Vale do Taquari – Basta uma nova pesquisa sobre índices de prisões por tráfico de drogas para se chegar a mesma conclusão: o problema segue aumentando de forma considerável a cada mês, ano ou década. Os números são drásticos. Em 2003, o Vale do Taquari inteiro contabilizou 21 detenções de traficantes. Só nos três primeiros meses de 2014, o montante chegou a 31.
O crime chega a pequenas localidades da região na mesma velocidade em que aumenta nos grandes centros. Há 11 anos, apenas seis municípios tiveram registros de traficantes presos. No ano passado, as 185 prisões foram efetuadas em 21 cidades. Maior cidade do Vale do Taquari, Lajeado registra crescimento de quase 900% no número de ocorrências.
Foram 97 prisões em 2013 contra apenas dez em 2003. Este ano, são 31 em sete meses. Os números do ano passado bateram todos os recordes da cidade. Houve registro de 261 assinaturas de Termos Circunstanciados (TC) por usuários flagrados com drogas. Há 11 anos, foram 45 ocorrências por porte do droga. Nos três primeiros meses de 2014, já são 30.
De acordo com o tenente-coronel, César Augusto da Silva, comandante do 22º Batalhão da Polícia Militar (BPM), a repressão se torna insuficiente diante do aumento no consumo e da rentabilidade do negócio ilícito. “É o crime mais rentável e de menor risco para o infrator. E, aliado ao constante aumento dos consumidores, se torna um problema muito complicado de enfrentar.”
Ele admite a dificuldade de manter os soldados motivados no combate ao tráfico de drogas. A rápida absolvição dos criminosos e as dificuldades para configurar o crime são principais problemas enfrentados pela BM no combate. “E mesmo assim o número de prisões aumenta a cada mês. Isso comprova que nossos policias estão determinados”, ressalta.
Silva comenta sobre o avanço do tráfico na região. Cita que os pontos e “bocas de fumo” costumam ser os mesmos. “Só muda o traficante. Nós prendemos um, mas a hierarquia logo trata de arranjar um ou mais substitutos.” Segundo ele, o uso de menores de idade e até idosos na venda de drogas é cada vez mais comum. Assim como o advento das mulheres neste tipo de crime. “Utilizam também casais, sempre na tentativa de disfarçar. Estão sempre inovando.”
Assim como o comandante da BM, o delegado regional substituto, Juliano Stobbe, também considera fracas as leis de repressão contra usuários e traficantes. Ele concorda com a diferenciação de ambos, no entanto, acredita que a lei de 2006 é branda. “A leveza com que se tem tratado o usuário, com certeza, estimula o uso da droga. Hoje, a pena para o porte de droga é uma mijada (sic) do juiz.”
O delegado cita também o fato de traficantes que se passam por usuários para escapar de uma punição mais severa. “Alguns carregam pouca quantidade e quando são abordados se dizem usuários. Tem casos em que prendemos três vezes a mesma pessoa em um ano.” Silva completa. “E tem os grandes traficantes, que muitas vezes transitam entre a alta sociedade, mas nunca estão relacionados aos crimes.”
Reflexo nos presídios
A repressão reflete diretamente nos três presídios estaduais da região. Hoje, entre regimes fechado, semiaberto, aberto e provisório, são 675 presidiários. Deste montante, 34% – ou 229 – estão ligados ao tráfico de entorpecentes. Há cerca de 15 anos, homicidas, ladrões e estupradores eram maioria.
Em Lajeado, onde há anos o problema da superlotação coloca em xeque a segurança do local, são 177 presos envolvidos com drogas. Em junho, até uma agente penitenciária foi presa suspeita de facilitar a entrada de maconha no presídio.
Legalização em debate
O exemplo uruguaio, que autorizou o Estado a controlar o cultivo e a venda limitados de maconha, gera controvérsias. O país vizinho ao Brasil optou por uma solução semelhante àquela tomada em outros países, que também adotaram formas de descriminalizar o porte para uso pessoal como Bélgica, Estônia, Austrália, México, Holanda, Portugal e alguns estados norte-americanos são exemplos.
