Atenção sobre o crescente risco de deslizamentos, cobranças ao governo do Estado para qualificar a comunicação e o alerta sobre inundações, realização de novos estudos técnicos sobre o Rio Taquari, investimentos em obras de infraestrutura, necessidade de inserir a temática sobre desastres naturais nos currículos escolares e treinamento das populações para enfrentar situações de risco.
Os temas pautaram o seminário Inundações: Relatos, Estudos e Enfrentamento organizado pelo governo de Muçum, no sábado, 17. Durante quatro horas, os painéis trouxeram relatos de dez especialistas nas áreas ambiental e de arquitetura, além de representantes da secretaria estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA), Defesa Civil e Ministério Público.
“O seminário nos deu condições para podermos evoluir, cobrar dos responsáveis e não deixar o assunto esfriar. É necessário manter a mobilização e a proximidade com as esferas estadual e federal para buscar soluções, a fim de amenizar os efeitos das enchentes”, avaliou o prefeito Mateus Trojan, que aproveitou o evento para anunciar a criação de um grupo de trabalho com a missão de elaborar um plano de contingência e iniciar o debate para a construção de um novo plano diretor municipal.
“Precisamos formatar um plano geral e também um individual, com ações e orientações específicas para cada rua e moradia, além de construirmos um plano diretor que seja estratégico, responsável e futurístico, dentro da nossa nova realidade”, acrescentou o gestor.
Melhora na comunicação e novo Centro de Riscos e Desastres
A responsabilidade do diagnóstico e do tratamento das informações sobre alerta é da SEMA. A afirmação foi reforçada pela titular da pasta, Marjorie Kauffmann, que admitiu a necessidade de ajustes na forma como as informações são transmitidas à população. “Talvez estejamos falhando muito na comunicação”, disse.
Melhorias no sistema de monitoramento e alerta, aprimoramento do serviço meteorológico, aquisição de novos equipamentos para a Sala de Situação, entre eles, um radar, além do treinamento de equipes, estão entre as ações encaminhadas pela secretaria. “Espero que até o final do ano a gente possa entregar esses novos sistemas”, afirmou Marjorie. A secretária fez um apelo para que a população siga as orientações da Defesa Civil. “Tão importante quanto a gente qualificar os alertas é a comunidade entender que todo aviso deve ser motivo de evacuação. Depois, se o evento não se confirmar, melhor”, observou.
Ainda na linha de investimentos, o chefe da Divisão de Convênios da Defesa Civil, tenente-coronel Rafael Luft, confirmou a construção de um Centro Estadual de Gestão Integrada de Riscos e Desastres, em Porto Alegre. “Garanto que seremos referência no país. A estrutura ocupará um prédio de seis andares. Até o final do ano, devemos informar as etapas da licitação”, salientou. Também está em andamento a renovação dos procotolos de atuação, a partir da intensificação da ação junto aos municípios por meio dos coordenadores regionais.
Transparência e responsabilidade da CERAN
Ao mesmo tempo em que valida a informação de que as barragens da Companhia Energética Rio das Antas (CERAN) não aumentaram as vazões máximas do rio das Antas, fator que pudesse intensificar a elevação do rio Taquari, o professor Walter Collischonn cobra mais transparência e responsabilidade da CERAN nas informações à população. “Como foi a operação? Em que momento foram abertas as comportas? Por quê? Qual a regra de operação que seguem? Isso não foi divulgado de forma satisfatória ainda. Por ser uma empresa que utiliza o rio, onde muitas pessoas residem nas proximidades, essa comunicação com o público precisa ser mais transparente”, comentou o doutor em recursos hídricos.
Para ele, as barragens existentes na bacia do Taquari-Antas não têm capacidade de atenuar as grandes cheias, mesmo se fossem operadas exclusivamente para esse objetivo. Nesse contexto, ele fez um comparativo sobre ações estruturais e não-estruturais para reduzir o impacto das cheias, identificando os prós e contras em cada situação (veja quadro em destaque).
Collischonn sugeriu anda que o governo do Rio Grande do Sul defina institucionalmente o responsável por fazer as previsões e alertas. Hoje, segundo ele, quatro órgãos emitem essas informações: SEMA, Defesa Civil, CPRM e CEMADEN. “Precisamos apontar um único responsável por isso, que será cobrado e necessitará ser levado a outro patamar, com a qualificação da equipe técnica, de equipamentos e do serviço de monitoramento. O que temos hoje não é suficiente”, afirmou o professor.
Novos planos habitacionais
A arquiteta e urbanista da Univates, Jamile Weizenmann, falou sobre a contribuição da universidade no processo de reconstrução das cidades, sobretudo, nas questões que envolvem os novos planos habitacionais. Conforme Jamile, mais de 1,5 mil famílias perderam suas casas na enchente de setembro no Vale do Taquari. “Nós nos propusemos a ser o ponto de apoio dos municípios em todo o processo, desde o plano de contingência, a revisão dos planos diretores até o planejamento das moradias”, explicou.
