Audiência expõe efeitos dos agrotóxicos

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Audiência expõe efeitos dos agrotóxicos

Pesquisadores e agricultores relatam prejuízos à saúde e ao meio ambiente

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Audiência expõe efeitos dos agrotóxicos
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Cerca de 250 pessoas participaram de audiência pública promovida ontem à tarde pelo Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. O evento, no auditório Itália da prefeitura, foi coordenado pelos Ministérios Públicos Federal, Estadual e do Trabalho ouviu relatos de agricultores e pesquisadores sobre os efeitos do uso de pesticidas.

A abertura ficou a cargo da doutora em Ciências Farmacêuticas pela USP e professora da UPF, Mara Regina Calliari Martin. Na palestra, a pesquisadora mostrou pessimismo ao mostrar que os índices de consumo e contaminação por agrotóxicos estão mais altos na comparação com anos anteriores. Mara criticou a bancada ruralista e as multinacionais que apoiam a mudança da palavra “agrotóxico” para “defensivos agrícolas” nas embalagens. “Na verdade, são venenos”.

Segundo ela, os agrotóxicos são xenobióticos, compostos químicos estranhos a um organismo ou sistema biológico. Lembra que desde 2008 o Brasil é o primeiro colocado no ranking do consumo desses produtos. As culturas com mais utilização de veneno são soja, milho, cana-de-açúcar e algodão.

Professora-adjunta da Uergs na área de ciências da vida e meio ambiente, Elaine Biondo apresentou dados de pesquisa realizada no Vale do Taquari. Conforme o estudo, 85% dos produtores confirmaram a utilização de químicos em suas culturas.

Elaine sugeriu a realização de novas pesquisa sobre o tema e destacou a produção de documentários sobre os malefícios da pulverização aérea das lavouras. Para ela, é preciso difundir o cultivo de alimentos sem veneno, inclusive no currículo dos ensinos Fundamental, Médio e Superior.

Em seguida, representantes de órgãos públicos, associações civis, estabelecimentos de saúde, conselhos, universidades e movimentos sociais organizados fizeram uso da palavra. Nos depoimentos, abordaram a proibição de pulverização aérea e o cumprimento do Código de Defesa do Consumidor nos rótulos das embalagens, com a indicação do uso de agrotóxicos na produção dos alimentos.

Também defenderam a produção do milho crioulo e a preservação do patrimônio genético das culturas e alertaram sobre a relação entre o uso de pesticidas e a diminuição na população mundial de abelhas.

Conforme Mara Regina Martin, Brasil lidera uso de agrotóxicos no mundo

Conforme Mara Regina Martin, Brasil lidera uso de agrotóxicos no mundo

Produção orgânica

Professor aposentado e produtor orgânico de Lajeado, Pedro Squarcieri defendeu mais estímulos para a modalidade. Ele também sugeriu a criação de mecanismos de punição para produtores que não respeitarem os limites para o uso do agrotóxico.

“A educação tem que se comprometer com o ambiente, a natureza”, afirmou. Squarcieri também defendeu uma maior divulgação das produções orgânicas e seus efeitos em benefício da saúde dos consumidores.

Coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Maurício Queiroz questionou sobre a garantia de que os agricultores e povos que produzem alimentos com sementes crioulas não sejam contaminados pelo milho transgênico.

“O milho é de polinização aberta e se houver lavouras de transgênicos com floração no mesmo período, mesmo que a quilômetros, haverá contaminação”, alega.

Para o agricultor Ângelo Cristian Weizenmann, de Arroio do Meio, a grande maioria dos pequenos e médios produtores que vê no cultivo orgânico uma alternativa de renda precisa de investimentos para continuar no campo e não recebe incentivos.

“[…]pela população, chegávamos a 5,2 litros por habitante ao ano. Consumíamos mais agrotóxicos do que vinho.

“A produtividade não aumentou em decorrência de transgênicos e agrotóxicos”

Vice-reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul, Antônio Inácio Andrioli é doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück, Alemanha.

Membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), é autor de seis livros. O mais recente “Soja Orgânica Versus Soja Transgênica: um estudo sobre tecnologia e agricultura familiar no noroeste do RS” foi publicado no dia 15 de setembro, e está disponível para download gratuito neste link.

A Hora – Como você avalia a escalada dos agrotóxicos nos últimos anos?

Antônio Inácio Andrioli – Os índices têm crescido desde a época em que o Brasil se tornou campeão mundial de consumo, em meados dos anos 2000. Naquele período, se dividíssemos a quantidade de agrotóxicos legalmente comprada, conforme dados oficiais da Associação Nacional da Indústria de Defensivos Agrícolas, pela população, chegávamos a 5,2 litros por habitante ao ano. Consumíamos mais agrotóxicos do que vinho. Agora chegamos a 7,1 litros por habitante, isso se esse consumo for distribuído de forma uniforme.

