“Ou cuidamos da água ou nos matamos”

Pensar o Vale

“Ou cuidamos da água ou nos matamos”

Encontro O Mundo Com Sede destacou a necessidade de investir na preservação dos recursos hídricos. Durante cerca de duas horas, quatro especialistas debateram os limites e alternativas para melhorar a qualidade da água.

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“Ou cuidamos da água ou nos matamos”

O debate, que faz parte do projeto Pensar o Vale, foi dividido em quatro blocos. Os participantes iniciaram a conversa a partir da necessidade de conscientizar a sociedade sobre o uso responsável da água. Os quatro debatedores foram unânimes ao apontar avanços no comportamento da sociedade.

Mesmo assim, o diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária no Rio Grande do Sul (Abes), Ricardo Röver Machado, destacou a necessidade de uma mudança cultural, especialmente em regiões à beira de grandes rios. “Nós já sentimos diferenças, as pessoas estão, cada vez mais, restringindo o consumo de água. Hoje é inadmissível escovar os dentes com a torneira aberta.”

Machado considera o processo de conscientização lento e gradual, mas destaca que pode ser antecipado após grandes crises. “Tivemos uma estiagem bastante forte no RS entre os anos de 2011 e 2012 que mobilizou a sociedade gaúcha.”

Professora do curso de Engenharia Ambiental da Univates, Maria Cristina de Almeida Silva, considera que os problemas enfrentados em outros anos foram fundamentais para modificar os hábitos de utilização da água. “Em tempos remotos, houve todo o problema de poluição, isso tudo trouxe à tona a exigência da fiscalização. Hoje as pessoas estão muito mais alertas com a preservação dos recursos.”

Outro aspecto apontado pelos participantes foram as chamadas “perdas invisíveis.” Estudos apontam que cerca de 39% da água tratada pela Corsan é desperdiçada. Desses, 24% é perdida por causa de vazamentos na rede de distribuição. A solução passa pelas empresas de distribuição, sejam elas públicas ou privadas.

Para melhorar a eficiência, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) tem investido em medidas de combate aos vazamentos. Superintendente da Companhia, Felipe Agostinho Caimi garante que um sistema mais qualificado de monitoramento está sendo testado.

“Para combater esse desperdício, a Corsan está implantando o sistema de controle operacional.”  De acordo com Caimi, esse modelo deve evitar o desperdício.

“Esse centro de controle tem uma visão total do sistema, com informação dos níveis de reservatório, temperatura dos motores e reduções de pressões.” O superintendente garante que a pressão da água é o principal causador de vazamentos nas tubulações.

A medida é elogiada por Machado, que considera a mudança como uma forma de tornar o combate aos vazamentos mais preciso. “Não adianta trocar as redes, é preciso saber onde trocar.” O novo sistema já foi testado parcialmente em Canoas e, segundo Machado, gerou uma economia de R$ 160 mil mensais aos cofres da Corsan.

Potencial poluidor

A conscientização em relação ao consumo não foi seguida pela necessidade de cuidar das fontes hídricas. Maior bacia do país em termos de pessoas atendidas, a Taquari-Antas é responsável por 56% da carga orgânica despejada no lago Guaíba.

O presidente do Comitê Gestor da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas, Júlio Salecker, contestou a ideia de que a região tem farta oferta de água. “Não temos muita água porque falta qualidade. Não adianta termos esse grande volume de água, como em Lajeado, se ela não está em condições de ser consumida.”

No Dia Mundial da Água, A Hora promoveu mais uma edição do ciclo de debates do Pensar o Vale. Quatro especialistas trataram dos desafios para melhorar a qualidade e preservar os recursos naturais

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Mudança de prioridade

Uma das grandes responsáveis pela poluição de rios, mananciais e açudes é a falta de tratamento de esgoto. De acordo com a professora da Univates, o tema está longe de ser uma prioridade dos governantes. “Infelizmente saneamento é visto como despesa. Além disso, as obras não são visíveis para fins eleitorais.”

Essa situação é resultado de uma política adotada na década de 70, quando o governo federal priorizou a distribuição de água. Hoje, 98% das áreas urbanas são abastecidas. Em contrapartida, menos de 30% do esgoto é tratado.

A principal justificativa para falta de investimentos é o custo envolvido na rede de esgoto. Salecker critica a posição de quem usa os custos da operação como motivo para não gastar com saneamento.

