com os professores empoderados, significa que eles participam de diagnósticos e tratamentos sobre o que deve ser ensinado e como deve ser ensinado em uma escola. Que eles também participem do diagnóstico e desenho dos acordos metodológicos a serem desenvolvidos em sua escola, para que mais tarde eles também tenham a vontade e disposição para iniciar esses acordos, revê-los, avaliá-los, até se tornarem hábitos de ensino coletivo. Em suma, trata-se de tornar os próprios professores protagonistas de seu desenvolvimento profissional.

Como o diretor da escola precisa agir para garantir essa liberdade ao professor?

Malpica • Diretores de escolas devem fomentar uma cultura de trabalho na qual o desenvolvimento de práticas educacionais efetivas seja encorajado, alinhado com a aprendizagem que você deseja alcançar no final do treinamento. Essa cultura de trabalho deve permitir que os professores façam parte da tomada de decisão sobre os protocolos de trabalho em sala de aula, bem como sobre os processos de formação e transferência para as salas de aula.

Os diretores das escolas devem desenvolver uma liderança distribuída e assumir o papel de verdadeiros facilitadores de seus professores, oferecendo espaço, tempo e apoio para que possam refletir sobre sua prática educacional e para que possam colaborar efetivamente no desenvolvimento e transferência de melhorias e inovações para as salas de aula.

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Sobre a avaliação dos alunos. Qual o método mais indicado?

Malpica • O método mais indicado é aquele que permite obter dados sólidos do ponto em que cada aluno se encontra em sua aprendizagem e isso permite determinar qual é o próximo passo a ser dado àquele aluno em seu processo de aprendizado. Tudo o que pode ser aprendido, pode ser avaliado, a chave é que nem tudo pode ser avaliado pelo mesmo professor, porque ele não tem tempo suficiente para que seus alunos façam isso.

Portanto, parte da avaliação deve ser compartilhada, onde todos os professores de um estudante fornecem dados comparáveis ​​que permitam determinar qual é a sua situação atual em um aprendizado particular. Toda avaliação deve ser formativa, uma avaliação autêntica que ajudaria o aluno a ter consciência de seu próprio processo de aprendizagem e estimulá-lo a querer continuar aprendendo, a traçar uma rota individualizada de melhoria.

Evidentemente, as avaliações feitas pela maioria dos professores não contemplam essas variáveis ​​mencionadas. São testes que são construídos não em função de cada aluno, mas em função da classe de grupo (avaliação que segue a curva normal, elaborada para que nem todos obtenham 10 nem todos obtenham 0).

Além disso, a maioria avalia apenas os aspectos disciplinares do corte factual e conceitual, mas eles deixam componentes interdisciplinares, tanto processuais quanto de atitudes, que também estão desenvolvendo seus alunos.

A avaliação por competências necessita, portanto, de uma avaliação diagnóstica, que também leve em conta os diferentes componentes das competências e dados oferecidos por diferentes professores para saber onde cada aluno está (não com respeito ao grupo de classe, mas com relação a si mesmo) e qual é o seu desafio acessível.

Como descobrir as potencialidades dos alunos e reduzir as suas dificuldades?

Malpica • Devemos assumir que cada um é diferente e tem diferentes ritmos e estilos de aprendizagem. O que um professor espera de seus alunos geralmente acaba sendo o correto. Se esperarmos pouco, vamos conseguir pouco, se esperarmos muito, teremos muito deles.

A partir daqui, os alunos devem ser submetidos a diferentes estímulos, maneiras diferentes de fazer as coisas, que cada um pode se expressar do que é seu e que lhe permite tornar visíveis seus próprios talentos pessoais. Se um estudante sente que está bem, se se sente valorizado pelo seu talento, encontra o seu lugar no grupo e é bem sucedido na aula, assim se reduz muitíssimo as dificuldades.

O problema está quando tentamos oferecer o mesmo a todos os alunos e não somos capazes de administrar a diversidade para que todos possam ter êxito.

É difícil mudar um sistema de ensino já estabelecido. Como isso pode ser feito?

Malpica • Sobre tudo, é necessário tempo. Para conseguir dar a volta em um ensino com foco nos conteúdos para uma educação com foco nas competências leva pelo menos dez anos.

Querer mudar rapidamente, a partir da introdução de grandes alterações na escola, só levará à frustração e à opressão. Na nossa pesquisa, verificamos que grandes mudanças geram grande resistência que são muito difíceis de administrar, no entanto, pequenas correções provocam pequenas resistências que são mais fáceis de manejar por parte dos diretores e dos professores.

Ademais, uma pequena mudança, uma microestrutura de trabalho incorporada por todos e cada um dos professores de uma escola tem uma grande força para os alunos que passarão por todas as salas de aula.

Cada pequeno acordo do corpo docente consegue melhorar a consistência no processo de ensino-aprendizagem e, portanto, tem o poder de alterar os resultados de aprendizagem nos alunos. É à força de mudança que as comunidades de aprendizagem profissional têm.

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