Desemprego, perda de renda e o retorno da fome

PANDEMIA E POBREZA

Desemprego, perda de renda e o retorno da fome

Pela primeira vez em 17 anos, o país registra aumento nos índices de insegurança alimentar. No Vale do Taquari, serviços de assistência social confirmam tendência de crescimento da vulnerabilidade. Em Lajeado, famílias em extrema pobreza passaram de 1.192 para 1.539 em um ano

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Desemprego, perda de renda e o retorno da fome
Única renda de Nataniele vem do Bolsa Família. Hoje vive em um kitnet alugado pelo município com os quatro filhos
Vale do Taquari

Uma renda mensal em torno dos R$ 140 para sustentar quatro filhos. Essa é a realidade para Nataniele da Silva Rosa, 26, de Lajeado. Sem escola para as crianças, preci­sou largar os serviços que pres­tava como diarista. Agora o úni­co dinheiro que entra em casa é o do Bolsa Família.

A moradia também é custea­da pelo aluguel social. São duas peças: quarto e banheiro. Cerca de 20 metros quadrados, onde cabem duas camas, a geladei­ra e o fogão. A casa própria de Natalieli, no bairro Planalto, aguarda reforma. Precisou sair, pois estava condenada, com ris­co de desabamento.

O dinheiro é insuficiente para as despesas do lar. Precisa pa­gar água e luz. A alimentação chega por meio de doações de cestas básicas por parte da As­sistência Social. Nataniele é uma das pessoas consideradas no nível de pobreza, com renda menor do que R$ 178 por mês.

Pelos dados da Secretaria de Habitação, Trabalho e Assis­tência Social (Sthas) de La­jeado, o total de pessoas nesta condição cresceu 13% entre 2020 e 2021. Um percentual inferior aos que agora estão na extrema pobreza, com renda inferior a R$ 89 por mês.

De acordo com a coordena­dora do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) Espaço da Cidadania, Fátima Luciane Machado, de abril do ano passado até março, houve um avanço de 29% no total de famílias em extrema pobreza.

Assim como nos indicadores nacionais e estaduais, esse au­mento da pobreza é resultado da pandemia, devido aos reflexos do desemprego e da perda de renda entre as famílias. Os mais atingidos por esse flagelo social e econômico são as pessoas com menor escolaridade, com pouca ou nenhuma formação técnica e os autônomos.

Este perfil ainda mostra que os trabalhadores com mais de 50 anos, mulheres e, em espe­cial, mulheres negras, são as pessoas mais atingidas pelos impactos socioeconômicos pro­vocados pela pandemia.

Metade da renda

Camila da Silva Marques, 35, está desempregada desde outu­bro. Trabalhava como caixa. En­trou nas medidas de contensão de despesas da empresa e desde então, não conseguiu retornar ao mercado de trabalho.

Recebeu o seguro desemprego até março deste ano. Com três filhas, todas adolescentes, a úni­ca renda hoje é a do trabalho do marido, que atua como comer­ciante. “No início da pandemia, tivemos suspensão de contrato. Logo ali já passamos a viver com metade do que ganhávamos”, conta Camila.

Com Ensino Médio completo, afirma que não foi chamada para nenhuma das vagas de trabalho para qual se candidatou. “Nem mesmo para entrevista. Entre­guei diversos currículos, mas a oportunidade não apareceu.”

Ela é uma das líderes do Qui­lombo Unidos, do bairro Planal­to, em Lajeado. São 43 famílias na comunidade. “Procuramos auxiliar, seja com doações, ou mesmo com orientação, pois muitas pessoas têm pouca esco­laridade.”

Deste total de famílias do qui­lombo, Camila estima que 30% estejam sem trabalho. “Temos pessoas em situações muito crí­ticas, inclusive com pessoas pas­sando fome”, alerta.

Adaptação forçada

A microempresária Débora da Silva precisou modificar o trabalho no atelier de costura. Em vez de vestidos de festa, passou a confeccionar roupas para o dia a dia

Graduada em Moda, a micro­-empreendedora individual, Débo­ra da Silva, viu os pedidos despen­carem. O negócio era destinado para roupas de festa, casamentos, formaturas e debutantes. Justo no setor de festas, um dos mais atin­gidos pela pandemia. “Parou tudo. Eu fiquei sem saber o que fazer, vendo minha renda despencar”, conta.

O auxílio emergencial do gover­no federal foi um alento no ano passado. “Foi uma ajuda impor­tante. Havia alguns atrasos nos depósitos. Por vezes não vinha em um mês, depois vinha dois meses. Mas era algo que ia acabar.”

Sabendo que o benefício era temporário, precisou se reinven­tar. Passou a costurar roupas mais usuais, para o dia a dia. Também passou a atuar na educação do cur­so de Moda. Mesmo assim, com as duas atuações profissionais, a ren­da ainda é menor do que o período antes da pandemia.

Sem auxílio

Ivone Noll, 55, recebe em tor­no de R$ 800 por mês na venda de materiais recicláveis. Com este dinheiro, sustenta a casa e um casal de filhos. Apesar de se encaixar nos critérios para o auxílio emergencial, ela não conseguiu o benefício. “A vida está mais difícil. A comida está mais cara.”


FOME NO PAÍS

• Pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) aponta que 116,8 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar.

• A pandemia deixou

19 milhões

com fome

em 2020, atingindo 9% da população nacional. Maior taxa desde 2004, quando essa parcela tinha alcançado 9,5%.

• O número representa quase o dobro do visto em 2018, quando o IBGE identificou 10,3 milhões de pessoas nessa situação.

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