Novos moradores, impacto nas rotinas e estímulo econômico

Efeito da duplicação

Novos moradores, impacto nas rotinas e estímulo econômico

Trabalhadores de outras regiões, aumento na clientela dos estabelecimentos, novos negócios e procura por imóveis. Consequências de uma das obras de maior impacto na história recente da região, que transformou o cotidiano de Marques de Souza. Em quatro meses, começa a surgir o novo asfalto

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Novos moradores, impacto nas rotinas e estímulo econômico
(Crédito: Mateus Souza)
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Ademir e Luiza Pasa chegaram a Marques de Souza em fevereiro. Vindos da Serra Gaúcha, o casal estava à procura de trabalho e se integrou à equipe da empresa responsável pela duplicação da BR-386.

A chegada de trabalhadores de todos os cantos do país agita não apenas o comércio e os serviços de Marques de Souza. O setor imobiliário também nota as consequências. O aumento na procura por moradias causou reflexo no preço dos aluguéis, que subiram cerca de 20% nos últimos meses. Isto levou funcionários a buscarem residências em Travesseiro e Lajeado.

Por trás da duplicação da rodovia, iniciada há cerca de um mês, estão diversas histórias. Seja das pessoas que escolheram o Vale do Taquari para trabalhar e morar, seja de uma comunidade que experimenta um momento inédito no município. A presença constante de máquinas e operários às margens da BR, no canteiro de obras e nas ruas mexe com o cotidiano local.

Até fevereiro de 2023, quando está previsto o término da duplicação dos 20,3 quilômetros entre Marques e Lajeado, estes trabalhadores, contratados pela Eurovias, estarão na linha de frente. Estima-se que a população do município cresceu pouco mais de 2% desde abril, passando de 3,9 mil para 4 mil pessoas. Este número deve aumentar mais pelos próximos meses.

Entre diretos e indiretos, duplicação gera cerca de 400 empregos. Estimativa é que até 1,2 mil pessoas trabalhem na obra até 2023 / Crédito: Mateus Souza

Impacto econômico

Pouco antes da chegada dos primeiros operários no município, Rogério Caetano Dolzan Filho e Nilza Dallagnol compraram um restaurante no Centro da cidade. Vieram de Lagoa Vermelha e, após um começo difícil por conta das restrições da pandemia, celebram o bom momento e projetam um futuro promissor na região.

A empresa tem buffet no almoço e serve mais de 100 refeições no café da manhã para os trabalhadores da duplicação. “Começamos apenas com marmitas. Agora temos essa parceria. Nosso objetivo é atender a demanda e se adaptar à necessidade deles”, afirma Dolzan.

A família se adaptou bem a Marques de Souza, diz Dolzan. A especialidade dele, que tem familiares em Lajeado, era assar churrasco para eventos. “Aí surgiu o convite e decidimos arriscar. Estamos em uma cidade acolhedora e que tem tudo para melhorar ainda mais com a duplicação”, relembra.

Outros empreendedores também percebem um aumento na demanda. Janice Beatriz Noll é proprietária de um mercado no Centro. “Estamos bem contentes, pois um indica o outro e eles sempre vem aqui. Tivemos um crescimento sobretudo na parte de bazar e ferragens, pois muitos chegam sem nada e precisam comprar itens básicos”, frisa.

Por outro lado, a obra também traz alguns transtornos. Volmir Antônio Deboben administra um restaurante às margens da BR-386. As obras em frente ao local tornam o trânsito complicado para quem tenta atravessar a rodovia ou fazer o retorno. “Tínhamos muitos clientes que vinham no sentido capital/interior. Agora, perdemos esse movimento. Nossa média diária de almoços caiu”, comenta. Entretanto, ele defende a duplicação. “É um transtorno necessário que vamos ter de de passar”.

Família de Lagoa Vermelha comprou restaurante no Centro e colhe os frutos da duplicação / Crédito: Mateus Souza

 

Venda de produtos de bazar e ferragens impulsionaram movimento no mercado de Janice / Crédito: Mateus Souza

 

Volmir vê movimento de clientes cair após início da obra, mas acredita em benefícios com a duplicação / Crédito: Mateus Souza

Procura por imóveis

Se antes não existia demanda por imóveis na área central de Marques de Souza, hoje há pouca disponibilidade. Isso influenciou no preço do aluguel, que cresceu cerca de 20% no município. “Há poucos imóveis disponíveis e, quando são desocupados, logo são locados novamente”, comenta o prefeito Fábio Alex Mertz.

