O país dos caminhos que se bifurcam

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

O país dos caminhos que se bifurcam

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Na última semana, o candidato à presidência da Argentina, Javier Milei, citou Jorge Luis Borges,um importante escritor de seu país: “ Eu cometi o pior dos pecados possíveis a um homem, não fui feliz…”
Parece-me perfeito que um candidato cite literatura enquanto discute política em um país atormentado pela crise e pelo populismo. Afinal a obra de Borges abrange o “caos que governa o mundo…”

Por isso, antes de seguir adiante vou transcrever o poema original: “Cometi o pior dos pecados que um homem pode cometer. Não fui feliz. Que as geleiras do esquecimento me arrastem e me levem, sem piedade. Meus pais me engendraram para o belo e arriscado jogo da vida, para a terra, a água, o ar, o fogo. Eu os decepcionei. Não fui feliz. Não cumpri sua vontade. Minha mente se dedicou às perfídias da arte, que tece inutilidades. Legaram-me coragem. Não fui valente. A sombra de minha infelicidade está sempre ao meu lado.”

Borges continua sendo o mais enigmático dos autores argentinos e sua obra sempre convida a um passeio por um labirinto onde nunca sabemos onde termina a verdade e onde começa a ficção. É por esse motivo ele parece tão atual ao momento em que vivemos no Brasil. Por aqui nos últimos anos há uma tentativa frequente nos fazer esquecer a realidade captada pelos sentidos e substituí-las por ficções, ou narrativas como chamamos aqui. Nada é mais borgeano que essa dúvida sobre a verdade.

Em seu conto TLÖN, UQBAR, ORBIS TERTIUS, Borges explora as múltiplas possibilidades de criação e crenças ao discutir um mundo completamente novo. Em TLÖN a história do universo ora é à luta de um Deus contra um demônio, ora uma criptografia em que a verdade só aparece a cada trezentas noites ou ainda uma crença de que enquanto dormimos nesse mundo, estamos despertos em outro. Até que ponto a linguagem influencia o pensamento e em que medida esse pensamento cria coisas é a pergunta que o autor se faz o tempo todo.

Nesse ponto podemos transportar as dúvidas de Borges para o Brasil onde a história é reescrita a luz do dia e a força das palavras provoca reações tão fortes que podem fazer um homem perder o direito de usá-las livremente ao ser banido das redes sociais.

No conto ele nos mostra como “o amor pela ordem” faz o homem se agarrar a qualquer coisa que prometa isso e em tempos de caos, prossegue ele, a mente humana tende a substituir a situação atual por uma farsa lógica, ao invés de mudar o que está errado.

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