Prevenção é prioridade
O promotor regional ambiental da Bacia Taquari-Antas, Sérgio Diefenbach, ressaltou que o enfrentamento aos desastres naturais deve ser colocado como prioridade pelos gestores públicos. “Precisamos olhar para as nossas estruturas e para as nossas organizações desde como vamos acolher as pessoas no dia de uma enchente grande. E assim como assistimos ao engenheiro falar sobre hidrologia, nós temos o setor de serviço social que explica como se faz um abrigo de acolhimento. E para isso, talvez, vamos ter que investir mais em algumas secretarias, como reforço na assistência social e na defesa civil, porque tudo já está dito como fazer. Como vamos estruturar os nossos espaços? Como vamos fazer nossas rotas de fuga e rotas de acolhimento? E que espaço vamos dar no orçamento para estas coisas?”, provocou Diefenbach.
Profundidade do Rio Taquari
O chefe da Divisão de Hidrologia Aplicada do Serviço Geológico do Brasil, Emanuel Duarte, confirmou que ainda no primeiro semestre os técnicos começarão um levantamento de topobatimetria do eixo principal do Rio Taquari, no trecho entre os municípios de Santa Tereza e Taquari, para apurar, entre outros aspectos, a profundidade do rio. E nas áreas urbanas será feita a topografia de alta precisão com escaneamento a laser. “Com isso, vamos poder gerar mapas mais precisos de inundação e identificar as áreas de risco de todos os municípios”, comentou Duarte.
Exemplos de Santa Catarina
Integrantes da comitiva do Vale do Taquari que estiveram recentemente em Blumenau-SC para conhecer as estratégias adotadas no enfrentamento às cheias fizeram um breve relato sobre a visita técnica. A apresentação foi organizada pelo assessor jurídico da Prefeitura de Muçum, Lucas Pezzi, e pelo engenheiro ambiental, Douglas Pessi. Como resultado da missão, eles sugeriram 11 iniciativas catarinenses que podem ser reproduzidas na cidade de Muçum. Entre elas, identificar as cotas de inundação em cada rua da cidade, firmar parcerias com entidades e universidades para subsidiar estudos, ter planejamento e registro de preços para compras e serviços e aumentar a fiscalização da ocupação e áreas consideradas de risco.
Pico de inundações
A engenheira ambiental Sofia Royer Moraes apresentou um histórico sobre as enchentes no Vale do Taquari desde 1873. Em Muçum, há relatos que remetem a 1940 e a enchente de setembro superou todos os níveis. Segundo ela, a característica da região aponta para inundações graduais, de elevação e escoamento lentos. “Contabilizamos uma média de 1,5 inundação por ano na bacia. Entre 2022 e 2023, porém, tivemos um pico de inundações”, acrescenta.
“Educação é mais importante”, diz especialista japonês
O professor japonês Masato Kobiyama, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS, foi objetivo em sua explanação. “Medidas estruturais é enganação, não resolvem o problema das inundações. Educação e treinamento são mais importantes. O foco deve ser treinamento e orientação nas escolas”, comentou. Outro alerta do especialista referiu-se à importância de as autoridades competentes terem um olhar mais apurado para os deslizamentos, não apenas para as inundações. “As duas situações são desastres hidrológicos, causadas pelo excesso de chuva. O deslizamento chega até as regiões de baixo risco. Há que se cuidar com a ocupação dos morros. Lugar bonito, normalmente é perigoso”, disse, enquanto mostrava exemplos de tragédias recentes em Santa Catarina.
Ações para reduzir o impacto das inundações no Vale do Taquari, na percepção do professor Walter Collischonn
MEDIDAS ESTRUTURAIS
- Barragens e reservatórios
Prós: podem reduzir as vazões máximas dos eventos mais comuns.
Contras: não ajudam nas enchentes maiores e menos frequentes; custo elevado (construção, desapropriação de áreas, operação e manutenção); não eliminam a necessidade de um sistema de monitoramento e previsão; barragens de controle de cheias não podem ser utilizadas para outros fins, pois devem permanecer vazias. - Ampliação da calha do rio (dragagem, retificação, alargamento e aprofundamento)
Prós: pode reduzir cheias pequenas e grandes.
Contras: diminuem, mas não eliminam as cheias; não eliminam a necessidade de monitoramento e previsão; exigem manutenção constante; custo altíssimo; pode transferir o problema para jusante (situação melhora em Encantado, mas piora em Lajeado; situação melhora em Lajeado, mas piora em Taquari). - Diques
Prós: protege contra cheias até uma certa magnitude.
Contras: não podem ser muito altos; podem ser superados durante uma cheia extrema se forem sub-dimensionados; implicam em adaptação da drenagem urbana nas áreas protegidas (bombeamento); exigem manutenção; estimulam a ocupação de áreas que podem ser inundadas em uma cheia extraordinária; desconectam a cidade do rio.
MEDIDAS NÃO-ESTRUTURAIS
- Zoneamento e regulamentação
Prós: custo mais baixo; não transfere impacto para a jusante.
Contras: as áreas continuam inundando; é difícil fazer respeitar. - Previsão e alerta
Prós: permite reduzir os prejuízos.
Contras: não elimina os prejuízos; exige monitoramento intenso, manutenção e equipe técnica.