Para compensar essa situação, empresários do ramo da construção civil projetam loteamentos populares no município. Alguns empreendimentos estão saindo do papel. Responsável técnico pela construção de dez novos sobrados em Marques de Souza, o engenheiro civil Douglas Scherer lembra que a procura por imóveis mais acessíveis afeta o setor imobiliário como um todo.

Scherer investe na construção de sobrados de olho no futuro / Crédito: Ramiro Brites

Com isso, também surgem moradias de maior padrão. Para ele, são investimentos necessários para o futuro do município. “Este ano, os investidores olharam mais para Marques visando construções mais populares, tanto para aluguel quanto para venda, que sejam mais ao alcance da população. É um novo momento. Tem muita gente reformando, consertando suas casas”, salienta.

 

Efeito na cidade vizinha

Travesseiro também sente as consequências do aumento populacional decorrente da duplicação. Com a baixa oferta de imóveis em Marques de Souza, trabalhadores buscam moradias no município vizinho. Até uma van foi destinada pela Eurovias para o deslocamento diário dos funcionários.

O movimento é considerado natural pelo prefeito Gilmar Southier. Ele acredita, no entanto, que eles ficarão por um curto período no município. “Há várias casas que foram alugadas, sobretudo na parte urbana. Já era esperado, mas é algo temporário”.

Conforme o prefeito, ainda há imóveis disponíveis na cidade, o que pode mudar caso o número de trabalhadores de fora aumente nos próximos meses. “Falam que é para dobrar. Então pode ser que falte aqui. Isso vai respingar em Lajeado também”, avalia.

 

Estabelecimento de Weimer é frequentado por trabalhadores que alugaram casas no interior de Travesseiro / Crédito: Mateus Souza

Em Picada Felipe Essig, três casas foram alugadas por trabalhadores. Elas ficam próximas ao estabelecimento comercial de Edison Weimer, 57. “Todos são nossos clientes. Tem um rapaz que é do Pará. Conversamos bastante e é muito interessante essa troca de culturas. Há muitas diferenças, até na culinária. Gostam de comida mais apimentada”, brinca.

Weimer diz que não é novidade a presença de moradores de fora. Lembra que muitos vieram para atuar na antiga indústria de laticínios da localidade. “Agora eles vão para outras cidades. E trabalhar em fábricas não é mais tão vantajoso financeiramente”.


“A saúde está preparada”

Por contar com uma população pequena, Marques de Souza dispõe de um número limitado de estabelecimentos de saúde. Em tempos de pandemia e frio intenso, há a preocupação com o atendimento nestes serviços. Mas, segundo Fábio Mertz, há condições de suprir um possível aumento na demanda.

“Estamos preparados para atender a esse plantel. Tanto a UBS (Unidade Básica de Saúde) do município quanto o Hospital Marques de Souza tem estrutura adequada para isso”, garante o prefeito. Já na área da educação, ainda não houve procura por matrículas na rede municipal. “A maioria dos trabalhadores vem sozinhos. Poucos vieram com família completa”.


Eles escolheram o Vale

Quatro profissionais de diferentes áreas. Todos vieram de outros municípios. Em comum, estavam desempregados e agora aproveitam a oportunidade de trabalhar numa das obras mais impactantes para a economia e logística do RS.

Nathália Menegazzo, 27, é natural de Frederico Westphalen. Leila de Oliveira, 25, veio de Fontoura Xavier. Uma é graduada em Engenharia Civil, enquanto a outra é formanda. Além do curso, ambas tem em comum a paixão por rodovias.

“Na universidade onde estudei, o curso é muito voltado à construção civil. Aqui é diferente. Sempre quis focar nessa parte de rodovias”, destaca Nathália, que se candidatou à vaga pelo aplicativo LinkedIn e atua na sala técnica da Eurovias.

Leila trabalha na parte de suprimentos, sua primeira oportunidade na área de formação. “É meu primeiro emprego de carteira assinada. É um aprendizado de grande valia. E as pessoas aqui são receptivas, tanto na cidade quanto na empresa. Minha intenção é seguir e crescer”, comenta.

