Um novo começo na casa dos pais

Comportamento

Um novo começo na casa dos pais

Dificuldades financeiras e isolamento social levam jovens a retornar ao ninho e se readaptar à rotina com a família

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Atualizado sexta-feira,
14 de Junho de 2020 às 13:38

Um novo começo na casa dos pais
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Antes do início da pandemia, a estudante de Relações Internacionais Lara Isadora Pereira, 21, procurava por um apartamento para morar sozinha. A jovem dividia um sobrado com uma amiga em Lajeado desde 2019, quando decidiu deixar a casa onde morava com a mãe e os avós, em Teutônia, para dar os primeiros passos em busca da independência.

Uma rotina mais prática foi um fator importante na decisão. Os amigos e o namorado moram em Lajeado, onde Lara estuda, então acabava passando pouco tempo em Teutônia. Quando surgiu a oportunidade de um emprego em Lajeado, a jovem logo decidiu fazer a mudança.

Porém, no início do ano, Lara ficou desempregada, e, com a chegada da pandemia, surgiu a necessidade de voltar a morar com a família em Teutônia. “Tentei adiar o máximo possível, pois estava acostumada com a minha rotina e a me virar sozinha. Na minha cabeça, voltar era um retrocesso, mas com a pandemia e sem emprego, não tinha muita escolha.”

O retorno ocorreu em maio e a readaptação não tem sido fácil. Além de não poder ver os amigos e realizar as atividades comuns antes do isolamento, a jovem destaca a saudade de ter o próprio espaço. “Foi minha primeira experiência vivendo sozinha e adorei. Sinto falta de fazer as coisas no meu tempo, sem ter que consultar ninguém”.

Os planos para o futuro incluem voltar a morar em Lajeado assim que a situação melhorar. A mãe Silvia Wiprich apoiou a decisão de Lara em voltar a morar com a família, e também é sua grande incentivadora para retomar a busca pela independência. “Ela me encoraja muito a retornar para Lajeado e morar sozinha, mas até tudo melhorar, pretendo ficar aqui com ela”.

Retorno temporário

Era final de março quando Sophia Wermann, 20, decidiu passar o período do isolamento social na casa dos pais, em Estrela. Estudante de Farmácia, a jovem vive em Porto Alegre desde 2018, onde divide um apartamento com uma amiga.

Quando foi aprovada no vestibular, mudar de cidade foi a opção para diminuir os custos e também uma oportunidade de amadurecer ao morar sozinha pela primeira vez.

“Meus pais sempre me incentivaram a estudar para passar em alguma universidade federal, então ficaram muito felizes, mas também tiveram que lidar com a saudade e demorou um pouco para nos acostumarmos com a distância”.

O retorno ocorreu pela necessidade de ajudar os pais nas tarefas de casa e auxiliar o irmão Pedro Henrique, 9, nas atividades escolares.

Sophia pretende voltar para Porto Alegre assim que a situação se normalizar. Enquanto isso, busca se readaptar à rotina da casa dos pais. “Uma parte difícil é o sono, pois aqui acabo precisando acordar e dormir nos horários deles”, brinca.

A experiência está sendo tranquila, uma vez que todos tem um bom relacionamento, conta a jovem. A parte mais difícil é se concentrar nas tarefas da faculdade e a saudade do próprio cantinho. “Mas meus pais entendem que é diferente estar aqui por tanto tempo depois da experiência de viver sozinha, então me dão bastante liberdade e privacidade”.

A psicóloga Aletéa Rissi analisa a complexidade do momento vivido por estas famílias e ensina como lidar com a nova realidade dentro de casa.

A Hora – Qual o impacto psicológico que esta mudança causa nas famílias? Como lidar com isso de forma positiva?

Aletéa Rissi – Neste momento estamos nos ressignificando, nos readaptando a novos modelos familiares. É um período de desafios, intensificados pela pandemia. Surgem angústias, dúvidas e medos, gerando um aumento nos níveis de ansiedade. Essa nova estrutura, a perda da rotina, as readaptações, são bastante difíceis, ainda mais no contexto atual, onde as mudanças ocorreram de forma rápida.

Por mais que muitas vezes estejam próximos dos pais, estes jovens se sentem sozinhos, porque o processo de conversão não está existindo de maneira saudável, e isso acaba gerando, por vezes, um sofrimento emocional, que pode causar consequências maiores, como uma depressão ou ansiedade mais elevada.
Para os adolescentes, há ainda o agravante da perda da liberdade. Talvez seja o momento dos jovens se questionam o que é o processo da liberdade. Será que a liberdade é somente morar sozinho? A independência é somente essa ou ela envolve aspectos emocionais?
Devemos nos atentar as questões emocionais, as manifestações do nosso corpo, da nossa saúde mental. É importante pensamos que é um período que exige, em primeiro lugar, aceitação. Nos permitir sentir os nossos medos e angústias para que consigamos lidar melhor com estas transformações.

– Como a família pode proceder para se adaptar melhor a esta nova configuração?

Aletéa – Sejam famílias maiores ou pais que têm somente um filho, mas que estão todos juntos neste momento, as rotinas são diferentes. Precisamos pensar estratégias que podem ser feitas em casa e, ao mesmo tempo, lembrar de não nos cobrarmos tanto, para que essas rotinas ocorram todos os dias.

Nem sempre acordamos dispostos a fazer exercícios físicos ou ler um livro. Precisamos atentar a esta cobrança para que não gere uma consequência emocional que intensifique nossos níveis de ansiedade

– Existe um lado positivo nesta mudança?

Aletéa – Retornar para a casa dos pais exige novos hábitos, é um momento de resiliência, de cautela. Os pais também mudaram suas rotinas em casa, no trabalho, nas suas cobranças do dia a dia. Porém, é um momento de aproximações, de acolhimento.

As necessidades dos pais não são as mesmas dos seus filhos, e isso exige paciência e compreensão de ambos, mas é um momento de olhar para tudo isso e perceber o fortalecimento de vínculos que muitas vezes existiam mais por telefone ou rede social.

Acredito que esse é o momento da aproximação afetiva e isso é muito positivo. Por mais que exista o isolamento social, que não estamos conseguindo nos abraçar como antes, mas que voltaremos a fazer, é um momento de vínculos mais saudáveis.

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