Amigos, afeto e saúde  na terceira idade

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Amigos, afeto e saúde na terceira idade

Pessoas acima dos 60 anos estão entre as que mais sofrem com ansiedade e depressão. Entre os motivos, a falta de propósito e o abandono familiar. Para manter a saúde mental em dia, o papel é também das famílias, e a busca por boas relações e atividades de lazer são fundamentais

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Amigos, afeto e saúde  na terceira idade
Sirio, 71, começou a frequentar as aulas de violão no início do ano passado, ao lado do neto Pedro, 10. Além da convivência com o menino, o aposentado gosta de encontrar os amigos durante a atividade na Casa de Cultura. Crédito: Bibiana Faleiro
Vale do Taquari

A fórmula de dona Iva Araújo Huber, 81, para se manter ativa e feliz inclui encontros com os amigos e a família. Ler o jornal e jogar cartas também fazem parte do pacote. Por anos, ela liderou o grupo de idosos Sempre Felizes, que se encontra duas vezes por mês para cantar, dançar, dar risada, organizar viagens. Uma festa que mantinha a energia vibrante e o espírito jovem.

Iva faz parte das mais de 30 milhões de pessoas acima de 60 anos no Brasil. Mas, por se preocupar com a saúde mental e viver em condições externas positivas, está fora dos índices de ansiedade e depressão na terceira idade no país, que se agravou a partir de 2020.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, a população entre 60 e 64 anos era considerada a mais afetada pela depressão. Entre os principais motivos estava o abandono familiar e a falta de propósito após a aposentadoria.

Aposentada, Iva gosta de ler jornal, jogar cartas e se encontrar com a família e os amigos. Crédito: Júlia Amaral

O isolamento social, o medo, o luto e a insegurança durante a pandemia agravaram o cenário e essa faixa etária continua em foco de campanhas como Janeiro Branco, que busca incentivar, já no início do ano, o cuidado com a saúde mental.

Ombro amigo

Atividades como as desempenhadas por Iva ajudam a manter a mente equilibrada. Hoje, com dores no joelho e problemas no coração, ela já não consegue mais ir às reuniões todos os meses. Mesmo assim, segue como conselheira do grupo.

“Eu olho nos olhos e já sei quem tá precisando de uma palavrinha. Sabe que a gente, idosa, é complicada, porque tem dias que a gente não está de bem com a vida, né? Tudo incomoda, é uma dor ali e aqui, e às vezes a gente desanima”, comenta.

Mesmo antes do isolamento social, Iva já percebia as dificuldades emocionais dos amigos da mesma faixa etária. Há seis anos, soube que um integrante do grupo estava com depressão profunda. Mas Iva acredita que os encontros animados do Sempre Felizes ajudaram a aliviar a dor do amigo e recuperar a vontade de viver.

De volta ao violão

A última Pesquisa Nacional de Saúde, publicada em 2019, aponta que a depressão atinge cerca de 13% da população brasileira entre os 60 e 64 anos de idade. Para que a doença seja amenizada, a família tem importante papel de cuidado. Além disso, a busca por atividades de lazer é responsável por incentivar o idoso a se manter saudável.

Aos 71 anos, é isso o que o aposentado Sirio Giovanella procura. Acostumado a tocar violão quando mais novo, o morador de Lajeado mantinha, inclusive, uma banda com os amigos. Com o tempo, a prática foi deixada de lado. Mas, no ano passado, começou a frequentar aulas de música ao lado do neto Pedro, de 10 anos.

“Há mais de 30 anos, aprendi a tocar de ouvido. Hoje, meu neto sabe melhor do que eu as notas e acordes. Ainda estou meio sem agilidade nos dedos, mas a gente vai seguindo”. O aposentado conta que ele e a esposa queriam voltar a morar no interior, mas a saudade dos netos fez com que voltassem à cidade. “A gurizada faz muita falta pra nós. Dois, três dias tu ficar lá, tudo bem, mas depois sente saudades”, diz.

Idosa aos 60 anos?

Com seis décadas de vida, a psicóloga Cynara Arenhart, passou a integrar o público da terceira idade faz pouco tempo e acredita que, hoje, ser idoso não implica em ter limitações. “Anos atrás uma pessoa de 60 anos era mais debilitada mesmo. Hoje eu corro, faço academia, ando de moto, tenho uma vida super agitada. Pretendo, se a saúde permitir, ir até os 75 anos andando de moto”, destaca. Para ela, a idade está longe de ser um problema. “Eu vejo que ser um pouco mais velha me favoreceu muito. Tenho mais liberdade”, conta.

O envelhecer só se tornou uma preocupação quando, aos 50 anos, percebeu que precisava buscar por atividades físicas para garantir a saúde e bem-estar. Foi nessa época que Cynara começou a correr e até hoje frequenta a academia. Além das atividades físicas, a psicóloga salienta a importância das boas relações para envelhecer com saúde.


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“Quando promovemos saúde mental, também estamos prevenindo agravos”

Nesta época do ano as pessoas começam a fazer metas e ver o que não fizeram no ano que passou. Como você avalia esse momento?
Os inícios parecem ter esse poder de gerar na gente a sensação de “uma nova oportunidade” e, com isso, podem nos motivar a mudanças que estejam mais alinhadas à vida que queremos viver. O início de um novo ano parece ser um convite à uma reflexão necessária a todos nós de tempos em tempos: o que eu desejo para mim agora?
Este é um movimento importante de cuidado, no qual podemos, por um momento, parar e pensar sobre a vida que estamos vivendo, olhar com mais gentileza para a nossa história e para os lugares que queremos ocupar.

Quais as principais causas de desequilíbrio na saúde mental hoje?

Cada vez mais as pessoas têm buscado auxílio para lidar com demandas relacionadas à saúde mental. O que se observa, em geral, é que esta busca vem acompanhada por sintomas clínicos importantes, principalmente, de ansiedade, depressão e esgotamento. Mesmo antes da pandemia, o Brasil liderava o ranking como o país com os maiores índices de ansiedade e depressão.
Sem dúvidas, a experiência da pandemia contribuiu para o agravamento desses quadros. Embora não possamos apontar um fator específico que cause o adoecimento, podemos supor que nossos modos de vida podem nos deixar mais vulneráveis a esse processo. A sobrecarga de trabalho e de tarefas, o ritmo acelerado a que somos expostos, o cenário de constante insegurança e instabilidade financeira, a ausência de investimentos em cuidados básicos como alimentação, sono e atividade física são alguns exemplos de como temos gerido nossas vidas e que certamente podem influenciar nossa saúde mental.
A questão da saúde mental também varia de acordo com a idade das pessoas. Qual é a melhor forma de lidar com possíveis doenças nesse sentido ou evitá-las, tanto para jovens quanto adultos e idosos?
Saúde mental é um grande guarda-chuva que inclui ações de promoção e prevenção e não se restringe à presença ou não de um transtorno mental.
Quando promovemos saúde mental, também estamos prevenindo agravos. E isso é possível nos diferentes estágios de vida e de diferentes formas.
Estamos cuidando da saúde mental quando ensinamos as crianças sobre o reconhecimento e a expressão das suas emoções, quando acolhemos as angústias dos adolescentes e oferecemos oportunidades para que eles se desenvolvam de forma segura, quando questionamos os adultos sobre a forma como tem gerido suas vidas ou quando os incentivamos a romper ciclos de violência e a buscar ajuda.
Ainda, quando garantimos que as pessoas idosas estejam em ambientes protetivos e acolhedores. Tudo isso contribui para uma cultura que valoriza a saúde mental e a reconhece como uma dimensão essencial da vida.

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