Vídeo íntimo vaza e reabre debate sobre limites na internet

Comportamento

Vídeo íntimo vaza e reabre debate sobre limites na internet

Compartilhamento de filmagem de influenciadora digital de Lajeado ganha repercussão. Caso comprovado crime, punição por divulgar imagens pode chegar a 5 anos de prisão

Por

Atualizado sexta-feira,
25 de Março de 2022 às 09:50

Vídeo íntimo vaza e reabre debate sobre limites na internet
Compartilhar conteúdo de outra pessoa sem autorização é crime tipificado no código penal. Caso seja de um ex-parceiro(a) e tenha o intuito de humilhar ou de vingança, punição é aumentada em até dois terços. Crédito: Júlia Amaral

Um vídeo íntimo de uma jovem compartilhado por um grupo de amigos reascende os limites da exposição nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens. O caso aconteceu nesta semana em Lajeado.

Há informação de pelo menos três homens identificados pelo repasse do material. Conforme as informaçõe, um deles que teria um relacionamento com a jovem e mostrou o vídeo para amigos.

A partir disso, um dos rapazes teria pego o celular e encaminhado o conteúdo para o próprio número. Depois compartilhado com um terceiro.

A jovem, uma influenciadora digital com mais de 28 mil seguidores no Instagram, divulgou um vídeo na noite dessa quarta-feira (23) em que fala sobre o episódio. A reportagem entrou em contato, mas ela não aceitou conceder entrevista.

No vídeo, a mulher afirma: “o intuito é comentar o que aconteceu. Será breve e único. Não vou falar mais sobre isso”. Ela também agradece o apoio que tem recebido e pede empatia. “Questiono o seguinte: se fosse tua mãe, tua filha… qualquer figura feminina da tua família. Acho que não ia gostar”, diz e continua: “independente do que acontecer, dinheiro nenhum vai pagar o que passei nestes dias.”

Conforme o código penal, quem vaza conteúdo de cunho erótico ou sexual sem consentimento pode pegar de 1 até 5 anos de prisão.

“Nunca imaginei que isso fosse acontecer”

Um dos envolvidos no compartilhamento do vídeo aceitou falar com a reportagem sem se identificar. Ele confirma a história de como as imagens vazaram. “Estávamos entre três amigos. O que tinha relacionamento com a menina mostrou o vídeo para nós. Depois, ele pediu para eu pegar o celular dele e mandar umas fotos do futebol. Aquele que estava do meu lado disse: ‘me manda o vídeo para eu ver’. Então eu mandei para o meu celular.”

Antes de mandar para esse terceiro amigo, afirma que pediu sigilo: “eu confiei nele. Nunca imaginei que isso fosse acontecer.” Após enviar a gravação, ela foi parar em um grupo de amigos. “Me arrependo muito do que fiz, do sofrimento que causei a ela. Peço milhões de desculpas para os pais dela, para a família toda e para ela.”
Com a situação, afirma que aprendeu: “nunca mais vou compartilhar nada, nem piada. Não tenho conseguido dormir, nem trabalhar. Só penso nisso.”

Recorrência de casos

O avanço da tecnologia tornou comum a prática de expor-se em redes sociais e facilitou trocas de imagens. Especialistas apontam que, em meio a uma sociedade que cultua a aparência, a troca de fotos e vídeos transformou-se em uma forma de sedução.

Episódios como a desta semana têm acontecido com frequência, diz a delegada da Mulher, Márcia Bernine Colembergue. De acordo com ela, o ato de compartilhar imagem de outros sem autorização é crime.
Nestes casos, a maior parte das vítimas são mulheres. “De modo geral, há ocasiões em que a difusão de conteúdo íntimo tem o intuito de humilhar a vítima.”

Consciência no uso da tecnologia

O jornalista e professor de Comunicação e Novas Tecnologias, Militão Ricardo, a propagação de vídeos expõe uma realidade de hoje. A própria visão de privacidade mudou, diz. “Essa geração não acha estranho gravar o dia a dia, compartilhar e comentar.”

Apesar dessa normalização, ressalta a responsabilidade de cada um ao receber conteúdos íntimos. “É preciso entender que a informação se dissemina muito mais rápido e de maneira mais abrangente hoje em dia”, diz Ricardo.

Na avaliação dele, assuntos como ética, fundamentos do jornalismo e da comunicação precisam ser propagados na sociedade, em especial entre estudantes. A partir disso, há mais conhecimento sobre o impacto que determinado compartilhamento, mensagem ou informação pode causar.