“Vamos nos matar, como raça humana pela quantidade de agrotóxico que jogamos nos alimentos e pelo esgoto na água. Temos que mudar o paradigma, e parar de dizer que é caro.” A afirmação de Salecker é comprovada na região, já que a bacia Taquari-Antas é a que tem o maior número de doenças vinculadas a problemas na água do estado.

O que disseram os debatedores

2017_23_03_anderson_lopes_julio_Salecker _presidente_taquari_antasJúlio Salecker, presidente do Comitê Gestor da Bacia Taquari-Antas

Desperdício

“O usuário ainda não está sendo cobrado por metro cúbico de água. A Corsan terá de pagar pela água que toma do manancial, hoje ela não paga por isso. Quando não paga pelo que está usando, não se cuida tanto assim do recurso.”

Poluição

“Lajeado é o terceiro maior poluidor urbano dos 120 municípios da bacia Taquari-Antas, e a bacia é responsável por 56% da matéria orgânica despejada no Guaíba. Vamos chamar uma reunião no município, chamando a Corsan e o prefeito do município para debater o assunto.”

Saneamento

“Não temos muita água porque temos problema na qualidade. A escassez não pode ser vista apenas na quantidade, porque se você não pode tomar ela também está escassa. Não adianta termos esse grande volume de água, como em Lajeado, se ela não está em condições de ser consumida e o processo para tornar ela potável é muito caro.”

2017_23_03_anderson_lopes_Maria Cristina de Almeida SilvaMaria Cristina de Almeida Silva, professora do curso de Engenharia Ambiental da Univates

Desperdício

“É importante a modificação do pensamento das pessoas para garantir esse recursos às novas gerações. Em tempos remotos, houve todo o problema de poluição, podemos falar de falta de fiscalização, controle e monitoramento, mas isso tudo trouxe à tona a exigência da fiscalização.”

Poluição

“Hoje a tendência é que as pessoas tenham todas as informações, e estão muito mais alertas com a preservação dos recursos.”

Saneamento

“Infelizmente o saneamento é visto como despesa e não como investimento. Outro problema é que boa parte das obras é escondida e não aparece para a população. Além disso, muitas delas precisam quebrar calçadas, e isso gera um atrito com a população.”

 

2017_23_03_anderson_lopes_Ricardo Röver MachadoRicardo Röver Machado, diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária no Rio Grande do Sul.

Desperdício

“Como a distribuição da água é desigual as culturas acabaram se desenvolvendo de forma diferente. Quando vivemos às margens de rios caudalosos, vemos que a cultura é muito diferente de onde os mananciais são escassos. Nesses locais, sentimos a importância que as pessoas dão aos açudes.”

Poluição

“Os agentes poluidores são muito diversificados. A indústria é uma grande poluidora, assim como agropecuária e o esgotamento sanitário, este último é um problema antigo. Os Comitês Hidrográficos conseguem congregar os setores. Os resultados ainda são poucos, mas não há dúvida quase está avançando bastante.”

Saneamento

“Os esforços que as empresas de saneamento fazem para adquirir recursos para as obras de esgoto, que são caríssimas, custando até seis vezes mais que a distribuição. E mesmo assim, as redes passam na frente da casa das pessoas muitas vezes, mas elas não se ligam.”

2017_23_03_anderson_lopes_Felipe Agostinho CaimiFelipe Agostinho Caimi, superintendente regional da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan)

Desperdício

“Para combater as perdas invisíveis, a Corsan está implantando um sistema de controle operacional, o qual vai monitorar todo o sistema da cidade. Esse centro de controle vai monitorar níveis dos reservatórios, temperatura de motores e reduções de pressões da água 24 horas por dia.”

Poluição

“Sentimos uma carência muito grande da fiscalização por parte da prefeitura. Os sistemas mais antigos, como fossas e poços artesianos, são fiscalizados apenas no início, e depois não há monitoramento para saber se não existe vazamento ou outros problemas.”

Saneamento

“Fazemos o investimento, construímos a rede de saneamento e as pessoas não se ligam. Agora existe uma lei que vai cobrar a disponibilidade, a partir de 2018 quem não se ligar vai pagar o dobro. É frustrante investir em uma rede de distribuição e ela não ser utilizada”

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