Em tratamento para toda a vida

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Em tratamento para toda a vida

Mais de 38 mil pessoas aguardam por um transplante de rim no país. No HBB, são 60 pacientes na lista. Em meio à espera, os dias dedicados à hemodiálise e o compromisso diário com a saúde

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Em tratamento para toda a vida
Clara Davalos passa pela hemodiálise três vezes por semana no HBB / Crédito: Bibiana Faleiro
Vale do Taquari

Três vezes por semana, Clara Davalos. 30, visita a Clinefron, no Hospital Bruno Born (HBB). Na espera por um transplante de rim, a hemodiálise é a terapia que faz com que o corpo dela funcione há pelo menos 8 anos. O compromisso semanal com a saúde é, por vezes, cansativo, mas sua maior preocupação é em se sentir bem.

Natural da Argentina, Clara mora em Anta Gorda e vem a Lajeado com o transporte da prefeitura para o tratamento. Ela conta que descobriu a doença renal depois de uma gravidez. “Eu tive pré-eclâmpsia, perdi o meu bebê, e isso acabou prejudicando o rim. A partir daí comecei a ter problemas”.

A pré-eclâmpsia significa hipertensão arterial, acompanhada de um excesso de proteína na urina. Os primeiros sintomas de Clara foram inchaços. “Foi bem difícil descobrir o que levou a isso, qual era o problema que eu tinha”.

No HBB, ela iniciou a hemodiálise com quatro horas de filtração do sangue para liberar as substâncias que ela não consegue mais por meio da urina. Nas últimas semanas, os médicos baixaram para 3h30min a sessão. A notícia foi comemorada por Clara.

“O corpo acostuma com a hemodiálise. Eu, por exemplo, começo a me sentir mal e sinto que preciso vir fazer”.

Devido aos dias dedicados ao tratamento, Clara deixou o desejo da maternidade de lado. Uma nova gravidez é possível, com alguns riscos, mas ela prefere, primeiro, cuidar da própria saúde. “Um bebê requer bastante cuidado, atenção. Quem sabe mais pra frente eu não tente de novo”.

O corpo acostuma com a hemodiálise. Eu, por exemplo, começo a me sentir mal e sinto que preciso vir fazer”

Clara Davalos, paciente

Cuidado constante

Clara está entre os 140 pacientes em hemodiálise no HBB. Enfermeira e responsável técnica no Clinefron, Graziella Gasparotto Baiocco destaca que as principais causas das doenças renais são a hipertensão e o diabetes. Como são doenças crônicas, há tratamento e, com isso, prevenção.

Manter a pressão controlada com medicamentos, hábitos saudáveis e boa alimentação são ideais. No caso do diabetes, é importante manter a glicose equilibrada. Em crianças, a doença também pode ser genética ou pela má formação do órgão.

“O que leva à perda das funções renais são alterações nas veias e artérias. O rim vai atrofiando, diminui a urina, o paciente vai ficando anêmico, cansado, com dores nas pernas e náuseas”, destaca a enfermeira.

De acordo com Graziella, a doença renal tem cinco estágios e só entra em hemodiálise no último. “É um processo que o paciente pode ir cuidando antes de chegar no estágio cinco”. Há casos de pacientes que passam mais de 20 anos ou a vida toda em hemodiálise. A enfermeira ainda reforça que o transplante de rim também é um tratamento, já que a doença renal não tem cura.

No HBB, são 60 pacientes cadastrados em lista aguardando por um órgão. No Brasil, são mais de 38 mil em espera. Em média, são feitos dois transplantes de rim por mês no HBB. Em janeiro, foi a vez de Juliese Ribeiro de Oliveira, 31, receber o procedimento.

É um processo que o paciente pode ir cuidando antes de chegar no estágio cinco”

Graziella Gasparotto Baiocco, enfermeira

Liberdade

A cirurgia ocorreu no dia 23 de janeiro. A recuperação foi rápida e apenas duas sessões de hemodiálise depois, o novo rim já funcionava no corpo dela. Moradora de Cruzeiro do Sul, Juliese conta que descobriu o problema renal aos 20 anos. Com infecções urinárias recorrentes e muita anemia, foram precisos alguns exames para o diagnóstico.

“Eu já tinha hepatização nos rins, que é um branqueamento ao redor dos rins. A Dra. Nara Pimentel, do Clinefron, descobriu que eu já tinha perdido a capacidade de um rim e o outro tinha ainda 30%”.

