Cultura indígena está ameaçada de extinção

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Cultura indígena está ameaçada de extinção

Índios que vivem às margens das rodovias mantêm pouco de suas tradições

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Vale do Taquari – Há pouco para comemorar no Dia do Índio, celebrado nessa sexta-feira. Instalados em pequenos lotes de terra localizados às margens das principais rodovias da região, as duas aldeias de caingangues do Vale do Taquari são um retrato do descaso e da pobreza de uma cultura esquecida no tempo e desprezada pelos órgãos governamentais responsáveis.

iAlcoolismo, higiene precária, assassinatos e até tráfico de drogas flagrados em áreas indígenas nos últimos anos atestam essa triste realidade. Sem saneamento básico em ambas as aldeias, a saúde dos moradores está em risco. A falta de assistência adequada por parte do órgão tutor, a Fundação Nacional do Índio (Funai), é ultrajante.

Na aldeia Fochá, localizada no bairro Jardim do Cedro, existem apenas resquícios da cultura indígena. São 17 famílias convivendo em 12 casas de madeira. Todas equipadas com televisão, aparelhos de som e, em alguns casos, antenas parabólicas. “Os indígenas procuram adequar suas práticas às nossas pela nossa própria imposição”, comenta a antropóloga Andréia Martini.

A maioria dos jovens índios carrega celulares, onde mantêm atualizadas suas páginas nas redes sociais. “Nunca mais vamos recuperar a verdadeira tradição”, lamenta o cacique Francisco “Rokã” dos Santos, 53. Ele prefere não comemorar o Dia Nacional do Índio. Sente-se triste nesse período. Mesmo assim, luta para manter ao menos o dialeto da tribo. E nisso o êxito é visível.

Outra tradição mantida é o artesanato. Mas até essa prática, que garante parte do sustento dos índios, está ameaçada. “A matéria-prima está acabando. Sem mato, nossa cultura será perdida.” Os jovens demonstram pouco apreço pela atividade. E são cada vez mais crianças nascendo dentro da tribo. Cabe aos mais velhos a produção de cestos, balaios e pequenos arcos que são vendidos à beira da estrada ou nas esquinas das cidades próximas.

Festa tradicional teve “funk” e cerveja

No último fim de semana, foi realizada uma integração de tribos caingangues na aldeia Fochá. O ritual do KiKi (bebida alcoólica preparada com mel) ficou em segundo plano para os jovens índios. Dentro do salão de festas da comunidade, o som do funk ecoava pelas precárias paredes de madeira.

Dezenas de latas de cerveja foram vistas jogadas em frente ao salão. Diversos índios estavam embriagados. Um deles dormiu sobre um banco de madeira, observado por crianças. O cacique lamenta o fato. “Foram os “brancos” que trouxeram a cachaça para as aldeias e agora eles querem nos apontar como cachaceiros.”

“Situação melhora”

Apesar do cenário desolador, há esperança dentro da comunidade. Segundo o cacique, que atua há menos de um ano na tribo, tinha só cinco famílias quando ele chegou. Hoje são 17. “Todos estavam abandonando a aldeia em função de atitudes do cacique anterior.”

O seu antecessor foi acusado de não repassar as cestas básicas recebidas pela tribo e de vender os alimentos em comunidades vizinhas. Acabou expulso da tribo após várias brigas e revoltas internas. Francisco foi chamado de uma aldeia localizada em São Leopoldo. Veio com a esposa e a irmã para Lajeado.

Ele anuncia, também, a recomposição do grupo de danças da aldeia. O professor é um jovem índio, criado na pequena área de terra. A primeira apresentação ocorreu na tarde dessa quinta-feira, na Escola Municipal Dom Pedro I, do bairro Jardim do Cedro. O convite partiu da professora Juciane Beatriz Sehn da Silva, graduada em história. Os alunos aplaudiram de pé. Olhares curiosos das crianças e dezenas de perguntas provaram que a cultura indígena merece mais atenção. “É preciso despir-se dos preconceitos existentes e aprender sobre este outro”, observa.

Juciane considera normal a perda de alguns costumes pelos índios mais novos. Segundo a professora, o uso do celular é uma adaptação à nossa cultura. “Os indígenas englobaram esta tecnologia em seu benefício. Nenhuma cultura é estanque.”

A professora defende que, apesar das dificuldades enfrentadas pelas tribos, os eventos tradicionais como a Festa do Kiki, o uso de medicina tradicional, utilizando amplamente os chás disponíveis no ambiente, a preservação da língua tradicional e a confecção de artesanato são alguns dos exemplos da manutenção da cultura.

“A Funai para mim não existe.”

Entrevista com cacique “Rokã”

A Hora – Como é a relação da tribo com a FUNAI?

Cacique – A FUNAI pra mim é “mala pena” (sic), ela não existe. Se trata de um órgão federal que tem como missão cuidar dos índios, e isso ela não faz. Ela serve apenas para realizar funções burocráticas, como fazer documentos e coisas do gênero.

A Hora – Eles visitam vocês com que frequência?

Cacique – Volta e meia aparece alguém da FUNAI. Mas realizam pequenas ações, pequenos projetos. Trazem ferramentas, um carrinho de mão. Mas para construir casas eles não ajudam. Eles não tem condições de doar madeiras.

A Hora – Como está a estrutura básica da aldeia?

Cacique – Hoje temos água encanada e luz elétrica. Mas nos falta um atendimento de saúde melhor por parte do Estado. Precisamos buscar ajuda em outros órgãos.

A Hora – A proximidade com os centros urbanos e as rodovias atrapalha?

Cacique – Seria insustentável para nós morarmos longe das rodovias e das cidades. Hoje dependemos da venda do artesanato. As nossas aldeias acabariam se estivessem isoladas no meio do mato.

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