UM OLHAR À SAIDAN

do abandono ao acolhimento

UM OLHAR À SAIDAN

Instituição que já acolheu quase duas mil crianças em situação de vulnerabilidade hoje conta com a ajuda da comunidade para continuar mudando a vida de menores de todo o RS. Com 68 anos de fundação, entidade precisa de auxílio para ampliar estrutura e atender mais pessoas

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Abandonada quando criança, Andriele hoje mostra ao filho Guilherme onde passou a infância e adolescência / Crédito: Bibiana Faleiro

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Atualizado segunda-feira,
07 de Junho de 2021 às 08:26

UM OLHAR À SAIDAN
Abandonada quando criança, Andriele hoje mostra ao filho Guilherme onde passou a infância e adolescência / Crédito: Bibiana Faleiro
Lajeado

Andriele Savana Moura dos Santos, 24, era ainda criança quando saiu de casa, e foi no aniversário de 9 anos que pisou na Saidan pela primeira vez. Ela vivia com os avós já mais velhos e sem condições de cuidar dos netos. Os parentes também não acolheram a menina que encontrou na entidade um ambiente de apoio e cuidado que a família não podia oferecer.

Ela é uma das quase duas mil crianças e adolescentes que passaram pela Saidan Associação Assistencial durante os quase 70 anos da instituição, e foi para a entidade ao lado de dois irmãos mais novos.

Andriele lembra do dia em que foi tirada da residência dos avós. O início foi difícil mas, com o tempo, a insegurança deu lugar ao acolhimento e ela passou a se sentir em casa. Durante a adolescência, além de frequentar a escola, ela também trabalhava em mercados do município e ajudava nas tarefas da entidade. Não faltou amor na vida de Andriele que hoje tem a certeza de que a Saidan mudou sua vida.

“Tudo o que tenho hoje foi por ter convivido com as pessoas da Saidan. Elas me ensinaram a amar e a fazer boas escolhas”, conta. Quando completou 17 anos, Andriele deixou a entidade, mas continuou visitando o espaço para acompanhar os irmãos mais novos.

Faz cinco anos que está casada e hoje é mãe do Guilherme Henrique, de 3 anos. Moradora de Lajeado, trabalha em uma fábrica de calçados em Santa Clara e diz levar da vivência na Saidan, o amor, carinho e a educação que recebeu no lar. “Hoje tenho um filho e a ele quero dar o amor e respeito que ganhei das mães e pai social lá na Saidan”.

 

Andriele mostra para o filho Guilherme Henrique a casa onde viveu dos 9 aos 17 anos / Crédito: Bibiana Faleiro

Uma entidade por várias mãos

Lajeado da época tinha cerca de 10 mil habitantes e passava por uma epidemia de tuberculose quando foram feitos os primeiros esboços da Saidan. A entidade foi construída para dar apoio a quem não tinha condições de enfrentar o tratamento da doença, especialmente àqueles que moravam nas ruas.

Em 4 de fevereiro de 1952 foi realizada a primeira reunião e, em 30 de outubro de 1953 o centro foi inaugurado. A Saidan foi fundada por voluntários. Entre eles, a família Arruda e o então prefeito Bruno Born.

Na época, a entidade possuía apenas um centro administrativo no antigo fórum de Lajeado, e ficou sem sede fixa por dez anos. Até 1964, quando a antiga chácara da prefeitura foi cedida para a construção de um patronato e da então Escola Agrícola e Industrial de Lajeado.

O espaço recebia meninos de 5 a 14 anos em situação de vulnerabilidade social. Muitas famílias que não conseguiam custear a educação dos filhos, também inscreviam as crianças no Patronato da Saidan.

No início eram 40 acolhidos em alojamentos coletivos. Depois, as vagas aumentaram para 80. Quando a escola fechou, as crianças que não tinham para onde ir permaneceram na instituição. Muitos deles com atividades agrícolas e com aprendizagem na marcenaria que ainda funcionava no local.

A entidade era denominada Sociedade de Assistência à Infância Desamparada e de Auxílio aos Necessitados e a recebia crianças com medidas protetivas judiciais de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O espaço se transformou em um serviço de acolhimento para qualquer situação de vulnerabilidade social, por orfandade, maus tratos, violência doméstica ou sexual.

Em 2019, o nome da instituição foi alterado para Saidan Associação Assistencial, e hoje possui um modelo com duas casas lares, núcleos organizados por uma mãe social responsável por até dez crianças e adolescentes.

Mãe, tia e avó

A rotina deles é como a de qualquer criança no ambiente familiar. Os acolhidos frequentam a escola, participam de projetos e auxiliam nas tarefas de casa. Vez ou outra recebem uma mesada para comprar um sorvete na rua, e, no fim do dia, sentam juntos à mesa para comer a refeição preparada por Ruth Miranda Real, 65, e pelas outras mães sociais.

Natural de São Jerônimo, Ruth trabalha na Saidan faz pouco mais de um ano. Na entidade, ela é responsável por parte dos acolhidos e hoje cuida também da pequena Isadora de apenas três meses de idade.