Juliese iniciou o tratamento com antibiótico e só precisou de hemodiálise aos 27 anos. “Eu já estava uma semana sem comer, porque tinha náuseas, então comecei com as hemodiálises. Foi ruim no começo. A gente passa mal. Mas, com o tempo, vamos aprendendo como funciona”.

 

Crédito: Bibiana Faleiro

No dia da cirurgia, outro paciente que fazia hemodiálise na mesma sessão que ela também recebeu o órgão. Os foram de um doador em óbito. Juliese e o amigo se consideram, agora, irmãos de rins.

Pouco mais de um mês do transplante, ela passa por avaliações dos médicos, mas já tem planos. “Estou me sentindo livre. Agora podemos pensar em ir pra praia, sair um pouco, passear com a família sem dia e nem hora para voltar”.

No caso de Juliese, o tempo de espera pela transplante foi considerado rápido. Outros pacientes podem aguardar mais de 10 anos. Tanto quanto a enfermeira Graziella destacam a importância de expressar a vontade de ser doador em vida, para que a decisão da família também seja mais fácil.

Apoio aos pacientes

Seja na hemodiálise ou após o transplante, o tratamento continua com o uso de medicação e suplemento alimentar que também são oferecidos por instituições. Em Lajeado, a Associação de Assistência a Pacientes Oncológicos e Transplantados (Appot), oferece o serviço, assim como hospedagem e assistência psicológica e jurídica aos pacientes.

A entidade também serve como acolhimento para as famílias, além de orientação na busca pelo transplante de rim. A maior parte dos usuários da casa, que fica na rua Santos Filho, 338, são atendidos no HBB.

De acordo com a assistente social da unidade de Lajeado, Ana Paulo Wolf, hoje, são cerca de 2 mil usuários cadastrados na associação, nas duas sedes, no município e em Santa Cruz do Sul, entre crianças, adolescentes, adultos e idosos. A entidade atende mais de 40 municípios do Vale do Rio Pardo e Vale do Taquari.

Assistente social de Santa Cruz do Sul, Marlisa Lopes destaca que a associação se mantém por meio de doações, tanto em dinheiro, como produtos. Nas casas, são oferecidas quatro refeições ao dia, além de oficinas e palestras.

 

Cerca de 140 pacientes estão em hemodiálise no HBB e frequentam as sessões três vezes por semana / Crédito: Bibiana Faleiro

Segunda casa

Julia Maria Ferraria, 45, é uma das pacientes que utiliza o espaço. Moradora de Porgresso, ela vem a Lajeado três vezes por semana para a hemodiálise no HBB, com o transporte da prefeitura. No tempo de espera até o retorno da cidade, ela fica na associação.

“Aqui você se sente em casa. Eu nunca tive isso antes. Porque era sempre tudo por mim mesma”.
Júlia já passou por dois transplantes de rins. Ela teve os primeiros sintomas de doença renal aos 13 anos. E uma série de problemas como apendicite e trombose interferiram na saúde dela até que os rins pararam de funcionar.

Um pouco antes dos 18 anos, um dos irmãos de Júlia doou um rim e ela passou pelo primeiro transplante. Dez anos depois, já com uma filha, o órgão transplantado parou de funcionar e ela voltou para a hemodiálise por um ano e três meses, até conseguir um novo doador. Há três anos e meio, ela voltou à hemodiálise e entra na fila por um novo rim.

 

Júlia Ferrari já passou por dois transplantes de rins e agora aguarda um novo órgão. Quando vem de Progresso a Lajeado para o tratamento, é atendida pela APPOT / Crédito: Bibiana Faleiro

Reforço para o Vale

Outra instituição que desempenha esse papel é a Associação de Pacientes com insuficiência Renal (AAPIET). Fundada em 20 de setembro de 2021, em Santa Cruz do Sul, a entidade começa a atender também pacientes do Vale do Taquari.

Hoje, são 31 pacientes que frequentam a casa e recebem medicação, suplemento alimentar, fralda, cesta básica, atendimento com assistente social, orientação jurídica e atendimento psicológico. A associação também faz empréstimo de órtese, prótese, cadeira de roda, muleta, entre outros equipamentos.

A ideia é que, com o tempo, uma sede da associação também seja construída na região. Até lá, os pacientes podem entrar em contato com a instituição ou com o HBB para fazer o cadastro e começar a receber os auxílios.

Para se manter, a AAPIET depende do apoio comunitário e um trabalho de contato com empresas do Vale também começam nas próximas semanas. As doações também podem ser de fraldas, cesta básica, medicação ou suplementos.

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