De chácara a bairro: as histórias do Jardim do Cedro e Santo Antônio

Resgate histórico

De chácara a bairro: as histórias do Jardim do Cedro e Santo Antônio

No início, essas localidades não passavam de áreas rurais e de mata, habitadas por famílias de agricultores. A partir dos anos 1950, mais moradores chegaram e deram um aspecto que, aos poucos, se tornou mais urbano. Nessas comunidades, escolas e instituições assistenciais fizeram parte da história das primeiras famílias

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De chácara a bairro: as histórias do Jardim do Cedro e Santo Antônio
O Santo Antônio no final dos anos 1990. A Igreja Assembleia de Deus aparece ao fundo / Crédito: Arquivo Pessoal
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Faz mais de 100 anos que as primeiras famílias se instalaram nessas localidades. Potreiros, matagais e plantações dominavam a paisagem, época em que essas terras pertenciam a produtores rurais.

Foi a partir dos anos 1950 que mais moradores chegaram nesses bairros. Na década de 1970, os loteamentos do Jardim do Cedro e do Santo Antônio deram um aspecto mais urbano e atraíram mais habitantes.

Hoje, os dois bairros estão muito diferentes da paisagem rural dos primeiros anos, uma história que só resta na memória dos moradores mais antigos.

Uma vida inteira no bairro

Aos 63 anos, Marlene Ruschel pode dizer que viveu todos eles no Santo Antônio. “Meu pai comprou terras aqui quando ele e minha mãe casaram, eram uns 20 hectares, no tempo em que a ERS-130 ainda não existia”, conta Marlene.

A rodovia cortou as antigas terras do pai, que compreendiam os atuais bairros Santo Antônio e Floresta. Naquele tempo, toda essa área era conhecida como Linha São Bento do Sul, assim como o Jardim do Cedro.
Marlene cresceu ali, junto dos irmãos. Lembra de caminhar por entre a roça até a escola Dom Pedro I, no Jardim do Cedro. A atual Emef foi fundada em 1919, e não tinha mais do que uma pequena sala de aula. A estrutura ainda existe.

“Meu pai era agricultor e costumava ir de carroça vender os produtos coloniais no Santo Antônio e no Conservas”, conta. Marlene também recorda ir de charrete para a missa na Igreja Matriz. “A mãe costumava levar uma parte dos filhos e o pai levava outro na garupa da bicicleta, não tinha espaço para todo mundo”, lembra.

 

Marlene cresceu no Santo Antônio e trabalhou como agente de saúde no bairro por 23 anos / Crédito: Raica Franz Weiss

Mais tarde, a família vendeu seis hectares da terra para a prefeitura de Lajeado, onde foram construídas casas populares, na área mais baixa do Santo Antônio. “Uma parte do terreno era para ser área verde, próximo ao arroio. As famílias que ficaram lá foram retiradas do Parque dos Dick, que alagava sempre”, lembra.

Foi um pouco depois disso, no final dos anos 1990, que Marlene iniciou o trabalho como agente de saúde no Santo Antônio. Ela ficou 23 anos na profissão e guarda até hoje muito carinho pelas pessoas que conheceu nesse período. “Era engraçado, eu visitava famílias nas terras que um dia foram do meu pai. Eu dizia isso e não acreditavam”, brinca.

Como lembrança, guarda dezenas de fotos da comunidade. “Eu tirava fotografias dos idosos, das crianças e dava de presente para eles. Eu gostava do trabalho no bairro e sempre gostei de morar aqui no Santo Antônio.”

Crédito: Arquivo Pessoal

 

O início do Santo Antônio

“Eu tenho saudades do tempo em que vim para cá”. É com nostalgia que Elvira da Silva, de 80 anos, lembra do início do Santo Antônio. Conhecida como Dona Bila pela comunidade, veio ao bairro aos cinco anos de idade, quando a localidade nem nome tinha, em meados dos anos 1940.

A rua Bernardino Pinto, hoje principal via do bairro, não passava de uma estrada de carroça, conta Bila. “Abrimos picada aqui, era tudo mato, árvores grossas de eucalipto. Ainda tem uns tocos por aí. Abrimos as primeiras ruas com pequenas trilhas”, lembra.

Dona Bila conta que nasceu numa família muito pobre, no interior de Cruzeiro do Sul. “Meu pai colhia arroz e minha mãe cana, a família se mudava conforme eles tinham emprego. Lembro que morávamos num potreiro, meu pai juntou duas tábuas de zinco para fazer uma cabana para ser abrigo durante o dia. De noite, dormíamos na estrebaria com as vacas dos patrões”, descreve.