 

Nathália, de Frederico Westphalen, e Leila, de Fontoura Xavier, vivem o sonho de trabalhar em obras de rodovias / Crédito: Mateus Souza

O casal Ademir e Luiza Pasa residia em Marques de Souza antes do começo das obras. Mas os dois, vindos da Serra Gaúcha chegaram à região apenas em fevereiro. Moram em uma casa alugada em frente ao canteiro de obras.

“Chegamos antes da Eurovias aqui e fomos os primeiros contratados. Só eu ajudei a locar casas para muitos que chegaram depois”, lembra Ademir, encarregado da construção civil na empresa. Há três anos procurava oportunidade na área. Já Luiza atua de serviços-gerais. “Estávamos parados e apavorados. Felizmente fiz a entrevista e logo me chamaram. É muito bom conhecer gente nova, aprender coisas novas. Pretendemos ficar muitos anos aqui na cidade”, comemora.

Todos foram recrutados por Joelson Vasconcellos, coordenador de Recursos Humanos da Eurovias. Outro que veio de fora. É paraense e foi criado em São Luís (MA). “Nosso objetivo sempre foi que esses trabalhadores iniciassem e que terminem a obra conosco. Buscamos um tratamento familiar com os funcionários”.

Luiza e Ademir alugaram casa em frente ao local onde foi erguido canteiro de obras da Eurovias / Crédito: Mateus Souza

 

ENTREVISTA

“O grande impacto é a melhora na trafegabilidade”

Economista e atual vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Cintia Agostini destaca os efeitos positivos da duplicação para Marques de Souza. Segundo ela, o grande legado será a melhora nas condições da rodovia, que permitirá a atração de novos investimentos ao município no futuro.

A Hora: Hoje, percebemos uma grande movimentação em Marques de Souza com o avanço das obras na BR-386. Quais os principais impactos que a duplicação trará neste momento?
Cintia: Trará arrecadação para o município. Há pessoas que vieram de fora para trabalhar. Isso vai gerar uma certa dinâmica. Negócios já existentes serão bastante afetados. Isso tudo traz um impacto, que é momentâneo, sobretudo neste primeiro ano. Depois ficam alguns poucos resquícios. Claro que alguns podem ficar após a conclusão, mas vejo isto como um impacto pontual.

AH: Após a conclusão da duplicação no trecho, o que fica para Marques de Souza?
Cintia: O grande impacto é a melhora na trafegabilidade. A BR-386 estará duplicada e com facilidade de deslocamento. Isso aumenta a competitividade e a produtividade dos negócios, pois diminui os custos com a logística. Será muito mais fácil ir de Marques para outras regiões. Pode, sim, se tornar um ponto de referência e atrair negócios que precisam estar próximos à rodovia, com potencial para empreender.


 

Detalhes da obra

  • • O investimento previsto na primeira etapa de duplicação da BR-386 é de R$ 250 milhões. Além das novas pistas, serão construídos 13 quilômetros de vias marginais, dois retornos em nível, seis adequações de acesso, quatro passarelas de pedestres, seis novas pontes, alargamentos de pontos existentes, duas passagens inferiores e duas superiores;
  • • Neste momento, segundo o coordenador de engenharia da CCR ViaSul, Fábio Hirsch, as máquinas estão concentradas na supressão da vegetação, limpeza do terreno e já começou também a drenagem. Nos próximos dias, trabalharão na fundação da primeira ponte. Hoje, das 92 vigas previstas, 15 estão prontas;
  • • A CCR ViaSul estima que, em três a quatro meses, inicie a colocação do asfalto da nova pista. Já em outubro, está prevista a chegada das máquinas a Lajeado, para construção das obras de arte nas interseções.

NÚMEROS

Atualmente, a obra de duplicação na BR-386 gera
400
empregos diretos e indiretos no município e entorno. Destes, estima-se que cerca de
100
são trabalhadores de fora, que fixaram residência em Marques de Souza, Travesseiro e Lajeado.

Atualmente, a Eurovias está com
18
vagas abertas. A maior parte para operador de motoniveladora e operador de motoserra. A empresa trabalha com um pico máximo de
1,2 mil
trabalhadores durante os dois anos de obras no trecho de Marques a Lajeado.

Estima-se que a população de Marques de Souza cresceu
2%
desde abril, quando a Eurovias começou a se instalar no trecho. Isso resultou numa alta de
20%
no preço do aluguel de imóveis em Marques de Souza

 

Crédito: Mateus Souza

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