Quais regiões são mais afetadas pelo uso de agrotóxicos?

Andrioli – O campeão, no Brasil é o município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. São 152 litros por habitante ao ano, e naquela região temos o agravante das pulverizações aéreas. O professor Wanderlei Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso, tem divulgado várias pesquisas sobre isso, alertando para os efeitos à saúde da população. O documentário Nuvens de Veneno, disponível no Youtube aborda essa questão. No RS, a região noroeste lidera o uso de agrotóxicos. Recentemente até a Rede Globo tem divulgado matéria associando o alto índice de câncer naquela região ao consumo desses produtos. O Hospital de Caridade de Ijuí tem muitos dados nessa área. Está cientificamente comprovada a presença de resíduos de glifosato na urina e no leite materno de várias regiões do país, além de rios e fontes de água contaminadas.

A contaminação da água preocupa?

Andrioli – A Unijuí, o Instituto Federal Farroupilha e a Emater têm vários estudos sobre essa contaminação. Na fórmula do Roundup, além do glifosato, que é o princípio ativo, tem sal de isopropilamina e taloamina. A taloamina é responsável pelo efeito surfactante, ou seja, diminui a tensão superficial de um tecido vivo para permitir que o glifosato penetre na planta. A cada nova fórmula do Roundup lançada no mercado, aumenta o teor de taloamina. Mas a substância é proibida em vários países da Europa, por provocar câncer, em especial de pele, justamente por romper o tecido celular. Imagina se banhar em um rio que contém taloamina ou tomar diariamente banho de chuveiro com essa água contaminada. No Brasil, 92% da área cultivada com soja, milho e algodão é com transgênicos resistentes ao Roundup.

Alguns setores afirmam que o uso de veneno é benéfico por aumentar a produtividade, em especial no agronegócio. Falam, inclusive, na possibilidade de reduzir os índices da fome. Isso se comprova?

Andrioli – A fome só aumentou nesse período, desde que foram liberados transgênicos e que elevou o uso de agrotóxicos. Embora países como o Brasil tenham saído do mapa da fome, principalmente em função de políticas sociais e de distribuição de renda, no mundo passamos de 800 milhões para um bilhão e 200 milhões de pessoas passando fome. A produtividade não aumentou em decorrência de transgênicos e agrotóxicos. Além disso, aumentou a concentração de terras e o custo de produção. Em resumo, menos gente na roça produzindo comida, tendo que ser alimentada por menos produtores.

Existem alternativas viáveis aos transgênicos?

Andrioli – No caso da soja, novas variedades conseguem aumentos de produtividade sem transgenia. Para uma variedade nova, mais produtiva, ser transformada em transgênica o processo dura uns dez anos. Tenho acompanhado isso na CTNBio e a conclusão é que as variedades não transgênicas chegam antes ao mercado e as transgênicas sempre têm uma defasagem na produtividade. Detalhe: toda variedade pode ser transformada em transgênica, ou seja, ser resistente ao Roundup. Ser resistente ao Roundup não significa ser mais produtiva.

Recentemente foi divulgada a compra da produtora de agrotóxicos Monsanto pela farmacêutica Bayer. Qual sua opinião sobre esse negócio e o que ele representa?

Andrioli – Simboliza o monopólio da indústria química sobre a produção de alimentos. Se, em outros tempos, o grande progresso das ciências da saúde contou com melhorias no saneamento básico, atualmente depende da qualidade dos alimentos. Para a indústria farmacêutica, interessa vender mais produtos químicos, mantendo o consumidor vivo por um longo tempo. Essa é a tese básica, seja da Bayer, da Basf ou da Syngenta. A primeira empresa a investir em milho transgênico foi a Syngenta, da Suíça, a maior indústria farmacêutica do mundo. A pergunta básica: por que uma empresa da indústria farmacêutica investe em milho?

– É uma pergunta curiosa.

Andrioli – Minha resposta: o milho bt, esse disponível no mercado, com gene de bactéria que produz toxina para matar lagarta, provoca imunodeficiência, que é a base de todas as doenças. A Bayer é a maior indústria química da Alemanha, país que mais produz químicos. Curiosamente, a Alemanha proibiu os transgênicos. Os países europeus seguem produzindo longe de casa o lixo que proíbem perto de si mas, ao final, os resíduos dos venenos em nossos produtos vão parar lá também.
Ao comprar a Monsanto, a Bayer segue a lógica da Syngenta, aumentando sua fatia no mercado e dando uma nova marca aos produtos da Monsanto. A expectativa é controlar o que se produz de alimentos na Ásia, África e América Latina, mantendo a população mundial dependente, como consumidora de produtos químicos.

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