Até hoje, uma memória permanece intacta na memória da idosa. Bila era criança, brincava com os irmãos no potreiro, quando um homem solicitou que um dos pais fosse até a prefeitura de Lajeado. “Era o prefeito da cidade, nunca me esqueço. Marcou às 17h na prefeitura. Nos ofereceu um terreno aqui no Santo Antônio. Naquele tempo, isso aqui era terra de ninguém, puro matagal. Até hoje não sei porque ele nos deu essa terra”, comenta.

Dona Bila / Crédito: Raica Franz Weiss

“Meus pais construíram um rancho aqui, o casebre era feito com mato. Eles iam trabalhar a pé nas lavouras de São Bento e Conventos, não tinha nada por aqui”, recorda.

Quando veio ao Santo António, Bila estudou na escola que funcionava nas antigas instalações da Fábrica Oderich, no bairro Conservas, era o único educandário pela redondeza. Mais tarde, em 1953, a atual Emef Francisco Oscar Karnal foi criada no bairro. “Eu estudei quando a FOK era uma casinha de madeira, onde hoje é a Saidan”.

Entre as coisas que ainda lembra bem está o antigo caminho para o moinho e a bica. “A rua 19 de abril era um trilho que seguia até o moinho de farinha da família Stein, eles eram donos de parte do que é hoje o Jardim do Cedro”, cita. Aos 80 anos, Bila faz questão de mostrar a antiga bica d’água, uma vertente que existe ainda hoje no bairro.

“Na minha infância, a gente era muito pobre, tive que ser muito guerreira na vida. Mas eu tive um bom casamento aqui no bairro, criei meus filhos, meus netos, bisnetos. Nunca pensei em sair do Santo Antônio.”

 

Sonho realizado

Faz quase 50 anos que Leonir Teresinha Gomes, 74, mora no Santo Antônio. Natural de Roca Sales, veio para o bairro nos anos 1970, quando casou. “Nos mudamos primeiro para perto da bica, tínhamos que pegar água com baldes, não tinha luz nem água por aqui”, recorda.

Desde criança, Leonir tinha o sonho de ter um armazém. “Eu fui diarista por muitos anos e, com meu marido, juntamos dinheiro suficiente para comprar o terreno onde moro hoje. Abrimos um bar aqui”, conta orgulhosa.

Mãe de três filhos, Leonir cuida do estabelecimento há décadas. O armazém da “Tia Leo” fez parte da vida de muita gente. Mesmo em idade avançada, destaca que trabalha de segunda a segunda. “Meus filhos me perguntam quando eu vou descansar, mas eu gosto, gosto muito mesmo”, brinca.

Pouco tempo depois de Leonir, João Arno de Araújo, 79, veio morar no bairro. O ano era 1979 quando Araújo veio de Barros Cassal acompanhado da esposa para residir na então chamada “Chácara da Prefeitura”, antiga denominação do Santo Antônio. “Tinha muito mato por aqui, ajudei a construir muitas casas da vizinhança. Ajudei também nas obras da igreja”, conta. A Igreja Assembleia de Deus, construída em 1979, faz parte da história da comunidade.

 

Leonir Teresinha Gomes / Crédito: Raica Franz Weiss

Um bairro entre os cedros

O Jardim do Cedro ficou conhecido por esse nome porque, bem no início do loteamento do bairro, a rua principal era ladeada por árvores de cedro. Quem lembra disso é Leonir Miorando, 65, um dos antigos moradores.

Ele comprou o terreno em 1978, quando veio de Sério com a família. Foi a época em que começaram a abrir loteamentos no bairro. “Tinha uns sete ou oito moradores aqui. Era tudo estrada de chão, eu plantava feijão aqui na rua”, conta. Naquele tempo, o Jardim do Cedro, chamado de Linha São Bento do Sul, só era habitado pelas antigas famílias de colonos.

Miorando foi caminhoneiro por muitos anos, trabalhou na antiga Copave, e, por volta de 1984, abriu um pequeno boteco no bairro. Em 1988, abriu o mercado que administra ainda hoje junto dos filhos.
“Ajudei a criar a Associação de Moradores, fui presidente nos anos 1990”, diz. Miorando lembra que, nos primeiros anos, o ginásio não existia, havia apenas um quiosque, com mesas de concreto para reunir a comunidade.

O campo da Associação Esportiva Jardim do Cedro também não existia. Formaram o time e, durante dois anos, só jogaram fora de casa, porque não tinham sede. “Também não tinha igreja lá no início, puxamos um galpão aqui no meu boteco para as missas.” De oito moradores para mais de 10 mil, Morando acompanhou o crescimento do bairro. “Era completamente diferente.”

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