No Brasil, a discussão avança no Senado e também na Câmara de Deputados. Dois projetos se embatem. Um deles, de autoria de Osmar Terra (PMDB), prevê a criminalização do usuário e do pequeno traficante e institui a internação compulsória como política de Estado. De outro lado, Jean Wyllis (Psol) encaminhou ao Congresso uma proposta pela descriminalização do comércio da maconha.
O tenente-coronel da BM resume o sentimento em relação à possibilidade de liberação das drogas no Brasil. “Acho perigoso legalizar, não sei como funcionaria a fiscalização. Não podemos descartar totalmente, pois algo novo precisa ser feito. Mas já vi muitas boas intenções darem errado pela desorganização”, salienta Silva.
Ele considera o assunto complexo, e compara com a discussão sobre pena de morte no país. “As pessoas temem, pois muitos não acreditam que possa funcionar.” O delegado regional se mostra contrário a descriminalização das drogas, em específico a liberação da maconha. Para ele, isso não traria diminuição da criminalidade. “Na minha opinião, o Uruguai vai se arrepender”, diz Stobbe.
Para o sociólogo e antropólogo, Caco Baptista, prováveis problemas de fiscalização não servem como argumento para evitar a legalização das drogas. “Se vamos ser radicais, devemos proibir o cigarro e o álcool, pois o contrabando destes produtos persiste.” Ele é favorável à descriminalização de substâncias entorpecentes. “Essa política de guerra às drogas perdura há mais de 40 anos. E o número de usuários e traficantes só aumenta. Estamos enxugando gelo”, observa.
Baptista afirma que a proibição gera uma série de riscos aos usuários. O contato com traficantes e produtos sem controle de qualidade e com adição de outras substâncias lhe preocupam. “Os traficantes colocam vidro na cocaína. Usuários morrem em função disto.” Para ele, a legalização evitaria também que policiais se arriscassem para combater o tráfico. “O traficante tem muito poder.”
O sociólogo lembra a tentativa dos Estados Unidos de implantar a Lei Seca, entre os anos de 1920 e 1933. “Corrupção, aumento do poder da máfia e mortes foram algumas consequências. O mesmo está acontece com as drogas. Por isso acho que a falta de discussão é gerada por interesses financeiros.” Para ele, os governos gastam cifras exorbitantes para perder a guerra contra as drogas.
“Se há consumo, haverá mercado”
Devido ao avanço do tráfico de drogas, na opinião do sociólogo Valter Freitas, o mercado de entorpecentes saiu da informalidade. Para ele, se criou uma relação entre usuário e vendedor, que mesmo com mais repressão e aumento das prisões não conseguem estancar a atividade. “Esse é um fenômeno de todo o país. A rede criminosa se consolida e se amplia.”
Junto com isso, o número de dependentes também cresce. “Se há consumo, haverá mercado”, avalia. Diante do consumo cada vez mais comum na sociedade, Freitas teme a continuação da epidemia do crack. Atribui a essa substância o aumento da violência. “São pessoas doentes. Quando estão drogados, perdem a consciência dos seus atos.”
Para ele, a sociedade vive uma situação dramática. Enquanto a população clama por segurança, as respostas dos poderes públicos parecem insuficientes diante do fenômeno. Os números envolvendo prisões e posse de drogas mostram a complexidade do problema.
Na avaliação dele, a rede do narcotráfico está posta. Muitos locais de venda são de conhecimento da polícia. “Pelo que vemos, a prisão dos traficantes não garante o fim do comércio, ao contrário, apenas acirra o conflito.” Como exemplo, cita os homicídios cometidos em Lajeado neste ano. Foram 24 assassinatos, e pelo menos dez estão ligados ao tráfico de entorpecentes.
Sobre a legalização das drogas, o sociólogo tem dúvidas se esta é a solução. “A sociedade precisa deixar de lado o falso moralismo de que a solução é criminalizar o usuário.” Cita também a importância de intensificar o atendimento em saúde, incrementar as campanhas educativas mostrando os malefícios do uso de entorpecentes, e tipificar quais drogas são perigosas e criar leis de combate, aumentando a pena de acordo com os malefícios de cada droga.