Remington 25 e a revolução sem fim

Opinião

Gilberto Soares

Gilberto Soares

Coluna aborda temas do cotidiano, política e economia. Escreve duas vezes por mês, sempre aos sábados.

Remington 25 e a revolução sem fim

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

“… É preciso não confundir: Presidente com divindade Ministro com impunidade Três poderes com Trindade Brasília com a verdade…”  – Todo o homem é minha caça, Millôr Fernandes
Escrever é um desafio angustiante. A mim, aflige o primeiro risco sobre a folha virginal – desde meus primeiros escritos, prefiro começar pelo papel. O refino fica para algum equipamento.
Certa feita, minha avó juntou uma pequena fortuna de seus ganhos como cozinheira e presenteou-me com a máquina de escrever Remington 25. Explico a máquina: corpo de plástico, leve e desenho arrojado – comparada com as tradicionais. Teclas mais leves, fita com tinta a qual batiam os tipos para para imprimir o texto no papel. Fazia barulho, mas permitia cópias por carbono e textos uniformes. Portátil, era o notebook da época.
MÉTODO – “Fiz datilografia”, expressão da época para um curso imprescindível para o jovem que almejava “ser alguém”. As escolas eram respeitadas e os professores severos. Já o diploma destacava-se como joia e requisito para os concursos.
Punha uma folha A4 imaculada na Remington e suspirava ante a imposição daquela brancura. E sofria até o primeiro toque. Mesmo tecnicamente habilitado, nunca consegui da-ti-lo-gra-far. Só os dedos mais ariscos acompanhavam a velocidade das ideias.
Guardo com zelo meu note analógico. E mantenho o método de trabalho em meu Samsung: reflito para formar o texto inicial, leio, releio. Só a partir desse momento, passo a escrever com os dedos ágeis. Criação é um processo lúdico e divirto-me com um prazer da infância: brincar com lápis, caneta e papel. Ah, também brinquei de bang-bang e lembro de outra Remington – dos rifles presentes em muitos conflitos pela excelência, inclusive na Revolução Soviética.
EVOLUÇÃO – Peguei o início de uma revolução tecnológica ao debutar na publicidade em Bagé. Em 1974, conheci por dentro o Correio do Sul, jornal local. Impresso em uma linotipo, o periódico encantava pela habilidade dos linotipistas e a montagem espelhada das páginas. Parecido com os news norte-americanos dos anos 1930/40. Depois, até pouco mais da metade dos anos 1980, acompanhei a evolução das rotativas offset Goss Metroliner da Zero Hora. E vi o inicio do inacreditável vídeotexto. E havia mais.
REVOLUÇÃO I – Sociedades fixam tradições intolerantes com mudanças radicais. Quando ocorrem, são deflagradas pela força das armas, na preponderância da ordem nova sobre a velha. As armas da Remington fizeram estragos sangrentos. Mas não provocaram o inesperado como o tsunami chamado Internet. Aqui, a inteligência iniciou a revolução não ideológica. Eliminou barreiras físicas e conceituais e fez a informação multiplicar-se na velocidade de um clique. Novos verbetes invadiram vetustos dicionários. Delete, download ampliaram o nosso anglicismo; “colar” ganhou mais um sentido. E outra palavrinha danada, “absolescência”, trouxe a angústia do novo pelo novo.
REVOLUÇÃO II – Nos últimos anos, a Justiça no Brasil tornou os homens menos diferentes. Camburão, cadeia e tornozeleira eletrônica entraram no dia a dia de nomes e sobrenomes famosos. Dignitários da república e próceres empresarias – na verdade, políticos venais e empresários quadrilheiros – migraram das colunas sociais ou políticas para as policiais. O torvelinho engole o funéreo Michel Temer e sua débil reação: “Não renunciarei”. Falta-lhe convicção para ser firme.
OUTRA REVOLUÇÃO II – A Lava-Jato rompeu as primeiras correntes que prendem o hoje à triste colônia. É vez de criar a nação contemporânea. É doído, sei. Toda revolução também o é.
Um Brasil menos “patropi” não se apavora com as revelações (parte dele comemora o êxito da Jornada Alimentaaçãors encerrada ontem). Essa gente notável mantém o país de pé com trabalho e determinação. Crê na cidadania, não quer a tutela militar e exige a punição dos criminosos. Apoia-se na lei, abomina a Remington que mata e já escolheu o seu lado: a decência.

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