O maior quiprocó

Opinião

Sérgio Sant'Anna

Sérgio Sant'Anna

Publicitário

Assuntos e temas do cotidiano

O maior quiprocó

Por

Vale do Taquari

A origem da expressão é o latim medieval quid pro quo, que significa “uma coisa pela outra”, um tipo de “toma lá, da cá”, alguma troca de favores ou compensação. Aportuguesada, virou “quiprocó”. O Dicionário Houaiss ainda cita o termo como sendo o “livro que existia nas farmácias para indicar as substâncias que deveriam substituir as receitadas pelo médico, caso a farmácia não as possuísse”. Possivelmente, pela confusão que trocas malsucedidas podem causar, quiprocó virou sinônimo de discórdia, desentendimento, engano e erro.

Com o fim da idade média e o florescer do humanismo renascentista, o homem e as suas capacidades ganharam lugar central nos estudos, enquanto a teologia, dominante até então, ficou relegada a um segundo plano. Considerado “o manifesto do humanismo renascentista”, a obra Discurso da dignidade do homem narra uma espécie de fábula, onde Deus, depois de determinar funções específicas para todos os seres, se depara com um humano sem lugar definido na escala da criação. O que poderia transparecer limitação ou insignificância, na verdade, torna-se algo especial.

O jovem autor do manifesto, Giovanni Pico della Mirandola (1463-1496) descreve: “Veja, Adão, não vou lhe conceder nenhuma prerrogativa, nem lhe designarei um lugar exclusivo na criação. Os outros seres têm de se ater ao que eu programei para eles, mas você poderá procurar e lavrar seu próprio destino, usando sua liberdade. Será seu próprio escultor e poderá fabricar com seus atos a imagem que preferir. Poderá subir a escala até o ponto mais alto (…) ou se degradar e descer até as bestas inferiores”.

Giovanni não fazia a menor ideia de onde chegaríamos com nosso potencial criativo e transformador, mas naquele momento buscava retratar a capacidade criadora do homem, nos colocando não apenas como parte da criação divina, mas como um colaborador, alguém superior às demais espécies, porque somos capazes de inventar a nós próprios – para o bem e para o mal.

Nos tempos atuais, com a tecnologia amplamente integrada à nossa vida, o fato de algumas empresas programarem suas assistentes virtuais para responderem a mensagens machistas beiraria o ridículo, se não fosse verdadeira a infâmia de alguns homens que se dedicam a agredir ou assediar até um computador, uma inteligência artificial que, embora possua voz feminina, é desprovida de emoção e pouco se importa com tal comportamento. O fato, embora autêntico, é fichinha diante das incontáveis atitudes que homens e mulheres praticam diariamente, se esvaindo em pecados que deixariam o jovem Pico ruborizado. Comer a fruta sagrada foi apenas um deslize gastronômico, diante do que veio pela frente.
Mas, segundo Mark Tawil, no seu blog desta semana, valorizar o erro é positivo, desde que você o utilize como forma de crescimento, e não como mais um castigo do Cosmo ou do Divino. O erro só ajuda. Falhar é humano – várias vezes também. “Errar rude” é o problema. E repetir o mesmo erro também. Ainda conforme Tawil, a gente só alcança a excelência quando experimenta diversas vezes o fracasso.

Por outro lado, em termos de acertos, nos últimos dias o Vale do Taquari ganhou repercussão mundial com o Cristo Protetor. Nem cabe mais aqui tecer elogios à sacra iniciativa ou ressaltar o potencial que traz à região, somando-se ao Trem, ao Porto e a tantas outras criações divinas e humanas que ponteiam o Vale. Destaco apenas o embrólio que ia se desenhando, na triste comparação entre os cristos valetaquariense e o carioca – cada qual com sua magnitude e expressão. A peleia se encerrou sem muito começar, servindo sim para projetar ainda mais o fato em construção. O que poderia ser o maior quiprocó da paróquia é apenas uma amostra do quanto podemos subir na escala da criação. Apaziguando o que não merece conflito e fazendo mais por nós mesmos.

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