O que diz a legislação

• Pela lei 13.718/18, em caso de “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio, cena de sexo sem o consentimento da vítima”, a pena pode variar de um a cinco anos de reclusão;

• A punição é aumentada de um terço a dois terços se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Dicas para evitar surpresas

• A primeira recomendação da polícia é não mandar foto ou vídeo íntimo;
• Caso envie, tenha confiança de que ao receber, a pessoa não irá compartilhar ou postar as imagens;
• Cuidado com arquivos no computador, no celular ou no notebook. Houve casos em que os aparelhos foram para conserto e as imagens foram publicadas na internet. Então mantenha senhas e dupla autentificação;
• Em caso de vazamento, procure a delegacia e registre a ocorrência;
• Importante informar para quem enviou o conteúdo e se existe suspeita de quem vazou;
• Caso a divulgação tenha partido de alguém com vínculo afetivo, a orientação é buscar a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher;

O que fazer se recebeu algum conteúdo

• Não compartilhe. Caso faça isso, cometeu um crime e pode ser responsabilizado;
• A orientação é: apague o conteúdo imediatamente;

Entrevista | Carine Duarte • Psicóloga – “Não é por que o sexo fica virtual que ele se torna público”

Troca de fotos, de vídeos e mensagens íntimas fazem parte do jogo erótico. Uma estratégia de flerte. Para a psicóloga, esse é um comportamento atual. Quebrar com a confiança e o consentimento indica desrespeito e causa impactos emocionais às vítimas.

• A Hora – Há como medir o impacto emocional para uma vítima desse tipo de vazamento? No que um episódio como esse interfere na vida dela?
Carine Duarte – Não há como se ter ideia do que isso vai provocar. O que sabemos é que vai interferir sobre os sentimentos, tanto à vítima quanto àqueles que estão a sua volta.
Um episódio desses influencia sobre o cotidiano dessa pessoa. É um tema muito delicado, pois há uma quebra de confiança. Quando alguém envia algo íntimo, não há mal algum nisso. Não há problema em dividir essa intimidade com minha parceria, desde que se tenha claro que esse vídeo é específico, direcionado.
Na sexualidade, tem uma palavra-chave, que é consentimento. Pouco aprendemos sobre isso na infância e na adolescência. Não é por que o sexo fica virtual que ele se torna público.

• A imersão tecnológica muda as relações íntimas, em especial com as gerações nativas desse novo ambiente. Como lidar com essa nova realidade?
Carine – Esse é um assunto do nosso tempo. Na pandemia mesmo, o sexo virtual teve um “boom”. Para lidar com isso, os envolvidos precisam compreender a grandeza dessa situação e a complexidade da confiança nas relações.

Uma coisa é quando a casal conversa sobre, deseja e tem combinações claras quanto a troca dessas imagens. Porém, no calor do momento, há quem esqueça a importância disso.

• Em 2015, houve em Encantado uma situação semelhante. Um grupo de homens difundia conteúdos eróticos e pornográficos de mulheres? Tudo isso trouxe grande impacto sobre a vida de muitas vítimas.
Carine – Eu lembro. Inclusive trabalhei esse tema nas escolas, com adolescentes. É uma questão séria e, como sociedade, precisamos debater isso. Criar uma rede de proteção para que não se chegue a casos como uma menina de Dois Irmãos que se suicidou pois não suportou o vazamento de um vídeo.

Por mais que eu não queira emitir juízo de valor sobre esse fato recente de Lajeado, quando ocorrem episódios desses, vemos o desrespeito à mulher. Não é por que ela quis trocar imagens com alguém que deve ser julgada pelos outros.

• Como lidar com o pós-vazamento?
Carine – É relativo. Cada um reage de uma forma. Há quem vai chegar ao extremo do suicídio. Outros vão ressignificar. Vai olhar e dizer: tem um monte de gente que troca vídeo pornô, que manda imagens sexualizadas e agora estão falando de mim.

É preciso normalizar isso e também buscar as medidas legais. Não se pode deixar sair impune, até para a sociedade ver que há consequências, que existem leis.

Ao mesmo tempo, também é indicado procurar acompanhamento psicológico e, até mesmo, acompanhamento psiquiátrico.


Acompanhe nossas redes sociais: Instagram / Facebook.

Acompanhe
nossas
redes sociais