“Quando vim pra cá, assumi sete filhos. Sou mãe, avó, tia, a gente tem que ser referência e tentamos ensinar o que a gente pode”, destaca.

Mas a convivência nem sempre é fácil e as mães sociais também recebem apoio de psicólogas e assistentes sociais. “Às vezes passamos por situações difíceis e não sabemos se podemos ajudar. Eles chegam aqui com medo, não estão preparados para sair da família. Quando necessário, nós também pedimos ajuda”, conta Ruth.

Mais do que um lar

Assim que um acolhido chega na casa, uma equipe profissional apresenta um Plano Individual de Acolhimento, que auxilia o trabalho das mães sociais e dos coordenadores que também buscam a reconstituição dos laços familiares.

Hoje, 14 acolhidos vivem na Saidan. “Essa é a grande diferença, eles vivem de forma integral na casa, 24h por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano, não tem folgas ou feriados, eles estão em casa”, ressalta o atual presidente da entidade, Jorge Eckert, 69.

Na entidade desde 2008, ele assumiu a presidência da Saidan a partir de 2015, de forma voluntária. “Faço esse trabalho como uma forma de retribuir o que ganhei da vida, poder acompanhar o crescimento dessas crianças é a minha recompensa”, destaca.
Eckert conta que teve o primeiro trabalho aos 7 anos e, entre outras funções, fez o curso da Brigada Militar, onde atuou na área de ensino por quatro anos.

Hoje é aposentado, e gosta de compartilhar o que aprendeu ao longo dos anos com os filhos que ganhou na Saidan. O olhar preocupado e as mãos que amparam os pequenos traduzem o trabalho dele na instituição.

“A nossa vivência com os acolhidos é parecida com aquilo que se vive em família. A vitória de um filho pela aprovação em um curso acontece aqui também. A gente vive a vida e as conquistas deles e é gratificante ver esse progresso. Eles são praticamente uma extensão das nossas famílias”, destaca.

 

O olhar de cuidado do presidente Jorge Eckert traduz o trabalho da entidade / Crédito: Bibiana Faleiro

A terceira casa

Com espaço para atender 20 crianças até o ano passado, em outubro de 2020 a Saidan finalizou a construção da terceira residência, aumentando para 30 as vagas de acolhidos. O novo espaço ainda não foi inaugurado, mas está mobiliado e a ideia é poder receber crianças e adolescentes de todos os municípios do estado.

A construção foi viabilizada por meio de doações e recursos da própria entidade e custou cerca de 140 mil reais. Uma casa construída a várias mãos, da mesma forma que foi idealizada no início da década de 50.

Hoje o custo mensal de manutenção da entidade é de 50 mil reais, sendo cerca de 16,8 mil reais recebidos pela prefeitura de Lajeado. O valor inclui a folha de pagamento dos funcionários contratados pela Saidan e os custos de manutenção das casas.
Outros valores entram na entidade por meio de doações da comunidade e de programas municipais, estaduais e federais. Além dos profissionais de saúde e administração contratados, muitos voluntários também auxiliam para o funcionamento da instituição.

Exemplo de família e cuidado

Outros ainda realizam ações pontuais, com doações de alimentos, roupas ou utensílios. Entre os voluntários, estão Jerônimo Schuhl, 31, e a mãe Lairi Maria Bassani, que tiveram um exemplo do trabalho da entidade dentro de casa.

O pai de Jerônimo, Pedro Albino Schul, que já é falecido, ficou órfão quando era criança e viveu na Saidan até 1973, quando fez 17 anos. “Meu pai contava que toda a base de sua educação veio de lá, a idoneidade e amor próprio, a valorização da amizade ele aprendeu na entidade”, lembra Jerônimo.

Entre as lembranças do pai, estavam os jogos de futebol que abriram portas para ele naquele tempo. “Para a nossa família, a Saidan é exemplo de acolhimento, educação e amor”, acredita Lairi.

Equipe da Saidan é composta por profissionais contratados e voluntários / Crédito: Bibiana Faleiro


Futuro Centro Educacional

Um novo projeto está nos planos da instituição para os próximos anos. Um Centro Educacional na área da Saidan para receber crianças e adolescentes dos bairros de Lajeado no contraturno escolar. Parte da estrutura já existe no ginásio e complexo da antiga Escola Agrícola e Industrial.

O centro será desenvolvido em cinco eixos, com base nos fundamentos do ECA. O primeiro passo é a criação de uma escolinha de esportes e uma horta já está sendo feita nos fundos da instituição. Entre as áreas de atuação do futuro centro está o auxílio pedagógico, oficinas de expressão corporal, artística e cultural, educação socioambiental, tecnologia e cursos de profissionalização.

COMO AJUDAR

Constituída na forma de associação civil, os associados da Saidan contribuem para o pagamento das despesas da entidade por meio de mensalidade e auxiliam nas decisões gerais da instituição. Um membro da comunidade pode se associar por meio de um formulário que será formalizado em reunião de diretoria.

Quem quiser contribuir também pode verificar as necessidades da Saidan pelas redes sociais ou entrar em contato pelo telefone (51) 3714 1119 e e-mails saidan.secretaria@outlook.com e saidan.financeiro@outlook.com.

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